No Brasil do século XXI, após um ciclo de expansão capitalista que assegurou algum nível de distribuição de renda, vivemos um momento de profundas transformações. Incapaz de manter os níveis de reprodução do período anterior, o capitalismo brasileiro entrou em crise. Essa crise, como sabemos, deriva de fatores exógenos, mas que encontraram terreno fértil na frágil estrutura de nosso capitalismo.
Como costuma acontecer, a crise econômica se converteu em crise política. Em momentos de expansão capitalista, as crises políticas são facilmente debeladas. Vide o "mensalão" e a reeleição de Lula apenas um ano após as denúncias de compra de votos de parlamentares. Agora que o capitalismo brasileiro vive aos tropeções, a crise política ganha dimensões muito mais severas e alimenta a pressão da burguesia para a promoção de ajustes ainda mais profundos.
Dilma e o PT, como também sabemos, cederam desde o primeiro momento. Seu governo promoveu a retirada de direitos dos trabalhadores, privatizou, cortou o orçamento de áreas estratégicas ao desenvolvimento nacional, permitiu a redução de salários de determinados setores da economia. Seguiu à risca a cartilha do mercado. Com isso, estavam convencidos de que seriam poupados. Ainda assim, a burguesia queria mais. Exigia a retirada de todo e qualquer entrave à retomada da expansão capitalista: a regulamentação das terceirizações, o fim das leis ambientais, a redução da idade mínima para a exploração da mão de obra jovem, o fim da proteção às terras indígenas. O governo, num primeiro momento, resistiu. O PT chegou, inclusive, a criticar a proposta de terceirização num programa de TV.
O fantasma do "golpe", no entanto, seguia cercando o Palácio do Planalto. Dilma e o PT corriam o risco de serem escorraçados do governo? Não sabemos. De fato, a elite brasileira que não tem qualquer pudor quanto à preservação das regras do jogo. A única regra que importa, para ela, é lucrar sempre e mais. Mas pode ser que tudo não passasse de jogo de cena. Não há como saber. Diante disso, havia duas opções: fazer aquilo que não foi feito em doze anos, isto é, apoiar-se na mobilização popular para promover uma agenda de reformas estruturais, ou ceder ainda mais, ou seja, ceder tudo.
A Agenda Brasil, divulgada nesta semana, sacramenta a segunda opção. É a viabilização de uma "via prussiana" para a superação da crise, isto é, um novo pacto conservador para assegurar as condições para um novo ciclo de expansão capitalista, com apoio do moribundo governo Dilma. Com isso, ela será poupada. Afinal, já não oferece resistência à agenda da burguesia brasileira. A síntese para a contradição que o capitalismo brasileiro vive é a fusão programática e ideológica entre o PT e a burguesia que, até ontem, ameaçava enxotá-lo do governo.
Mas e o golpe? Alguns setores da burguesia brasileira seguirão agitando teses como a do impeachment de Dilma. Mas esses setores foram isolados. O pacto conduzido por Dilma, Renan Calheiros e Joaquim Levy é o verdadeiro golpe. Golpe contra a democracia e os direitos. Pacto firmado sob os auspícios das entidades patronais (como demonstra a nota da FIESP e FIRJAN), a grande mídia (como atesta o editorial da Rede Globo contra o impeachment) e os velhos partidos da ordem. Como disse um companheiro recentemente: se vão os anéis, os dedos e tudo mais. O jogo, claro, ainda está sendo jogado e o pacto representado pela Agenda Brasil (mais retirada de direitos, destruição da legislação ambiental, privatização do SUS, etc.) não é a única saída em debate. Caberá aos que lutam em defesa das maiorias se mobilizarem para derrotar o pacto promovido entre a burguesia brasileira e o governo Dilma. Só assim a saída para a crise poderá ser aquela desejada pela esquerda: desenvolvimento com justiça social e mais direitos.