A sofreguidão do amarelo dos montes e do turismo massificado ausenta-se e a autenticidade manifesta-se num frio, que até nem é nada frio(!), em areais que se espraiam pela ausência dos humanos frenéticos que, mais do que substituir o ter pelo ser, cliché tão batido dos críticos do consumismo exaustivo, a que a sociedade se entrega, substituem tudo pelo possuir. Possuem as praias com casas, com parques de estacionamento, e golfadas: todas vazias quando chega o inverno. Possuem as terras com cercas, a estradas com sinalética desnecessária para carros que agora não passam, possuem a areia com bares de madeira a exigir a renovação. Tudo fechado e, se algo parece estar aberto, os próprios algarvios são os primeiros a fugirem aos clientes. O verão basta. Ou bastava.
Lia hoje, pela rede, que Sousa Cintra tem, a partir de agora, licença para explorar petróleo entre Tavira e Aljezur, região em que repouso por estes dias, com a família, que me tranquiliza as amígdalas que me traíram os planos. Querem tentar acabar com a ausência do inverno ao sol, do qual esta região desfruta e que é a sua única salvação face aos verões secos que sobre-exploram a terra, o mar e até o céu com edifícios parvamente altos.
Mas é essa a longa saga humana, a de sermos um animal que, a certa altura da sua evolução, eliminou todos os possíveis predadores, colocando-se do lado de fora da cadeia alimentar e à lei da selva, a única lei razoável que algum dia poderá ter conhecido, chamou lei da matança e, de caçador, passou a matador. Nesse desequilíbrio continua a voracidade predatória. Até ao infinito, pensa imbecilmente, lembrando-me o imbecil que Fernando Savater (Ética para Amador, Capítulo VI) descreveu, ao ponto que não lhe conseguiria adicionar nem mais um ponto, que irá possuir cada pedaço de lugar ao sol, onde nem mesmo o inverno baste para deixar o mar viver em paz.
Foto: Pedro Monterroso