Inicialmente, consideravam que um Basco deveria apenas conhecer o Euskera e, hoje, vemos que alguns membros do grupo sequer haviam nascido no País Basco (Kurlansky, 1999). Um dos fundadores da ETA, Txillardegi, era de família madrilenha, por exemplo.
Os fundadores da ETA eram, em sua maioria, membros da juventude do PNV. Logo se desapontaram pelo caráter burguês do partido e tiveram a clara impressão de que seus membros apenas esperavam o regime franquista terminar, sem tomar ações efetivas contra o regime (Kurlansky, 1999, Villalón, 2000)
As primeiras ações armadas da ETA aparecem exatamente no momento de adoção dos ideais marxistas que, por princípio, consideram legítimo o uso da força na luta contra a opressão e contra a subjugação da classe trabalhadora (Marx e Engels, 2000).
Enquanto o PNV era próximo das burguesias industriais e dos latifundiários, a ETA buscou nos trabalhadores sua base e, desta forma, viu o processo de adoção dos ideais marxistas como um imperativo, quase como algo natural.
"La revolución es en la historia como el médico que asiste al nacimiento de una nueva vida. No usa sin necesidad los aparatos de fuerza, pero los usa sin vacilación cada vez que sea necesario para ayudar al parto. Parto que trae a las masas esclavizadas y explotadas la esperanza de una vida mejor" "Segunda Declaración". En "De Martí a Castro". Edit. Grijalbo. México 1970. Pág.: 133.
Em 1967, segundo Kurlansky (1999), em sua 5ª Assembleia, a ETA declara pela primeira vez seu caráter Socialista - ainda que tenha se declarado Movimento de Libertação Nacional já em sua primeira assembléia, em 1962 -, defendendo o Nacionalismo Revolucionário em um amálgama de "Marx, Mao, Fidel Castro e Sabino Arana" (Kurlansky, 1999). Segundo Llera (1992), porém, já desde a IV Assembleia, em 1964, estes ideais começavam a permear fortemente os ideais do grupo.
A nova geração, que não havia sequer conhecido os horrores da guerra, passou a comandar a organização, sob a liderança de Txabi Etxebarrieta, responsável pelo primeiro assassinato do grupo, em 1968, e logo depois morto pela Guarda Civil, sendo homenageado por todo o país basco.
Durante o regime franquista, o apoio que tinha a ETA era inquestionável. Os Etarras eram os herdeiros dos famosos Gudaris (soldados) que lutaram contra Franco em 1936 (Soares, 2003) e eram incontestavelmente tratados como heróis pela população basca durante os primeiros anos de atividade.
Não só eram apoiados pela população basca, mas também por uma parte considerável da população espanhola, fato verificável pelos imensos protestos durante o chamado Processo de Burgos (dezembro de 1970), contra o julgamento de 14 supostos militantes da ETA condenados a longos termos de prisão (e 6 destes à morte) por terem assassinado o delegado ex-membro da Gestapo e notório torturador, Melintón Manzanas, em 1968 (Watson, 2003).
A morte de Manzanas foi uma vingança pelo assassinato de Txabi e foi comemorada pelas ruas de Bilbao e por todo País Basco, mas acabou por aumentar a repressão tanto ao povo quanto aos membros do grupo.
O julgamento atraiu atenção nacional e mundial, com grandes manifestações em diversas cidades espanholas e do mundo, além de petições por parte dos governos da Suécia, Alemanha Ocidental, França e outros (Kurlansky, 1999). Kurlansky ainda acrescenta que várias celebridades internacionais, como o catalão Joan Miró, declararam seu apoio à ETA durante aquele período.
Por algum tempo, Txabi se tornou um Che Guevara para a juventude basca, assim como o nome de Txiki (membro da ETA e último homem a ser fuzilado pelo regime Franquista, cuja morte é lembrada até hoje no Gudari Eguna, ou Dia do Soldado) ou de Argala, um dos líderes da Operação Ogro, que matou o então Chefe de Estado espanhol Carrero Blanco, cujo nome se tornou até mesmo nome de praça em sua cidade natal.
Durante os anos do Franquismo, a ETA não era só respeitada, como apoiada por amplas camadas da sociedade e mesmo por intelectuais de todo o mundo, algo bem distante da imagem de terrorista que, hoje, é disseminada pelo governo espanhol.
"Mas aqui se opõem dois sentidos de democracia: para o Estado espanhol, democracia é a situação atual de direito de governo que está sendo ameaçado pelo terrorismo, e para o nacionalismo basco, democracia é o direito do povo basco, reconhecido como tal, a defender sua capacidade de decidir por si próprio seu futuro" (Villalón, 2000)
A partir da morte de Franco a ETA passa a cair no conceito do público graças tanto à ignorância em torno de seus objetivos (Llera, 1992) - em particular o caso de Villalón (2000) - quanto pela escalada de atentados a partir do Mês de Guerrilha Urbana" de 1977 (Sterling, 1981) ou a ofensiva declarada pelo grupo em 1978 (Soares, 2003).
Lessa e Suppo (2003) reconhecem o caráter legítimo da ETA enquanto instrumento de luta contra Franco sem que, porém, se demorem no fato de que este não era o objetivo do grupo, senão uma etapa. A ETA não nasce apenas como resposta à opressão franquista e contra a apatia do PNV, mas como um instrumento na luta pela independência e como herdeiros daqueles que há pelo menos um século antes já lutavam pelo País Basco.
KURLANSKY, Mark. The Basque History of the World. Penguin Books: 1999.
LESSA, Mônica Leite e SUPPO, Hugo R. O Nacionalismo Basco e o ETA. Cena
Internacional ano 5 número 3. 2003.
LLERA, Francisco J. ETA: Ejercito Secreto y Movimiento Social. Revista de Estudios Políticos. Número 78. Outubro-Dezembro de 1992.
MARX, Karl e ENGELS, Frederich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2000
SOARES, Denise de Souza. De Marx a Deus: Os tortuosos caminhos do terrorismo internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003
STERLING, Claire. A rede do Terror. Rio de Janeiro: Nórdica, 1981
VILLALÓN, Adriana M. Definições para o Problema Basco. XXIV Encontro Anual da ANPOCS. Petrópolis: 2000.
WATSON, Cameron. Modern Basque History: Eighteenth Century to the Present.
Reno: Center for Basque Studies, 2003.
Parte de artigo que será apresentado no VI Seminário de Ciência Política e Relações
Internacionais da UFPE, em 19 de novembro de 2010