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Laerte Braga

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'De forma pacífica'

Laerte Braga - Publicado: Sábado, 02 Outubro 2010 02:21

Laerte Braga

A secretária de Estado do governo dos EUA, ao tomar conhecimento da situação no Equador, quinta-feira, dia 30 de setembro, quando policiais e militares tentaram prender e derrubar o presidente constitucional do país, disse o seguinte – "esperamos que a situação seja resolvida de forma pacífica".


Hillary Clinton não condenou nem a insubordinação de policiais e nem a disputa dentro das forças armadas (fato que atrasou a operação de resgate do presidente Rafael Corrêa) entre legalistas e golpistas.

"Forma pacífica" tanto podia significar uma quanto outra solução. A prisão, deposição ou assassinato de Correa, ou sua volta ao palácio do governo (que acabou acontecendo).

Foi a resistência pacífica e tenaz do povo equatoriano, dos cidadãos de Quito, que saíram às ruas na capital e em todo o país para defender a legalidade constitucional que evitou um golpe de Estado. Teriam que massacrar a população.

A rápida reação de governos como o do Brasil, da Argentina, da Venezuela, da Bolívia, do Paraguai, Uruguai, Nicarágua e Cuba e as denúncias que agentes da CIA – Agência Central de Inteligência – estavam infiltrados na polícia equatoriana no velho pretexto de combater traficantes e no duro mesmo orientar golpes de estado. Como aconteceu em Honduras.

Analistas dizem que Correa gerou o caos no Equador a despeito do bom governo que realiza ao não dialogar com os policiais. Como se dialoga com quem grunhe?

Com quem só conhece a linguagem do big stick?

O presidente equatoriano permaneceu horas no hospital para onde foi levado depois de ser agredido por policiais. A resposta das forças armadas foi lenta, demorada e refletiu a divisão entre os militares.

É um quadro que se manifesta desde que a Colômbia bombardeou um acampamento de estudantes e onde estava Raúl Reyes, chanceler das FARCs à época (2008), em território equatoriano. Só foi possível com a cumplicidade de militares equatorianos. Militares e policiais.

A garantia da ordem constitucional no Equador se deve a dois fatores. Reação popular ao golpe e imediata atitude de governos de países latino-americanos e da Europa, notadamente o governo espanhol.

A posição dos EUA foi essa. "De forma pacífica".

Morreram pelo menos três pessoas na aventura golpista e outras sessenta ficaram feridas.

Perto de mil e trezentos presos aguardam execução nos Estados Unidos. Desses, cinquenta e dois são mulheres. Todos condenados à morte.

Documentos secretos trazidos a público das guerras do Iraque e do Afeganistão exibem soldados se "divertindo" no ato de matar iraquianos e afegãos.

O governo montado após um golpe em Honduras, o de Pepe Lobo, promove um massacre de lideranças sindicais, comunitárias e forças da resistência popular ao golpe desde junho do ano passado e ao governo constituído na farsa da democracia naquele país.

No Brasil essa "mania" da CIA e do FBI – Birô Federal de Investigação – de infiltrar agentes em polícias e entre forças armadas latino-americanas a pretexto de combater o tráfico de drogas gerou desde a Operação Condor à época da ditadura militar (em conivência com ditaduras do Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai), a "colaboração" e treinamento que, entre outras coisas, fizeram de Álvaro Uribe, do antigo cartel de Pepe Escobar, presidente de Colômbia.

A Europa vive um cenário de greves em vários países, a crise econômica devasta economias consideradas sólidas, o governo francês mostra suas garras fascistas na questão dos ciganos e em relação a muçulmanos, mas as bases militares da OTAN – Organização do Tratado Atlântico Norte – permanecem intocadas, no grande latifúndio do capitalismo outrora conhecido como Velho Mundo.

Quando Hans Blinx, inspetor da ONU no Iraque, disse que não havia descoberto, ele e sua equipe, vestígios de armas químicas e biológicas naquele país, mas que o seu relatório não foi suficiente para dissuadir George Bush da invasão, disse também que os norte-americanos estavam "embriagados com o poder de seu arsenal militar".

É a única realidade viva no mundo de hoje. O poder de destruição que os EUA têm.

A partir daí a "democracia" vira apêndice do processo, teatro, espetáculo montado para incautos.

A América Latina ainda é um filé indigesto para norte-americanos. Cuba, Nicarágua, Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai, Argentina e Brasil, cada qual a seu modo, mas todos longe da influência que Washington quer ter nesta parte do mundo e tem, por exemplo, na Colômbia e em Honduras.

A declaração de Hillary Clinton foi um exercício de cinismo comum a secretários de Estado ao longo da história dos EUA. Se Correa conseguisse se safar, como se safou, tudo bem, se Correa fosse deposto ou assassinado, tudo bem também. Quem sabe um governo não hostil aos interesses dos EUA.

O passo seguinte, ou a declaração seguinte seria simples. O fato inevitável, a deposição, então, "tratemos de reconstruir a democracia de forma pacífica".

Está de volta ao centro do palco da América Latina, com roupa nova, maquiagem diferente, o velho esquema de golpes militares.

A eleição de três de outubro no Brasil ganha importância decisiva nesse processo. É o maior país latino-americano, a oitava economia do mundo e nesses oito anos de Lula andou pelas próprias pernas.

A "forma pacífica" para tentar eleger alguém palatável aos interesses dos EUA, no Brasil, se chama mídia privada.

Com a perspectiva de vitória da candidata Dilma Rousseff, apoiada por Lula, já no primeiro turno, a mídia privada tenta, de todas as maneiras possíveis, com denúncias inconsequentes, fatos montados, manobras de ministros corruptos da corte suprema, o vale tudo eleitoral, forçar um segundo turno e aí então jogar uma cartada decisiva para ambos.

Para os brasileiros, continuar a caminhar pelas próprias pernas. Para os norte-americanos, subjugar o país que, segundo o ex-presidente Richard Nixon, "para onde se inclinar o Brasil se inclinará o resto da América Latina".

Em 2014, na opinião de analistas e organizações internacionais, o Brasil deve superar economias como a da Itália e até 2020 deve estar nos calcanhares de França, Grã Bretanha e talvez Alemanha diante da crise que o governo Merkel tenta esconder de todas as maneiras possíveis.

Uma situação dessas, um cenário desses, torna o Brasil cada dia mais crucial para os interesses do capitalismo. À medida que caminhando pelas próprias pernas o Brasil é fator decisivo no processo de integração latino-americana.

O pior pesadelo para os EUA.

A frase de Hillary Clinton, ou da senhora Clinton como gostam de dizer, embutia a conveniência e a participação no golpe. Uma aposta escondida, disfarçada para poder tirar o time de campo se necessário fosse. E foi.

O que disserem os brasileiros nas eleições de três de outubro tem tudo a ver com o que aconteceu no Equador e com a "forma pacífica" da secretária de Estado.

Ou seja, enquanto der, aguentam a democracia, quando não der mais, a aposta é nos golpes.

Aí a tal forma pacífica vai para o espaço.

Na quinta-feira, quando a população defendia o governo de Corrêa os policiais e militares praticavam o seu exercício favorito. Repressão violenta, bárbara, tudo de "forma pacífica" como quer o governo de Obama (objeto de decoração posto na Casa Branca enquanto for conveniente).


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