Nessa carta, ela e outras companhias, incluindo a BP, reconhecem que a crise climática é real: "entendemos que a tendência atual das emissões de gases de efeito estufa está acima daquilo que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirma ser necessário para limitar o aumento de temperatura a não mais do que 2 graus acima dos níveis pré-industriais". O texto surpreende pelas manifestações de aparente boa vontade, como "estamos prontos para fazer a nossa parte" e " manifestavam seu desejo de "queremos ser parte da solução" que chegam - vindas de onde vieram - a soar completamente falsas. Chega a admitir a necessidade de um "preço sobre as emissões de carbono".
Mas dizem por aí que a prática é o critério da verdade e, especialmente no caso da Shell, a contradição entre o dito e o feito é um abismo.
A Shell tem enviado equipamentos, inclusive uma gigantesca plataforma de extração de petróleo para o Ártico. Apesar da resistência do movimento ambientalista, com ativistas tendo se prendido à âncora do navio de apoio da operação (o "Arctic Challenger") e outros, em caiaques, tendo bloqueado, antes da chegada da guarda marinha, a partida da plataforma de Seattle para seu destino final, ao norte.
Ora, a política da Shell, de extrair petróleo no Ártico contradiz duplamente qualquer lógica de quem "quer fazer a sua parte" e deseja ser "parte da solução" da crise climática. Primeiro porque a aposta da viabilidade econômica de se explorar petróleo no Ártico depende de uma maior acessibilidade à região e principalmente da possibilidade de abertura da passagem-norte, o que reduziria em muito os custos em transportar o petróleo e o gás extraídos, como já mostramos em artigo anterior. Segundo porque o simples fato de explorar novas reservas fósseis já está em flagrante conflito com a primeiríssima frase da carta à UNFCCC e COP21 ("A mudança climática é um desafio crítico para o nosso mundo"). É no mínimo uma afronta fazê-lo numa região particularmente sensível ao aquecimento global apostando que o degelo acelerado, ao mesmo tempo em que desmantela o ecossistema, facilite as operações da própria Shell e de outras companhias de rapina lá presentes!
Ora, a política da Shell, de extrair petróleo no Ártico contradiz duplamente qualquer lógica de quem "quer fazer a sua parte" e deseja ser "parte da solução" da crise climática. Primeiro porque a aposta da viabilidade econômica de se explorar petróleo no Ártico depende de uma maior acessibilidade à região e principalmente da possibilidade de abertura da passagem-norte, o que reduziria em muito os custos em transportar o petróleo e o gás extraídos, como já mostramos em artigo anterior. Segundo porque o simples fato de explorar novas reservas fósseis já está em flagrante conflito com a primeiríssima frase da carta à UNFCCC e COP21 ("A mudança climática é um desafio crítico para o nosso mundo"). É no mínimo uma afronta fazê-lo numa região particularmente sensível ao aquecimento global apostando que o degelo acelerado, ao mesmo tempo em que desmantela o ecossistema, facilite as operações da própria Shell e de outras companhias de rapina lá presentes!
Coerência com o discurso, zero. Com a lógica do lucro, total (Total, BP, Statoil...).
Mas é evidente que não é apenas a Shell que contradisse completamente o discurso de "petroquímica boazinha que quer ser fazer sua parte". O vexame maior mesmo ficou por conta de Barack Obama, que aos poucos foi cedendo, até conceder autorização para a gigante anglo-holandesa partir para a sua desventura no Ártico.
Poucos meses antes, Obama havia chegado ao ponto de chamar um comediante para dar um tom mais teatral e chamar atenção para uma crítica dura ao negacionismo climático (muito forte em meio aos rivais do Partido Republicano). Isso deu a entender a muitas pessoas que finalmente, no apagar de luzes do seu segundo mandato, Obama incorporaria o valente defensor do clima que tanto se esperou. Ledo engano: a comédia virou tragédia e a tragédia virou farsa.
Houve uma inversão óbvia de cronograma, pois a Shell começou a transportar material para montar sua operação ecocida antes de obter o "OK". Isto mostrava que a companhia estava exercendo forte pressão para conseguir os endossos do presidente dos EUA, mas independente disso consideramos que a postura de Obama foi injustificável. Há algumas restrições de exploração no momento (condicionantes que a Shell quer superar logo para jogar-se vorazmente na perfuração rumo às reservas de óleo polares), como aponta matéria do New York Times, mas alertas como o de Andrew Sharpless, da ONG Oceana, são claros: "a Shell não está preparada para operar com segurança no Oceano Ártico, onde o mau tempo, a escuridão e o gelo flutuante aumentam os riscos de acidente, não havendo prova de que ela seja capaz de limpar o óleo de um vazamento". E ele sentencia: "A aprovação por parte do governo dessa operação da Shell é um acinte ao bom senso".
Mas é evidente que não é apenas a Shell que contradisse completamente o discurso de "petroquímica boazinha que quer ser fazer sua parte". O vexame maior mesmo ficou por conta de Barack Obama, que aos poucos foi cedendo, até conceder autorização para a gigante anglo-holandesa partir para a sua desventura no Ártico.
Poucos meses antes, Obama havia chegado ao ponto de chamar um comediante para dar um tom mais teatral e chamar atenção para uma crítica dura ao negacionismo climático (muito forte em meio aos rivais do Partido Republicano). Isso deu a entender a muitas pessoas que finalmente, no apagar de luzes do seu segundo mandato, Obama incorporaria o valente defensor do clima que tanto se esperou. Ledo engano: a comédia virou tragédia e a tragédia virou farsa.
Houve uma inversão óbvia de cronograma, pois a Shell começou a transportar material para montar sua operação ecocida antes de obter o "OK". Isto mostrava que a companhia estava exercendo forte pressão para conseguir os endossos do presidente dos EUA, mas independente disso consideramos que a postura de Obama foi injustificável. Há algumas restrições de exploração no momento (condicionantes que a Shell quer superar logo para jogar-se vorazmente na perfuração rumo às reservas de óleo polares), como aponta matéria do New York Times, mas alertas como o de Andrew Sharpless, da ONG Oceana, são claros: "a Shell não está preparada para operar com segurança no Oceano Ártico, onde o mau tempo, a escuridão e o gelo flutuante aumentam os riscos de acidente, não havendo prova de que ela seja capaz de limpar o óleo de um vazamento". E ele sentencia: "A aprovação por parte do governo dessa operação da Shell é um acinte ao bom senso".
Contente com a decisão, além claro dos executivos da Shell, ficaram os republicanos, a começar pela senadora pelo Alaska, Lisa Murkowski, que preside a Comissão de Energia e Recursos Naturais do Senado. Pelo twitter, ela se diz "animada" após visitar pessoalmente a plataforma da Shell quando esta ainda estava em Seattle e ao NYT declarou que o "OK" de Obama era uma "boa notícia para o Alaska e para o país". Independente do grau de constrangimento que isso possa ter trazido a Obama, o fato é que a alegria dessa escória é diretamente proporcional ao aumento dos riscos ambientais e ao agravamento da crise climática.
Sim, pois qualquer gota de petróleo extraída e queimada, lançada na atmosfera na forma de CO2, conta, hoje em dia. Precisaríamos estar numa corrida contra o tempo, para impedirmos que as temperaturas globais ultrapassem 2°C a mais do que o período pré-industrial, limite já considerado por muitos especialistas, como James Hansen, perigoso demais para ser tomado como meta.
Sim, pois qualquer gota de petróleo extraída e queimada, lançada na atmosfera na forma de CO2, conta, hoje em dia. Precisaríamos estar numa corrida contra o tempo, para impedirmos que as temperaturas globais ultrapassem 2°C a mais do que o período pré-industrial, limite já considerado por muitos especialistas, como James Hansen, perigoso demais para ser tomado como meta.
E para ampliar o abismo entre o discurso e a prática de Obama (assim como de outros governantes), lembramos do que foi declarado por ele e seus colegas de G7 também recentemente: que o tão mencionado limite de 2°C não poderia ser ultrapassado. Mas, claro, a coerência que existe é com esse abismo e, do ponto de vista prático, nada significativo foi acertado na cúpula do G7, nem mesmo o fechamento de uma única termelétrica a carvão.
Mais do que isso, lembremos que as metas voluntárias de cortes de emissões, expressas nos INDCs (Intended Nationally Determined Contributions) estão claramente aquém do necessário segundo aCarbontracker, entre as consideradas "inadequadas", isto é, muito abaixo (casos da Rússia, Canadá e Japão, estes dois últimos integrantes do G7!) ou "médias", isto é, marginalmente abaixo do necessário (como as da União Europeia, dos EUA e da China - no caso desta última, com restrições adicionais).
Mais do que isso, lembremos que as metas voluntárias de cortes de emissões, expressas nos INDCs (Intended Nationally Determined Contributions) estão claramente aquém do necessário segundo aCarbontracker, entre as consideradas "inadequadas", isto é, muito abaixo (casos da Rússia, Canadá e Japão, estes dois últimos integrantes do G7!) ou "médias", isto é, marginalmente abaixo do necessário (como as da União Europeia, dos EUA e da China - no caso desta última, com restrições adicionais).
A lição que estas constatações nos deixam é a de que não podemos confiar nosso destino climático nas mãos dos governos de plantão, muito menos nas mãos das corporações, que têm o lucro - incessante, rápido, crescente - como motivo de existência. Os segmentos da sociedade globalmente mais atingidos pelos impactos das mudanças climáticas precisam reivindicar protagonismo nesse processo: países pobres, países insulares, povos originários, comunidades tradicionais, trabalhadores, mulheres, o "Sul". Sem a força da ação política dos "de baixo", que ocupam a terceira classe desta Terra-Titanic, os "de cima" só se moverão para salvar a própria pele quando a água chegar aos joelhos dos músicos da orquestra.