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Juliano Medeiros

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Um continente, muitas diferenças

Juliano Medeiros - Publicado: Quinta, 07 Outubro 2010 02:00

Juliano Medeiros

Caracas, Venezuela, 26 de setembro.

O povo sai às ruas para participar de sua décima-quarta eleição desde que o presidente Hugo Chávez foi eleito, doze anos atrás. Os novos instrumentos de democracia direta instituídos pela nova constituição do país, aprovada pelo parlamento e pela maioria dos venezuelanos em plebiscito oficial, elevaram os níveis de participação política da sociedade venezuelana. Nas praças da capital, cidadãos se dedicam a acalorados debates sobre os rumos do país. A eleição legislativa deste domingo registrou mais de 70% de participação, ainda que o voto não seja obrigatório.


O fracasso das políticas neoliberais durante os anos 90 na Venezuela abriu espaço para o surgimento de uma alternativa popular. Eleito em 1998, Chávez foi a expressão do repúdio popular às políticas privatistas que levaram o país à bancarrota. Eleito com amplo apoio popular, Chávez colocou em marcha medidas estruturais para enfrentar os séculos de atraso a que o país fora submetido pelas elites agora derrotadas.

Impulsionada pela dinâmica da luta de classes, contrapondo-se ao golpismo e à ingerência imperialista, a revolução bolivariana retomou o controle sobre o petróleo, principal fonte de recursos do país, estatizou setores estratégicos da economia, iniciou uma profunda reforma agrária, erradicou o analfabetismo e investiu pesado em políticas sociais como saúde e educação. Enfrentando interesses poderosos, mas sempre contando com o apoio popular, a revolução bolivariana segue firme, conquistando vitórias e se consolidando como o pólo mais dinâmico da luta anti-imperialista em nosso continente.

Pode-se afirmar que na Venezuela está consolidado um bloco histórico capaz de enfrentar os interesses imperialistas e fazer avançar um processo profundo de mudanças que possa conduzir a um novo modelo de socialismo. Isso explica a esmagadora vitória do PSUV nas eleições do último dia 26.

Quito, Equador, 30 de setembro.

No Brasil as notícias dão conta de que o presidente do Equador, Rafael Correa, está seqüestrado. Policiais sublevados tomam os principais acessos a capital, controlam o aeroporto internacional e cercam o palácio presidencial. Tentando por fim ao protesto, o presidente tenta dialogar com os manifestantes, que em resposta atacam com bombas de gás lacrimogêneo. Da janela de um quartel o presidente oferece a vida em sacrifício e repudia o intento golpista.

A origem dos distúrbios que varreram o Equador no último dia trinta é controversa. O governo e parte dos setores populares que o apóiam acusam os manifestantes de estarem comprometidos com um plano que tem como objetivo a derrubada do governo eleito democraticamente, orquestrado do Brasil pelo ex-presidente Lúcio Gutierrez. Entretanto, entidades combativas dos movimentos sociais questionam esta versão, acusando o governo de disseminar o medo e a insegurança a partir de uma legítima manifestação de contrariedade a uma lei que previa a retirada de direitos.

Independente da avaliação a que se chegue, uma conclusão é inquestionável: é do interesse do imperialismo a queda de Rafael Correa, sobretudo por sua identidade com os processos em curso na Bolívia e Venezuela. A divisão dos setores populares prejudica a resistência e favorece o inimigo. Este é um dilema a ser enfrentado.

De qualquer forma, pode-se afirmar que no Equador se está forjando um novo bloco histórico capaz de expressar os anseios dos povos originários, dos camponeses e trabalhadores historicamente apartados do poder. O futuro deste bloco está sendo decidido neste momento e poderá influenciar os rumos da luta de classes em todo o continente. Isso explica a necessidade de rechaçar qualquer ataque à democracia no Equador e defender os avanços conquistados até agora.

São Paulo, Brasil, 03 de outubro.

O Brasil vive sua décima-segunda eleição direta desde a volta da democracia. Neste período foram dez eleições para cargos executivos e legislativos e dois plebiscitos. Dezenas de partidos apresentam suas propostas no horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio. Compram anúncios nos jornais e contratam jovens da periferia que passam o dia tremulando bandeiras ou entregando panfletos nos cruzamentos das grandes cidades a R$5 ou R$10 por dia. Os resultados são previstos por institutos de pesquisa que influenciam mais a opinião dos eleitores que as declarações dos principais candidatos contra o aborto ou a favor do aumento do salário mínimo.

No final do dia as urnas são abertas. A apuração registra quase 20% de abstenção, embora no Brasil o voto seja obrigatório, sinal da apatia que tomou a eleição. O resultado aponta um segundo turno entre a candidata do governo e a oposição conservadora. O candidato mais votado entre os deputados é um palhaço profissional. A esquerda socialista não elege um único governador. A grande maioria dos estados será governada por partidos conservadores de todos os matizes, em sua maioria aliados ao presidente Lula.

Há oito anos o Brasil é governado por uma ampla coalizão. Nela coabitam partidos de centro-esquerda, como o PT e o PCdoB, e partidos vinculados às oligarquias do passado e do presente, como o PMDB, PP, PR, dentre outros. Essa coalizão tem como promessa aliar o desenvolvimento capitalista e a proteção de seus interesses à melhoria das condições de vida do povo. Promete erradicar a miséria mas sem assumir qualquer compromisso com a reforma agrária, o controle do sistema financeiro, a quebra dos monopólios da comunicação, a auditoria da dívida pública ou a redução da jornada de trabalho. Compromisso mesmo, apenas com o crescimento da economia (e como conseqüência, a distribuição de renda).

A eleição no Brasil é confusa. A candidata do governo apresentou-se no último debate como a fiadora da estabilidade do regime. O principal candidato de oposição, herdeiro político dos oito anos de um governo corrupto e privatista, busca desvincular-se de seu passado recente, defendendo maior controle público sobre o mercado financeiro. A terceira colocada nas pesquisas prega a inclusão da agenda ambiental no centro das atenções do governo mas permitiu, quando ministra do atual governo, o uso de sementes transgênicas, a privatização de florestas e o licenciamento ambiental irregular da Usina de Belo Monte. A esquerda socialista, fracionada em várias candidaturas, não consegue fazer frente ao impacto do crescimento econômico e do aumento do emprego sobre os trabalhadores, dividindo-se entre aqueles que buscam manter vivo o programa de mudanças estruturais abandonado pelo partido do governo ainda nos anos 90, e aqueles que sucumbiram definitivamente às tentações do propagandismo e da auto-proclamação.

No Brasil, a desintegração do bloco histórico oriundo das lutas pela democracia e a incorporação de setores ao regime das elites, fizeram retroceder enormemente a luta popular. A estabilidade do regime é agora assegurada por aqueles que o questionavam. A tarefa no Brasil, portanto, passa por denunciar o pacto em torno dos interesses das elites e ao mesmo tempo iniciar a reconstrução de um longo processo de acúmulo de forças até que se reúnam novamente condições favoráveis de enfrentamento. Até lá, que sirvam de exemplo os processos em curso na Venezuela e Equador, próprios de um continente onde a luta de classes segue ritmos tão desiguais.


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