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Miguel Urbano Rodrigues

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Em coluna

Atenas revisitada - O SYRIZA sem máscara (I)

Miguel Urbano Rodrigues - Publicado: Segunda, 01 Junho 2015 21:51

O governo presidido por Tsipras tem vindo aceleradamente a deixar cair as suas promessas eleitorais.


Tanto no plano interno como no plano internacional, a sua política é a do patronato, do grande capital, dos pólos europeu e norte-americano do imperialismo. O governo Syriza-Anel, que tem contado com o apoio transparente da burguesia, cria dificuldades à luta dos trabalhadores, mas não pode impedir a ascensão da luta de massas. Depois do êxito dos desfiles do 1º de Maio multiplicam-se em toda a Grécia as manifestações e as greves. Pode suceder que o Syriza, que tão útil foi ao capital na oposição, perca essa utilidade agora que está no poder.

Os dirigentes das principais potências da União Europeia e os media controlados pelo capital projetam no mundo uma imagem da Grécia grosseiramente deformada.

Na caracterização da crise começam por esconder que os empréstimos concedidos à Grécia se destinaram a financiar o grande capital financeiro no âmbito da estratégia da União Europeia.

Contrariamente ao que amplos sectores sociais admitiram, o governo Syriza-Anel foi recebido com agrado pelas organizações e representantes do mundo empresarial.

A coligação do Syriza com o Anel - partido nacionalista e xenófobo - formou-se em poucas horas porque existia um acordo prévio. É aliás significativo que a Federação Helénica de Empresas-SEV e o diretor geral de Businesseurope tenham felicitado Alexis Tsipras logo após a sua nomeação para primeiro-ministro.

As linhas gerais da política capituladora do novo governo foram traçadas com antecedência, mas Tsipras e o seu ministro Varoufakis esforçaram-se inicialmente nos seus discursos por transmitir ao mundo a imagem de um governo de esquerda, empenhado em realizar reformas progressistas de rutura com a política da Nova Democracia e do PASOK, que respondessem às aspirações do povo. Confundir as massas foi objetivo prioritário.

Acompanhando uma chuva de promessas, o governo criou uma linguagem enganadora. O memorando passou a chamar- se «acordo-ponte» a troika «grupo de Bruxelas", as privatizações «colaborações».

HIPOCRISIA E SUBMISSÃO OSTENSIVA

O êxito eleitoral do Syriza a 25 de Janeiro foi uma consequência do profundo descontentamento popular. O povo votou contra a política da Nova Democracia – PASOK que arruinara o país, empobrecera dramaticamente os trabalhadores em nome da competitividade e rentabilidade do capital.

Num contexto em que o desemprego atingira os 26,8%, o Syriza fez promessas que na prática não ultrapassavam politicas assistencialistas similares às aplicadas por outros governos burgueses, inclusive os do PASOK e da Nova Democracia, para gestão da pobreza extrema e da miséria absoluta. Não tinha, sublinhe-se, a intenção de as cumprir, como ficou demonstrado.

Prometeu, por exemplo, restabelecer o salário mínimo em 751 euros, mas manteve-o em 580 euros. Afirmou que reduziria drasticamente o IVA, mas engavetou rapidamente a promessa, e agora está negociando o seu aumento. A condenação frontal da «austeridade» cedeu lugar a uma «austeridade suavizada».

Transcorridas poucas semanas, ficou ainda mais transparente que o governo Syriza – Anel se propunha a desenvolver uma política capitalista, totalmente alinhada com a estratégia e as políticas da União Europeia.

Afirma despudoradamente que a Grécia pagará integralmente a sua gigantesca dívida externa de 374 mil milhões de euros, pela qual não cabe ao povo grego nenhuma responsabilidade. A lentidão das negociações com Bruxelas não deve gerar ilusões. Acabaram por chegar a um acordo, como ambas as partes desejavam. Segundo declarou Varoufakis, será assinado antes do final de Junho.

Registe-se, porém, que na ultima reunião do Comité Central do Syriza um setor minoritário desse partido criticou o acordo, manifestando-se contra a sua aprovação.

Para favorecer os grupos monopolistas e o patronato em geral, o governo precisa de realizar tímidas reformas nas áreas da política monetária e fiscal. As contradições existentes na União Europeia e no relacionamento desta com os EUA teriam de se refletir no diálogo do governo com as potências imperialistas.
Cabe lembrar que Washington disputa à Alemanha a hegemonia na Europa e tudo faz para sabotar as relações económicas do governo de Ângela Merkel com a Rússia.

O afastamento do ministro da Economia, Varoufakis, do papel de «negociador» foi tema de interpretações fantasistas. Na realidade, essa decisão não teve motivação ideológica, resultando da sua personalidade e estilo. É esclarecedor ele ter sido professor de uma universidade americana e ser um keynesiano, defensor assumido do capitalismo e do aprofundamento das relações com os EUA. Declarou enfaticamente que está de acordo com 70% das medidas do memorando imposto pela troika.

O «Acordo de 20 de Fevereiro», negociado com o Eurogrupo, prolongou a validade do memorando. O governo Tsipras-Anel manteve todos os compromissos assumidos pelo governo de Samarás e os anteriores, e abre a porta a um pacote de novas medidas antipopulares: aumento de impostos, privatizações de infra-estruturas estratégicas, cortes em áreas sociais (saúde, educação, segurança social) e nos salários da função publica, benefícios fiscais para os grandes grupos económicos, etc. A privatização do porto do Pireu intensifica-se com o aumento do controle privado para 51% - e perspetiva da venda de mais 16% num futuro próximo - bem como outras estruturas privadas e 14 aeroportos regionais.

Aliás, a Nova Democracia, o Pasok e o Potami apressaram-se a declarar que votarão a favor do Acordo de 20 de Fevereiro se ele for submetido ao Parlamento, e expressaram disponibilidade para aprovar qualquer acordo que mantenha a Grécia na zona euro.

MAIOR INTEGRAÇÃO NA NATO

O governo Syriza-Anel tem afirmado que pretende fortalecer as relações com os Estados Unidos e a NATO, instrumento militar da sua estratégia planetária de dominação imperialista.

O ministro da Defesa, politico de extrema-direita, defende um aprofundamento da cooperação com Israel. Ao visitar os EUA sugeriu a exploração conjunta dos recursos energéticos do Mar Egeu.

O governo coligado criou condições para a intensificação de manobras da NATO no país, alargando a cooperação com as bases militares da organização no território nacional. O ministro da Defesa propôs inclusive a instalação de mais uma base militar da NATO na ilha de Karpathos.

Não obstante a asfixia financeira, o governo de Tsipras aprovou uma verba de 500 milhões de dólares para modernização de aviões obsoletos Lockheed, destinados a missões de vigilância da NATO no sudeste do Mediterrâneo.

Numa exibição das suas contradições, discordou primeiro da imposição de um novo pacote de sanções à Rússia, mas depois aprovou-as.

Aceitou também participar na escalada militar no Médio Oriente, invocando como pretexto «a proteção das populações cristãs» contra o chamado Estado Islâmico.

Ampliam-se as relações com o estado terrorista de Israel, assumindo o perfil de uma aliança estratégica. Logo nos primeiros dias do atual governo, o ministro da Defesa sugeriu a criação de um espaço de defesa comum que inclua Chipre e Israel.

A Grécia acha-se cada vez mais envolvida nos projetos agressivos do imperialismo para a Região e, portanto, cada vez mais exposta aos perigos inseparáveis dessa politica.

É nesse contexto que o capital grego encara as suas relações com as outras potencias capitalistas. A visita a Moscovo de Tsipras inseriu-se nesse quadro.

IRREDUTIVEL OPOSIÇÃO DO KKE

A direção do KKE declarou desde o início da campanha eleitoral que não aceitaria em hipótese alguma participar em qualquer governo burguês.

O Partido Comunista está consciente das dificuldades da sua posição.

O facto de o Synapismos, núcleo do atual Syriza, ter sido formado por dissidentes do KKE contribuiu para que grandes media internacionais apresentassem o partido de Tsipras como força política radical e até revolucionária. O apoio do Partido da Esquerda Europeia (criado para desmobilizar a classe operária), de partidos comunistas reformistas como o PCF e o PCE ao Governo Syriza-Anel, e da social-democracia europeia em geral também gerou alguma confusão.

O KKE desempenha um papel fundamental na organização da luta contra as medidas antipopulares do atual governo.

A votação do projeto de lei que apresentou no Parlamento para abolição do memorando e das leis antipopulares tem sido adiada. Será certamente derrotado pela maioria.

O governo Syriza-Anel, que tem contado com o apoio transparente da burguesia, cria dificuldades à luta dos trabalhadores, mas não pode impedir a ascensão da luta de massas.

O Syriza com o seu populismo demagógico continua a confundir amplos sectores sociais. Mas a sua máscara apresenta-se cada vez mais esburacada.

No momento em que escrevo multiplicam-se em toda a Grécia as manifestações e as greves. O êxito dos desfiles do 1º de Maio iluminou bem a atitude de milhares de trabalhadores perante uma política classista, favorável ao grande capital. Para os dias 11 e 23 de Junho foram convocadas pelo PAME - a frente de trabalhadores e organizações sindicais na qual o KKE desempenha um papel fundamental - grandes manifestações.
O capitalismo não tem soluções para a sua crise estrutural.

Está condenado a desaparecer e a única alternativa é o socialismo. O KKE não desconhece que no atual contexto europeu e mundial a agonia do monstruoso sistema de exploração do homem será provavelmente lenta.

Mas como partido revolucionário marxista-leninista a estratégia do KKE não é elaborada em função de um calendário para a tomada do poder. Os comunistas gregos não excluem a possibilidade de uma agudização das contradições e antagonismos, situação essa que poderia desembocar numa guerra imperialista na Região.

De dirigentes seus ouvi repetidamente a afirmação de que está preparado para «todas as eventualidades».

Atenas, 30 de Maio de 2015.


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