Todavia, a língua falada no Brasil é ainda para muitos galegos uma grande desconhecida.
A socialização da realidade linguístico-cultural brasileira é fundamental para combater preconceitos linguísticos ainda muito presentes na nossa sociedade. Preconceitos que acreditam que a cultura e a língua da Galiza carecem de valor ecuménico e apenas têm uso doméstico e limitativo. Porém, esse discurso logo esfarela ao mergulhar no universo luso-brasileiro, onde fica de manifesto que essa língua galega “regional” tem uma projeção internacional e uma relevância surpreendente.
É por isso que inicio uma série de artigos dedicados a falar desse galego tropical, desse português do futuro que é o português brasileiro.
Se estes textos contribuíssem para um maior conhecimento e interesse por parte do público galego da realidade brasileira, o autor destas linhas ficaria bem satisfeito.
1. Candangos, picheleiros e alfacinhas
Numa recente viagem que fiz ao Rio de Janeiro, ganhei do meu bom amigo Xoán Lagares uma Gramática brasileña para hablantes de español.
A Gramática, escrita por Orlene Lúcia S. Carvalho e Marcos Bagno com a colaboração do próprio Lagares, é uma magnífica ferramenta didática para aprender a variedade de portugalego, por utilizar a terminologia de Bagno, escrita e falada no continente americano.
Para além de uma útil e sucinta história brasileira que precede à fiel descrição da língua do Brasil, o manual reúne nos anexos uma seleção de falsos amigos, conjugações verbais e um quadro com os gentílicos dos 26 estados e das principais cidades do país.
Chamam a atenção do leitor galego -com certeza, também do português- os adjetivos de lugar que recebem alguns destes estados e cidades. Por citar os mais complexos, quem nasceu no estado de Rio Grande do Sul é gaúcho, no Espírito Santo é capixaba e no Rio Grande do Norte é potiguar.
Quanto às cidades, os naturais da que foi a primeira capital do Brasil, Salvador da Bahia, são soteropolitanos; os de São Luís do Maranhão, são ludovicenses e os de Manaus, um dos principais polos de produção cultural em língua galego-portuguesa do mundo, manauaras.
Mais corriqueiros são os gentílicos carioca e paulistano, referidos às duas grandes metrópoles da América do Sul, Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP).
Contudo, devemos tomar cuidado, pois o povo dos estados do RJ e de SP que não é da capital é fluminense e paulista, respectivamente.
Tanto na Galiza quanto em Portugal, é habitual que ao lado do gentílico erudito seja usado um outro de feição popular. Assim, os habitantes da capital da Galiza são compostelanos mas também picheleiros e os da Corunha, corunheses ou cascarilheiros. Em Portugal, os lisboetas são alfacinhas e os portuenses tripeiros. Este esquema coincide no caso dos cidadãos de Brasília, quem além de brasilienses são denominados, popularmente, candangos.
Brasília, Compostela e Lisboa deviam iniciar um intercâmbio cultural, linguístico e económico que enriquecesse e fortalecesse o grande espaço da língua portuguesa e contribuísse para a sobrevivência da cultura galega, berço da lusofonia.
Candangos, picheleiros e alfacinhas deixariam assim de ser estranhas palavras aos ouvidos lusófonos para ganharem o peso e a universalidade que merecem.