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Valério Arcary

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Março de 2015 não foi uma continuidade de Junho de 2013

Valério Arcary - Publicado: Sexta, 27 Março 2015 18:18

Junho de 2013 foi progressivo e herdeiro do Fora Collor de 1992. Quem se posiciona na continuidade de 2013 são as greves dos trabalhadores. Março de 2015 foi reacionário, e herdeiro da campanha eleitoral de 2014, um dos processos eleitorais mais demagógicos da história do Brasil.


“Corremos alegres para o precipício, quando pomos pela frente algo que nos impeça de o ver”  (Blaise Pascal).
 
“Durante a manifestação de abril de 1917 uma parte dos bolcheviques lançou a palavra de ordem: “Abaixo o governo provisório”. O Comitê Central logo chamou à ordem os ultraesquerdistas. Devemos, é claro, propagar a necessidade de derrubar o governo provisório, mas não podemos ainda chamar as massas às ruas por essa palavra de ordem, pois estamos ainda em minoria na classe operária. Se, nessas condições, conseguimos derrubar o governo provisório, não o poderemos substituir e, por conseguinte, auxiliaremos a contrarrevolução” (Leon Trotsky),
 
Quando se trata da história do tempo presente, não encontraremos nunca interpretações definitivas, apenas explicações que diminuem as margens de erro, que reduzem os inevitáveis impressionismos, ou seja, se superam. Assim avança o conhecimento.
 
Uma das curiosidades dos debates provocados pelas manifestações do domingo dia 15 de março foi um inusitado acordo de análise entre alguns dos mais ardorosos defensores da oposição de direita, e alguns dos mais inteligentes defensores críticos do governo: Março de 2015 teria raízes e seria de alguma maneira uma continuidade de Junho de 2013. [1]
 
Mas esta análise é uma ilusão de ótica do relógio da história. Junho de 2013 não foi somente mais jovem, foi socialmente mais proletário.[2] Foi, sobretudo, politicamente, o contrário de março de 2015. Os protestos de Junho de 2013 foram em defesa de transportes, educação e saúde pública. Dia 15 de março os cartazes eram de apoio a mais privatizações. Junho de 2013 foi contra todos os governos. Os protestos, depois do dia 13 de junho, foram acéfalos, sem direção. As manifestações de março de 2015 foram somente contra o governo de Dilma Roussef, e com direção claríssima. A nova direita, e até extrema direita, com apoio dos partidos eleitorais da direita institucional. Esta diferença é qualitativa.
 
Junho de 2013 foi progressivo e herdeiro do Fora Collor de 1992Quem se posiciona na continuidade de 2013 são as greves dos trabalhadores. Como a resistência operária contra as demissões nas montadoras. Como a greve dos professores do Paraná que encurralou Beto Richa e, nas duas últimas semanas, dos professores de São Paulo.
 
Março de 2015 foi reacionário, e herdeiro da campanha eleitoral de 2014, um dos processos eleitorais mais demagógicos da história do Brasil. Na atual correlação de forças, a derrubada de Dilma pela oposição burguesa seria uma porta aberta para um governo com uma orientação ainda mais reacionária.
 
Os protestos de Junho de 2013 foram uma luta em processo, uma disputa, uma aposta e, como sempre em qualquer combate, reinou, enquanto se desenvolvia a incerteza do seu desenlace. Os grandes momentos na luta de classes não podem ser analisados, somente, pelo desenlace final. Ou pelos seus resultados. Estes explicam, facilmente, mais sobre a reação que os derrotou. Na história não se pode explicar o que aconteceu considerando somente o desfecho. Isso é anacrônico. O fim de um processo não o explica. Na verdade, o contrário é muito mais verdadeiro. O futuro não decifra o passado, apenas o reinterpreta.
 
É uma armadilha da mente imaginar que há desenvolvimento linear de processos, e procurar sempre raízes de fatos recentes em acontecimentos passados, sem perceber o perigo da inversão do significado. Embora tentador este viés é sempre arriscado. Porque nas nossas vidas, na natureza e na história das sociedades fases de evolução lineares, mais ou menos constantes, dão lugar a fases de aceleradas transformações.
 
Junho de 2013 não explica março de 2015, mas a campanha eleitoral de 2014 ajuda muito a compreender. Entre o segundo turno de 2014 e o passado dia 15 de março, aconteceu o que era previsível: o governo de coalizão liderado pelo PT aceitou a orientação de Lula e, assustado pela pressão burguesa nacional e internacional pelo ajuste fiscal, cedeu. Dilma, “coração valente” abandonou, olimpicamente, as promessas eleitorais e assumiu o programa do PSDB e Aécio Neves. Sucessivos estelionatos eleitorais têm consequências.
 
A crise política deslocou para a oposição a maioria da população. As pesquisas de opinião se sucedem e confirmam que a aprovação do governo Dilma desmorona, vertiginosamente. Quase 60% apoiam o impeachment. [3]
 
No, entanto, pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (FPA) confirma que na Paulista no dia 15 esteve presente, sobretudo, uma maioria assalariada com alta escolaridade. [4]Quem são, socialmente, os manifestantes do dia 15 de março? Os números revelados pela pesquisa são esmagadores. Entre aqueles que se autodefiniram como empregadores, empreendedores, e profissionais liberais eram 24% dos presentes, e mais de 40% admitiram uma renda mensal igual ou superior a 10 salários mínimos, quando a proporção com este rendimento no universo da cidade é menor que 10% da população.
 

Renda (salários mínimos)

Manifestação de 15/03 (SP) Censo de 2010 São Paulo
Até 2 7,2% 53,2%
De 2 a 5 22,7% 27,2%
De 5 a 10 27,8% 11,4%
Mais de 10 42,3% 8,3%
 
A luta contra corrupção não é reacionária. É progressiva. Mas uma luta progressiva não significa que justifica uma unidade na ação entre a oposição de esquerda e a oposição de direita. As manifestações do dia 15, convocados pela nova direita Movimento Brasil Livre e peloVem pra Rua, mas também pelo Revoltados on line, de extrema direita  foram reacionárias. Mas, não porque as pessoas que lá estiveram se mobilizaram contra a corrupção. Tanto a luta pelas Diretas em 1984, quanto pelo Fora Collor em 1992 tiveram como um dos seus combustíveis centrais a luta contra a corrupção. Mas porque o seu eixo foi a derrubada de Dilma.[5]
 
O impeachment de Dilma, na atual correlação de forças, seria uma solução reacionária porque abriria, necessariamente, uma situação pior para a resistência dos trabalhadores. Os inimigos de nossos inimigos não são nossos amigos. Não há somente dois campos no Brasil. Há uma disputa entre dois campos burgueses, e uma oposição de esquerda que, embora minoritária, é a única que representa o campo dos trabalhadores.
 
Quem avalia que a corrupção não tem solução não defende uma posição madura, mas cética e cínica. O que não significa ter uma ilusão ingênua nas instituições de controle como a controladoria Geral, o Tribunal de Contas, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Ministério Público, pior ainda na Justiça Federal. Tampouco merece qualquer expectativa uma reforma política que venha a ter como espaço de elaboração o atual Congresso Nacional.
 
Isto posto, não responde ao problema de análise do dia 15 de março recuperar a velha tese de que “a classe média tradicional tem horror à ascensão social dos pobres”.[6] Um argumento mais forte para a compreensão do apelo da nova direita parece ser a maior influência de ideias liberais – “estatais são sempre menos eficientes e mais corruptas que empresas privadas”, por exemplo. Subestimar o impacto da operação Lavajato é um grave erro de análise na percepção do que foi o dia 15 de março. A denúncia e o combate contra a corrupção é um tema importante da luta pela revolução brasileira, uma revolução que tem um programa democrático que não se resume à defesa da reforma agrária e da libertação nacional. Claro que a ilusão de que o problema do Brasil é a corrupção é falsa. A corrupção é um câncer, mas é preciso ter sentido das proporções. O maior problema do Brasil é a exploração capitalista. É a pobreza, a desigualdade social, a ignorância. São todos produtos do capitalismo. A única saída é anticapitalista
 
A vida demonstrou, porém, o quanto estavam errados aqueles que defenderam a incrível tática de participação da esquerda no passado dia 15 março. [7] Nosso lugar é nas ruas, mas sob outra bandeira. Por isso é tão importante cercar de apoio as lutas em curso, a começar pelas greves de professores em vários Estados. Neles e com eles a esperança de junho de 2013 volta a viver.
 
Notas:
 
[1] Demétrio Magnoli é representativo dos que apoiaram o dia 15. Cf. Demétrio Magnoli. Chefe de Facção. Folha de S. Paulo, 21 mar. 2015. Disponível em: http://bit.ly/1N5UAv4
André Singer é representativo daqueles que se situam no campo do governo com uma posição crítica. Cf. Eduardo Maretti. Para André Singer, governo precisa ativar economia e ‘mudar de rumo’ para enfrentar crise. Rede Brasil Atual, 18 mar. 2015. Disponível em: http://bit.ly/1F8DR9d
 
[2] Ibope. Pesquisa de opinião pública sobre os manifestantes. Disponível em:http://bit.ly/1Nd8qd3. Consulta em 28 out. 2013.
 
[3] Ayr Aliki e Ric ardo dela Coletta. Pesquisa indica que 59,7% dos brasileiros apoiam o impeachment de Dilma. O Estado de S. Paulo, 23 mar. 2015. Disponível em: http://bit.ly/19j3xBS
 
[4] Fundação Perseu Abramo. FPA Pesquisas: Projeto Manifestações de março/2015. Disponivel em: http://bit.ly/1EKnSeP. Consulta em: 22 mar. 2015.
 
[5] O Movimento Brasil Livre defende o impeachment. Disponível em:http://www.movimentobrasillivre.org/ Consulta 22/03/2015.
 
[6] SINGER, André. Entrevista à Folha de S. Paulo: A hora da grande política, 22 mar. 2015. Disponível em: http://bit.ly/1DVMbJa. Consulta em 22/03/2015.
 
[7] O Movimento Negação da Negação, ou Território Livre posicionou-se pelo apoio ao dia 15/03 em carta dirigida ao PSOL e ao PSTU: “os dias 13 e 15 não podem ser equiparados. Em vez de equipará-los e propor uma terceira via, mais proveitoso seria, nos parece, engrossar atos como o do dia 15 com setores organizados da classe trabalhadora”. Conferir em:http://www.movimentonn.org/?p=479 Consulta em 22 mar. /2015. A CST, corrente interna do PSOL, não convocou nenhum dos dois atos, mas titulou sua nota com: “Multidão repudia Governo Dilma nas ruas do país”, o que não permite concluir nada sobre o caráter reacionário das manifestações. Acrescentou na nota que: “As faixas ou bandeiras de impeachment ou a favor de um golpe de estado foram minoritárias”. Na verdade, o apoio ao impeachment foi, amplamente, majoritário. Os defensores de um golpe militar eram muitos milhares, ainda que minoritários. Mas o seu carro de som na Paulista não foi hostilizado. Conferir em:http://www.cstpsol.com/viewnoticia.asp?ID=687 Consulta em 22 mar. 2015.

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