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Alexandre Araújo Costa

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Obama e o Plano de Energia Limpa: O irrelevante, o insuficiente e o necessário (1)

Alexandre Araújo Costa - Publicado: Segunda, 31 Agosto 2015 18:58

Há alguns dias, o presidente dos EUA, Barack Obama anunciou, com grande estardalhaço da grande imprensa mundial, e também com uma forte dose de entusiasmo de segmentos do movimento ambientalista, o lançamento de um "Plano de Energia Limpa".


É fato que, tendo perdido a oportunidade de adotar medidas sérias para conter as mudanças climáticas quando o cenário no Congresso lhe era mais favorável, instituir regulações através da EPA (a Agência de Proteção Ambiental) e outras iniciativas à base da caneta presidencial se tornaram provavelmente a única via para alguma redução minimamente séria das gigantescas emissões de CO2 de seu país. Mas embora o anúncio tenha ganho muito destaque midiático, assim como as chamadas iniciativas voluntárias de quase todos os países industrializados, o plano de Obama está longe de dar conta das necessidades mínimas de combate à crise climática. Sair doirrelevante não significa chegar ao necessário. Afinal, no meio, existe... o insuficiente.

Nos EUA, a geração de eletricidade em termelétricas movidas a combustíveis fósseis (carvão, óleo e gás) responde por 31% das emissões de carbono (o transporte, com 29%, a indústria, com 20% e os setores agrícola e residencial+comercial, com 10% cada, completam o quadro). Gina McCarthy, gerente da EPA, indica que a meta é, até 2030, colocar as emissões do setor elétrico 32% abaixo dos níveis de 2005 (um corte de 770 milhões de toneladas de CO2 anuais). O anúncio foi cuidadosamente preparado para driblar o negacionismo climático, ao vincular as emissões de CO2 às emissões de poluentes com efeitos mais diretos sobre a saúde (especialmente doenças respiratórias) e ao enfatizar o crescimento do setor da economia ligado à geração de energias renováveis.

A medida é considerada uma peça fundamental para o cumprimento das intenções apresentadas por Obama, de uma redução geral nas emissões do País (26 a 28% até 2025). Mas como bem coloca Carl Pope, do Ecowatch, o Plano está longe de ser uma "invasão da Normandia" e está mais para uma "enxugada final": "ao final de 2014, essas instalações já tiveram cortadas 350 milhões de toneladas [de CO2] e as emissões foram cortadas em mais 15% nos quatro primeiros meses de 2015". Ou seja, os cortes anteriores ao plano já respondem por 470 milhões dos 770 milhões de toneladas de CO2 a menos previstos. Como Carl Pope bem resume, "what's the big deal?".Na verdade não é mesmo "grande coisa"... Boa parte dessa queda de emissões veio da substituição do carvão não diretamente por energia solar e eólica, mas pelo aumento da participação do gás natural. Em julho deste ano, mais eletricidade foi gerada a partir da queima de gás do que pela queima do carvão (31% a 30%). Mas se é verdade que o gás é mais eficiente do que o carvão no sentido de sua combustão produzir mais energia para a mesma quantidade de CO2 emitido (50% a 60% menos), ele também é um combustível fóssil. E com o "orçamento de carbono" estourado, adotar o "mal menor" está longe de ser uma solução real. E há outros fatores que não podem ser deixados de lado. Primeiro, como o gás natural é, essencialmente, metano, que é um poderoso gás de efeito estufa, as chamadas "emissões fugitivas" (perdas na perfuração, extração e em vazamentos nos gasodutos) por si só já reduzem essa eficiência do gás natural relativamente ao petróleo e ao carvão. Segundo, a crescente demanda por gás tem levado a formas cada vez mais agressivas de obtenção do mesmo, incluindo a "fratura hidráulica" (o famigerado "fracking"), com toda sua gama de impactos, do consumo de água no processo a pequenos terremotos, da poluição do ar à contaminação do lençol freático com degradação da qualidade da água para consumo humano, etc.
 
Além da troca do mal maior (carvão) pelo mal menor (gás) ser absolutamente insuficiente nas condições em que estamos, existe ainda a questão das contradições profundas do Governo Obama no que tange à exploração de combustíveis fósseis. Além de seu governo ter investido muito dinheiro na construção de infraestrutura de apoio às corporações desse ramo, a ausência de um freio na expansão do fracking, a autorização para a Shell explorar petróleo no Ártico e tantas outras medidas mancham ("de óleo e vergonha") a reputação que Obama quer construir, de um defensor do clima. Concordamos integralmente com Naomi Klein, quando esta comenta: "Não estou dizendo que [o Plano de Energia Limpa] não é importante. É um passo na direção certa. Mas ao mesmo tempo, ele [Obama] está dando alguns passos significativos na direção errada com a perfuração do Ártico, com a omissão quanto à explosão do fracking para o gás. Ele ainda está de conversa fiada sobre o oleoduto Keystone XL. Você sabe, ele abriu novas concessões de petróleo e gás offshore. Então, quando você dá um passo na direção certa e cinco passos na direção errada, você está indo na direção errada. Você não está indo na direção certa. E nós temos que ser honestos sobre isso, não obstante o fato de que ele está sob enorme fogo do lobby do carvão no momento". Fato: Obama não pode achar que é possível se equilibrar entre as pressões da indústria de combustíveis fósseis e as necessidades da ampla maioria da população dos EUA e do mundo inteiro a ser duramente atingida pelas mudanças climáticas. Não há meio-termo possível, nem meias-medidas que possam ser realmente aceitáveis.
Um aspecto positivo, reconhecemos, em relação ao anúncio do Plano de Energia Limpa, é que Obama conseguiu pautar o debate de mudanças climáticas na disputa presidencial. Como afirma Coral Davenport, do New York Times, "o tema da mudança climática praticamente não apareceu na campanha presidencial de 2012. Não foi levantado em nenhum debate presidencial". Isto chegou a motivar mobilizações para pôr um fim no "silêncio climático" por parte do movimento ambientalista. Mas desta vez, ainda segundo Davenport, "estrategistas estão dizendo que a batalha pela Casa Branca pode mostrar um debate substancial sobre política climática, mais do que qualquer corrida presidencial anterior".
 
Mas o mais fundamental de tudo são as velhas contas do "orçamento de carbono" e o tempo perdido (as "duas décadas de blefes e mentiras" denunciadas pelo cientista Kevin Anderson). E as contas de carbono de Obama (e de quase todos os governos) não fecham, pois as emissões que se acumularam resultaram nos 400 ppm de CO2 de hoje, e o tempo, gasto com embromações e discursos sem fim, não volta atrás. Nas palavras também de Kevin Anderson, "politicamente, a proposta de Obama é, certamente, corajosa e nisto ele merece crédito. Mas cientificamente, a meta de 30% e a aquiescência coletiva que a proposta tem provocado, é uma sentença de morte para muitas das comunidades mais vulneráveis de amanhã".
 
O cientista britânico explica - e, lembramos nós, com o olhar voltado para os nada confortáveis 50% de probabilidade de limitarmos o aquecimento global a 2°C - porque o plano de Obama é claramente insuficiente. Se o setor energético produz cerca de 31% das emissões dos EUA e a ideia é cortar 32% delas, isso representa um corte total das emissõesde meros 10%. Mas o ponto é que, como diz Anderson, "mesmo que as emissões totais sigam o exemplo do setor energético, eles ainda ficariam aquém dos compromissos necessários para o limite de 2°C conforme acertos desde oAcordo de Copenhague até a Declaração de Camp David". E ele prossegue: "A União Europeia, onde as emissões per capita são apenas 50% daquela de um cidadão médio dos EUA, precisa colocar na mesa um corte de mais de 80% delas até 2030 (em relação a 2005) como contribuição justa para evitar uma mudança climática perigosa.
 
Dada as emissões per capita maiores nos EUA, as reduções por lá teriam de ser ainda maiores. Consequentemente, apesar de a proposição de Obama ser certamente corajosa em meio ao ambiente politicamente rarefeito do Congresso, ela sinaliza que mais uma das nações ricas está a estabelecer metas domésticas que fatalmente minam as obrigações internacionais em torno de 2°C. O baixo nível de ambição dos EUA, da UE, da Rússia, da China etc. é a razão pela qual as emissões globais estão numa trajetória muito mais alinhada com um futuro 4°C a 6°C mais quente (próximo ao RCP8.5) do que com as metas retóricas de 2°C. Mais ainda, dado que as temperaturas estão relacionadas com o acúmulo progressivo de CO2 na atmosfera, um fracasso em reduzir radicalmente as emissões a curto prazo nos prende aos impactos perigosos de altas temperaturas particularmente para populações mais pobres. Acelerar os esforços de mitigação após 2030 será tarde demais."
 
É importante que os setores do movimento ambientalista que se empolgaram com o Plano de Obama, ou que se deixam iludir com pequenas medidas parciais que mais mascaram o problema do que o resolvem, coloquem de novo os pés na realidade. Mas a lição que fica, porém, não pode ser a de paralisia e total desesperança, mas a de que não se pode esperar protagonismo por parte dos governos, afinal o terreno das canetadas, negociações com corporações, jogos de bastidores em meio a parlamentos corruptos, etc., é infértil. A saída para a crise climática tem de vir de baixo, com mobilização popular, como por meio da Marcha Popular pelo Clima. O tempo é curto, e urge. Mas... quem sabe? Afinal, o movimento é amplo, e se insurge... 

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