1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (1 Votos)
Jones Manoel

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Palavras Insurgentes

Cena política e impeachment: a correlação de forças – Parte I

Jones Manoel - Publicado: Quarta, 09 Dezembro 2015 00:15

Venho tentando traçar uma análise do comportamento dos diferentes setores da classe dominante nacional na conjuntura aberta com o pós-eleição. No texto “A ‘crise política’, a burguesia interna e a oposição: uma proposta de interpretação” [1] lancei minha primeira grande proposta analítica. Pretendo, agora, escrever uma série semanal de textos com destaque na correlação de forças entre as classes e suas expressões no processo do impeachment liderado por Eduardo Cunha. Meu foco será a posição das diferentes frações da burguesia, mas, eventualmente, também buscarei explicitar um quadro analítico sobre a posição das organizações de esquerda.


Com esse novo momento da cena política, as pseudo-análises longe da realidade, infelizmente, tendem a se multiplicar. De um lado, temos o PSTU e sua proposta do “Fora Todos”, e agora defendendo “novas eleições” para todos os cargos – deputado, senador, governador, presidente – para o “povo” poder “trocar todos [2]; no campo oposto, mas com uma pseudo-análise igualmente irreal, temos a Consulta Popular, que, em nota política sobre o “golpe”, afirma que com a proposta do impeachment “o corrupto Eduardo Cunha reafirma a agenda golpista dos inimigos do povo: as forças neoliberais e o imperialismo que têm seus interesses representados principalmente nas movimentações antinacionais e antipopulares do capital financeiro, de setores do empresariado, da direita partidária”; contudo, “esquece” a Consulta que o que mais tem no Governo do PT é associação com o empresariado, direita partidária, política neoliberal, antinacionais, etc. [3] Até agora a posição pública mais equilibrada, na esquerda, foi a do MTST [4].

É fato gritante que os governistas, que estavam envergonhados, procuram usar o pedido de impeachment para reavivar o mito do “governo em disputa” e para criar uma narrativa maniqueísta de “bem contra o mal”, “popular contra antipopular”, “conservador contra progressista”. Diante disso, vamos traçar um quadro das posições da classe dominante em seus diversos setores e dos principais componentes do sistema político burguês – a “classe reinante”.

No sistema político burguês

O processo de impeachment não é determinado prioritariamente pela dinâmica institucional, mas a correlação de forças no sistema político burguês joga um papel importante. Todos os governadores do Nordeste, representando partidos como PT, PSB, PCdoB, PSD e PMDB, declaram serem contrários ao processo de impedimento [5]. Notem que governadores do PDMB, partido do Eduardo Cunha, já se colocam contra o afastamento de Dilma. O líder do PMDB na Câmara também repudiou a decisão do seu colega [6]. Outro importante quadro do PMDB, Jarbas Vasconcelos, não só não declarou apoio ao impedimento, como pediu o afastado do seu correligionário de partido – segundo levantamento do Globo, 60% dos deputados do PMDB são contra o impedimento [7].

No próprio PSDB, não existe uma unidade total. No Senado, onde a oposição aparente é mais fraca, Tasso Jereissati, senador pelo PSDB, declara não apoiar o impedimento, pois ela “não é solução”. Dois atores institucionais de peso, a OAB e a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) declaram-se contra o impedimento [8] e Lula, no Rio de Janeiro, buscou aliança com a ala local do PMDB que mostrou-se inclinada a ficar contra Eduardo Cunha.

Em 15 de setembro, o Governo conseguiu reunir 301 parlamentares de 09 partidos, todos para dizer não ao impedimento. O nível médio de fidelidade da base governista é baixa, gira em torno de 50%; mas, o Governo precisa de apenas 172 votos para barrar o impedimento na Câmara e conseguir esses votos não é nada impossível – PCdoB, PSOL, REDE e PDT já declararam publicamente não apoiar a retirada de Dilma. O PSDB, DEM, PPS, PSC, setores do PMDB e outros pequenos partidos terão sérias dificuldades para operar o impedimento e a tendência, nesse momento, é, na verdade, Eduardo Cunha ficar isolado – ainda segundo a matéria do Globo, 258 deputados, num universo de 513, estão contra o impedimento.

Mas para entenderemos a dinâmica político-institucional, é basilar compreender como os diversos setores da classe dominante estão se posicionando até agora.

Nos principais setores da grande burguesia

A primeira coisa que deve ser frisada é que o Governo Dilma não é e nunca foi de esquerda – nem os governos de Lula. Dilma tem no seu governo representante orgânicos dos principais setores da grande burguesia interna, sendo Katia Abreu, Armando Monteiro e Joaquim Levy as figuras mais significativas. Portanto, temos setores da burguesia, como o latifúndio agroexportador e os bancos e instituições financeiras que estão muito bem representadas no aparelho do Estado e que se não declararam apoio ao impedimento, significa, no mínimo, uma “neutralidade” ou indiferença a manobra articulada por Eduardo Cunha.

Até o momento que escrevemos essas linhas, a FIRJAN (órgão representativo da burguesia do Rio) declarou ser contra o impedimento, afirmou que essas lutas políticas atrapalham a economia e clamou por estabilidade, mesma linha política da nota pública que lançou poucos meses atrás em conjunto com a FIESP [9]. Nesse ínterim, os setores mais poderosos da burguesia industrial brasileira – não citarei todas as siglas, cabe apenas destacar a presença da CNI e ABIMAQ - lançam manifesto conjunto com centrais sindicais, dentre elas a CUT, cobrando mudanças na política econômica [10]. Esses setores do empresariado declararam também ser contra o impedimento e igualmente clamam por estabilidade política.

O latifúndio agroexportador, que não tem o que reclamar desse governo, em seu principal órgão representativo, a CNA, ainda não se pronunciou; contudo, é bem provável que fique “neutro” ou contrário a manobra de Cunha. A FEBRABAN, que representa os bancos no Brasil, também não declarou apoio ao impedimento, e os donos do Bradesco e Itaú, os maiores bancos privados do país, apóiam desde muito tempo a continuidade do mandato de Dilma – também não tem o que reclamar da política econômica dela [11].

As principais associações comerciais do país – Rio, São Paulo e Minas – estão junto com a CUT na frente-única pelo "desenvolvimento” e contra o impedimento. Vários “investidores” ligados a fundos de investimento, em entrevista à BBC, repudiaram a medida do impedimento e também – notem que essa é a palavra de ordem principal da classe dominante – clamam por tranquilidade e estabilidade [12]. Por falar no cenário internacional, os principais jornais da Europa destacaram de forma negativa a medida de Cunha [13], o Governo do EUA não se pronunciou ainda, mas na última visita de Dilma aos EUA, ela recebeu todo apoio de Obama e fechou vários contratos (entreguistas) com setores da burguesia dos EUA.

A conclusão que podemos chegar até agora é: nenhum importante setor da grande burguesia manifestou apoio ao impedimento. As frações da classe dominante oscilam entre a aparente neutralidade (bancos e latifúndio) até a crítica aberta a medida (comércio, indústria e serviços). Percebendo claramente a fragilidade da investida, o Governo tenta acelerar o processo de votação antes das férias, mas o PSDB já começa a operar e tenta atrasar a votação até fevereiro (procurando conseguir mais força). O fato é que nem o Grupo Globo – maior empresa “nacional” do país – declarou apoio aberto à medida de Eduardo Cunha.

Nos últimos meses o Grupo Globo se dedicou a atacar Eduardo Cunha e pediu, inclusive, seu afastamento. Com a nova cartada do presidente da Câmara, a Globo tomou – até agora – uma postura de esperar o desenrolar da conjuntura, mas sem o apoio da Globo, da Embaixada dos EUA e dos principais setores da grande burguesia, sobra como base social do impedimento apenas as camadas médias conservadoras, os segmentos do fundamentalismo religioso, alguns monopólios de mídia (como o Grupo Abril) e membros do judiciário.

O fato é que a manobra de Eduardo Cunha longe de representar uma polarização entre setores populares e a burguesia, colocou a maioria da burguesia contra o impedimento. Longe de existir uma articulação golpista, a realidade é até esse momento o que se desenrola são grupos políticos (como o PSDB) lutando por seus interesses específicos sem respaldo das classes dominantes nacionais e do imperialismo – um cenário bem diferente da Venezuela, por exemplo. A histeria governista que convoca “os movimentos sociais e a esquerda” para a rua pela democracia e contra o golpismo não tem qualquer base séria numa análise concreta de classe.

Notas:

[1] – http://makaveliteorizando.blogspot.com.br/2015/08/a-crise-politica-burguesia-interna-e.html 

[2] – http://www.pstu.org.br/node/21834  

[3] – http://www.consultapopular.org.br/noticia/%C3%A9-preciso-tomar-ruas-e-barrar-o-golpe

[4] – http://www.diarioliberdade.org/brasil/batalha-de-ideias/59123-mtst-n%C3%A3o-%C3%A0-chantagem-do-impeachment-fora-cunha.html  

[5] – http://www.valor.com.br/politica/4341414/governadores-do-nordeste-repudiam-processo-de-impeachment  

[6] – https://www.ocafezinho.com/2015/12/02/lider-do-pmdb-na-camara-diz-que-nao-ha-motivo-juridico-para-impeachment/  

[7] – http://oglobo.globo.com/brasil/dilma-teria-hoje-margem-confortavel-contra-impeachment-dizem-lideres-18216438utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O+Globo  

[8] – http://www.ocafezinho.com/2015/12/02/oab-diz-nao-ao-impeachment/

http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-12/cnbb-sai-em-defesa-da-presidenta-dilma-e-ataca-cunha 

[9] – http://www.valor.com.br/brasil/4341142/para-firjan-impeachment-gera-tumulto-e-prejudica-economia   

[10] – https://l.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Fwww.fsindical.org.br%2Farquivos%2Fcompromissodesenvolvimento_03dez.pdf&h=mAQGp5fdg   

[11] – http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/08/1672332-nao-ha-motivos-para-tirar-dilma-do-cargo-diz-presidente-do-itau-unibanco.shtml

https://www.brasil247.com/pt/247/economia/192110/Trabuco-crise-pol%C3%ADtica-%C3%A9-maior-que-a-econ%C3%B4mica.htm 

[12] – http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151203_dilma_analistas_tempestade_fd.shtml?ocid=socialflow_facebook 

[13] – http://br.rfi.fr/brasil/20151203-jornais-europeus-defendem-permanencia-de-dilma-na-presidencia.

Artigo escrito no dia 4 de dezembro de 2015.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.