Arana se opunha de forma ferrenha ao liberalismo e ao laicismo e suas ideias se baseavam no forte preconceito racial contra não-bascos (apelidados de Maketos), o que de certa forma não destoava dos conceitos de superioridade racial adotado pelos Castelhanos na época ou mesmo pelos alemães de algumas décadas depois, e na noção de ruralismo, de uma sociedade rural, antiga, conservadora, voltada para a vida no campo e para Deus, tendo na igreja o ponto focal da sociedade (Granja Sainz, 2002).
Mas, sem sombra de dúvida, a ideia de independência original foi a que mais se desenvolveu e perpetuou no imaginário basco (Granja Sainz, 2002). Os Bascos jamais haviam sido conquistados ao longo de toda sua história. Os Romanos não os haviam submetido, mas conviviam lado a lado de forma respeitosa, todos os grandes reinos posteriores haviam usado os bascos como guerreiros e mercenários, sem, porém, terem efetivamente os controlado. Os bascos chegaram ainda a constituir um reino, o de Navarra, que foi por séculos um dos mais poderosos da península hispânica.
Através de conquistas e casamentos, o Reino de Navarra passou às mãos dos reis de Castilha, sem que os bascos perdessem seu autogoverno, através dos chamados Foros (Fueros ou Fuerak), um sistema legal pelo qual os bascos entregavam à nascente Espanha a responsabilidade de tomar conta de sua política externa e defesa, mas garantindo aos bascos ampla liberdade interna, basicamente sem qualquer intervenção por parte do reino espanhol.
Este concerto durou até o início das Guerras Carlistas, guerras pela sucessão do trono espanhol, que colocou o País Basco no centro de uma série de guerras sangrentas a partir de 1839, já que defendiam o pretendente Carlista ao trono espanhol que, em teoria, lhes havia garantido a manutenção dos Foros e de sua quase independência.
Com as sucessivas derrotas, o governo central, como punição, passou a diminuir cada vez mais o alcance dos Foros, até sua eliminação total que, pela primeira vez, significou o controle do País Basco por uma potência estrangeira em pelo menos 2.500 anos de sua história (Kurlansky, 1999).
Este último mito acabou por ser também relevante para a ETA, como uma forma de justificar a luta de libertação nacional de uma nação submetida, colonizada pela Espanha. Curiosamente há menos tempo sob domínio espanhol do que as colônias africanas, por exemplo, dominadas por mais de 300 anos em alguns casos.
O real significado dos Foros é deixado de lado por muitos autores, que preferem colocar o País Basco como parte integrante do Estado Espanhol - ou do Reino de Castela- desde pelo menos a dissolução final do Reino de Navarra quando, na verdade, a realidade é bem diferente. Durante séculos os reis espanhóis foram até Guernica se ajoelhar perante a Árvore de Guernica (Gernikako Arbola) e jurar respeitar os Foros e a liberdade dos bascos (Kurlansky, 1999).
Internamente os bascos gozavam de total autonomia, se autogovernavam, ainda que abrissem mão da defesa e das relações exteriores. Esta situação, até hoje, confunde pesquisadores e leigos quanto à virtual independência que gozavam os bascos sob o regime dos Foros.
Apenas após a Revolução Francesa, quando a idéia de um Estado centralizado baseado em educação, comunicações e exército toma forma, e na importância da imposição de uma única língua, nacional, se apresenta como realidade objetiva, é que a Espanha começa timidamente a tentar minar os Foros e efetivamente dominar o País Basco, pondo fim a qualquer possibilidade de soberania.
Até o fim das guerras Carlistas, já em meados do século XIX, o País Basco é virtualmente independente, mas acaba sendo finalmente conquistado e tem os foros abolidos em 21 de julho de 1876. Em 1878 o País Basco passa a pagar impostos à coroa, algo que nunca havia feito antes.
A situação permanece assim até que o País Basco consegue novamente sua independência por alguns meses em 1936 e 1937, durante a Guerra Civil Espanhola- tendo sido inclusive reconhecido pelo Vaticano (Lessa e Suppo, 2003), para se ver depois dominado por Franco. A partir de então, a repressão apenas cresceu.
GRANJA SAINZ, José Luis de la. El Nacionalismo Vasco: Un Siglo de Historia. Madrid, Tecnos: 2002.
KURLANSKY, Mark. The Basque History of the World. Penguin Books: 1999.
LESSA, Mônica Leite e SUPPO, Hugo R. O Nacionalismo Basco e o ETA. Cena
Internacional ano 5 número 3. 2003.
WATSON, Cameron. Modern Basque History: Eighteenth Century to the Present.
Reno: Center for Basque Studies, 2003.
Parte de artigo que será apresentado no VI Seminário de Ciência Política e Relações
Internacionais da UFPE, em 19 de novembro de 2010