Assisto a conferência de Boaventura de Sousa Santos à distância, no computador, em streamingvivo de vídeo polo canal de televisão da universidade www.udctv.es . O orador é apresentado em galego polo decano da Faculdade de Sociologia, Antón Álvarez Sousa. Há aplausos. Boaventura começa a falar em português, em transparente português, para explicar que a seguir vai mudar para “o seu portunhol” porque, na sua experiência, o português é fácil de ler, mas para os debates científicos não é tão fácil. Então, muda para o seu excelente espanhol, introduz o tema, e faz a pergunta que o assalta, sobre a qual dissertará, e que nos convoca (a mim, polo menos, fortemente): se la universidad tiene futuro.
Compreendo imediatamente que não. Que quando o Sul fala a linguagem do Norte, nada que signifique remotamente “universidade” tal como a concebeu o nosso ideal adolescente tem porvir. É a conferência mais curta e efetiva que tenho assistido na minha vida, um verdadeiro autocolante. Qualquer cousa que continuasse a dizer o sociólogo do Norte, para quem Portugal e a Galiza são um necessário Sul sem língua (entendamos: o seu necessário Sul, não um sul imanente), seria redundante. Asseguro sem vaidade que a partir da exibição do seu habitus, Boaventura de Sousa Santos não me ensinaria nada sobre o Norte e o Sul. Só se compreende a língua do poder, sempre. É a que paga o ordenado e as despesas, materiais e simbólicas. É a que impede conhecer a geometria social da terra que se visita em generoso convite. É a epistemologia do Norte que cega qualquer epistemologia. O célebre sociológo do Norte Boaventura de Sousa Santos nunca dará conta como, se o compreendemos quando nos explicava em português por que não falaria português, não o compreenderíamos em português quando nos explicasse o que são o Sul e o Norte e as suas visões do mundo.
Desligo o vídeo do computador. Na sala de conferências, sei de quem fez exatamente o mesmo nessa altura: desligar e ir embora pola porta. É professora de língua e de literatura.
Epistemologia do Norte: na véspera da Revolução dos Cravos, Arriba España.