Vale acrescentar a definição do Departamento de Estado dos EUA:
Jenkins (in Whittaker , 2005) considera QUALQUER uso de força ou ameaça do uso deste instrumento como "terrorismo". Apenas por esta definição podemos considerar até a guerra como terrorismo, assim como a guerrilha ou qualquer tipo de ação armada.
Já o FBI fala em lei, obviamente a lei aplicada pelo Estado, qualquer movimento subnacional, logo, ilegal, se enquadra como Terrorismo. Seria engraçado, senão lamentável, notar que os EUA são o país que mais usam ilegalmente sua força em ataques ilegais (basta recordar a invasão do Iraque, ilegal segundo a ONU), e que mais apóiam governos genocidas, grupos e bandos armados, subnacionais que aterrorizam e matam populações.
A idéia de "legalidade" do FBI concorda com a adotada pelo Departamento de Estado que vai além e explicita a idéia de legitimidade da força menos quando se tratando de grupos subnacionais e "agentes clandestinos".
Em ambos os casos, os EUA deixam as portas abertas para o uso da violência Estatal, o Terrorismo Estatal não é citado de qualquer maneira e, nos parece, é legitimado, em especial pelo Departamento de Estado que cita explicitamente duas categorias, excluindo o Estado de responsabilidade ou imputabilidade.
A outra definição usada, a de Laqueur (in Whittaker, 2005) passa da questão legal para a "legitimidade", conceito muito mais abrangente e de melhor aplicabilidade. Cabe analisar a legitimidade do uso desta força pelos Estados ou por grupos. Qual o objetivo, quais as intenções?
Uma definição mais geral nos é apresentada por Lessa e Suppo (2003), que diz ser o Terrorismo um:
"sistema de terror, governo formado sob intimidação, política de terror. O terrorismo pode ser revolucionário e/ou de Estado. É um modo de coagir, ameaçar ou influenciar outrem ou de impor-lhe a vontade a vontade pelo uso sistemático da força, da violência, do terror (grifo dos autores). É também forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência. Em síntese, a palavra terrorismo remete , sempre, a um único significado: o terror provocado sobre o outro, sobre a sociedade, sobre o Estado ou sobre instituições. Sem possuir uma definição unívoca entre os especialistas, historicamente, porém, todos concordam que o terrorismo remete à realidades diferentes e à um grau maior ou menor de a/reprovação da sociedade a esse método de ação política.
Cabe ainda notar que a conotação dada ao terrorismo varia de acordo com o período histórico analisado. Durante o período da Revolução Francesa, o terror era visto como algo positivo e era até mesmo louvado por figuras emblemáticas como Robespierre, seu objetivo era o de criar uma sociedade nova e melhor (Lessa e Suppo, 2003).
Ao longo do século XIX e início do XX, grupos anarquistas usaram o terror como arma de mobilização das massas, através do assassinato de lideranças políticas proeminentes. A própria primeira Guerra Mundial teve como gatilho um atentado terrorista cometido por Gavrilo Princip contra o Arquiduque da Áustria.
Nos anos 30, o terrorismo passa a ser visto como arma de Estados repressores, como a União Soviética Stalinista ou a Alemanha Nazista para, novamente, ser visto como legítimo durante os anos 60 com as guerras de libertação.
A questão central que nos deparamos não é apenas do uso político do termo terrorismo, mas também da conotação adotada. Se tomarmos a legitimidade popular como delimitador, podemos considerar que a ETA passaria a ser um grupo terrorista apenas no fim dos anos 70 e começo dos anos 80, com a dita democracia e com os ataques à bomba indiscriminados.
Por outro lado, sua tática, estratégia e objetivos não mudaram com o fim do Franquismo, apenas a percepção da população mudou - ou a influência da máquina de propaganda estatal -, então como compreender a situação?
Ao contrário de Lessa e Suppo (2003), que tem como marco para definir o grupo como terrorista sua III Assembléia (1964) (4), Llera (1992) apenas definirá o grupo desta forma a partir de 1977, no auge do processo de redemocratização.
Como entender que um grupo que manteve e mantém por mais de 50 anos os mesmos métodos e objetivos tenha passado de um grupo legítimo, heróico, a um grupo terrorista? Ou melhor, será que o termo terrorista é o que melhor se encaixa ao grupo e à situação ou estamos apenas falando de conotações diferentes do terrorismo, da luta armada legítima ou ilegítima?
A questão central não é definir o terrorismo ou os atos praticados pelo grupo como bons ou ruins dentro de uma escala moral ou moralista, mas sim tratar em termos de legitimidade dentro de um período histórico de aproximadamente 50 anos de uma luta incessante e que permaneceu dentro das mesmas bases por todo este tempo ou, ao menos, desde 1966.
Ou mais, a questão central é compreender a luta de um grupo que transcende sua mera existência, mas que teve suas origens pelo menos desde a Primeira Guerra Carlista, no início do séc. XIX, passando por uma ditadura sanguinária até a atual repressão estatal.
Yasser Arafat, em discurso na ONU em 1974 afirmou que:
"A diferença entre o revolucionário e o terrorista reside nos motivos pelo qual cada um se bate. Pois é impossível chamar de terrorista aquele que defende uma causa justa, que se bate pela liberdade, pela libertação de sua terra de seus invasores, dos colonos e dos colonialistas." (Arafat in Lessa e Suppo, 2003)
Ainda sobre o uso do termo terrorista, Marighella em seu Manual do Guerrilheiro Urbano diz:
"O nome de agressor ou de terrorista não tem mais o sentido que tinha antigamente. Ele não provoca mais o medo ou a blâme; ele suscita vocações. Ser chamado "agressor" ou "terrorista" no Brasil de hoje honra o cidadão, porque isto significa que ele luta, com as armas na mão, contra a monstruosidade ou a objeção que representa a atual ditadura militar." (Marighella, online, 2002)
Em último caso é importante analisar o papel do Terrorismo de Estado como legitimador da resposta armada de uma parcela da sociedade organizada. Acusada de praticar a tortura de forma sistemática em presos políticos e em militantes Abertzales (5), o Estado Espanhol é vítima de diversas condenações em órgãos de direitos humanos da ONU, além de ter praticado o terrorismo de Estado durante o regime ditatorial de Franco, com o assassinato e desaparecimento de milhares de cidadãos que discordavam das diretrizes do caudilho.
Além disto, o Estado Espanhol e mais precisamente o governo de Felipe Gonzáles, do Socialista PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), financiou e patrocinou por anos diversos grupos terroristas de extrema-direita - com ampla participação e direção de membros das forças de segurança estatal - como os GAL, Batalhão Basco-Espanhol, Cristo Rey e outros, com o objetivo de matar lideranças e militantes nacionalistas bascos.
Frente a estes ataques, não é de surpreender a longevidade da ETA que, ao contrário do que dizem muitos especialistas, não nasceu para combater Franco, mas sim para lutar pela independência, tendo em Franco o primeiro inimigo a ser combatido. A luta da ETA, pois, permanece a mesma, apenas com um novo inimigo, que pese que a democracia instaurada continua a torturar e a matar.
Frente ao Terrorismo de Estado são poucos os argumentos que podem ser usados para deslegitimar a resistência armada, especialmente dentro de uma realidade de colonialismo persistente.
Notas:
(1) "O uso ou ameaça de emprego da força de modo a provocar mudança política"
(2)"O uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou propriedades para intimidar ou coagir um governo, uma população civil, ou qualquer segmento dela, em apoio a objetivos políticos ou sociais" (3)"A contribuição para o ilegítimo uso da força de modo a conseguir um objetivo político, quando pessoas inocentes são os alvos"
(4) Ocorreram duas assembléias em 1964
(5) termo que se traduz como "patriota" e que pode ser usado tanto por direita quanto por esquerda, mas que hoje encontra mais eco entre a esquerda radical
LESSA, Mônica Leite e SUPPO, Hugo R. O Nacionalismo Basco e o ETA. Cena Internacional ano 5 número 3. 2003.
LLERA, Francisco J. ETA: Ejercito Secreto y Movimiento Social. Revista de Estudios Políticos. Número 78. Outubro-Dezembro de 1992.
WHITTAKER, David J. Terrorismo: Um retrato. Rio de Janeiro: Bibliex, 2005.
Parte de artigo que será apresentado no VI Seminário de Ciência Política e Relações Internacionais da UFPE, em 19 de novembro de 2010