Não vi tanto ódio como o dos religiosos, estes falsos de paixões moralistas, andam pela vida julgando aos demais e achando que têm o direito de apontar e se fazerem de santos.
São estes que deram pulos de alegria ao ter a duas mulheres homossexuais rolando na cama com eles, a fantasia de um trio. Porém, para eles é horripilante vê-las de mãos dadas caminhando pela rua e intolerável que se beijem em plena via pública, dizendo “mas o que é que acontece com elas? Que façam as suas coisas em casa, não percebem que estão dando um mau exemplo para as crianças?!”.
São estes que deixam os seus filhos abandonados, sem nunca reconhecê-los como próprios, porém que se sentem com a autoridade moral de julgar a maternidade homossexual. São estes que, se tivessem a oportunidade, se atreveriam a meter a todos os homossexuais num campo de concentração e exterminá-los para que já não propaguem a imundice da sua aberração. Tudo em nome do Senhor!
Estes bobos que rezam dia e noite, que deixam as suas ofertas e cumprem com o dízimo, mas que, ao saírem da igreja recém abraçados com a paz do Senhor ou ungidos com o óleo santo, o primeiro que fazem é proibir aos seus filhos que andem com fulaninho porque aparenta ser homossexual. “Que Deus nos guarde, isso pode contagiá-lo! Que lhe evite a todo custo e que avise a outros para que também se afastem Dele”. São estas senhoras fofoqueiras que vão de casa em casa destilando veneno.
São estes intelectuais caducos que são incapazes de compreender que a diversidade nos engrandece. Estes letrados que dizem ser de pensamento crítico e se gabam de analíticos, empreendedores e rebeldes; eles mesmos são homofóbicos. Com isto, jogam fora todo verbo e a lábia que ostentam quando falam de equidade e igualdade. Esses são os que menosprezam a outro homem que ame de forma diferente.
Pessoas sem ofício que andam de porta em porta com a Bíblia na mão oferecendo revistas que falam da salvação do mundo, da limpeza (com sete montes1) dos pecados, porém que, no nome do Deus, expelem aberração com respeito àquilo que é diferente, autêntico e, por isso, belo.
São estes ungidos com óleo que se autonomeiam guias espirituais e que têm a cara de pau de se autodesignarem pastores e profetas. Estes que se acham santos, estas freiras que se dão ao desfrute com os padres, estes que são da diretiva comunitária nas igrejas, que queimam velas no café-da-manhã, no almoço e na janta e que sozinhos se fartam de vinho e hóstia.
Estes do coro da igreja. Estes que só chegam à missa para ver as pernas da filha de dona fulana, “que rebelde, vai de mini-saia!”. Estas que chegam só para falar mal de sicrana que todos sabem que anda com o pároco da igreja. Sim, todos estes que transbordam de hipocrisia são os que com muito prazer mandariam para o paredão a todos os homossexuais que cruzassem os seus caminhos (uso a palavra “homossexual” tanto para homem quanto para mulher, não gosto da palavra “lésbica”, soa como Carmela, Jovita, algo assim como a um nome).
Estes que se encarregam de cobrar os dízimos pontualmente em cada casa e de arrumar a igreja para a Quinta-feira Santa. Estes são os que vão à missa para que não falem mal deles, que vão ao culto para dar um bom exemplo. Homofóbicos que gargarejam o ódio em nome de Deus e que esperam a Semana Santa para mergulhar na água para se santificarem e, desta forma, mudarem da água para o vinho. Pois eles odeiam em nome do seu deus, da sua religião, da sua fé e da sua relação pessoal com Deus.
São estes pais de família que dilaceram a vida dos seus filhos homossexuais com a rejeição, humilhação, agressão e segregação no seio familiar por não serem como os outros, terem forma própria e amarem de forma diferente. São esses assassinos que obrigam aos seus filhos ao suicídio em nome de Deus. “Porque Deus castiga a quem é homossexual”, dizem, “porque Deus não aceita desvios desse tipo”. São os que colocam os seus filhos em clínicas psiquiátricas ou os enviam a outros países para que a sociedade local não saiba de semelhante vergonha. São os que pretendem mudá-los a base da violência.
Tanto ódio tem a humanidade em nome de Deus, fazendo-o de escudo para aniquilar. Sua Bíblia, suas orações, suas pregações, seus louvores, suas romarias e suas lições de moral... Quando é que vamos aprender que ser diferente nos engrandece como humanidade? Que não há absolutamente nada de mau em amar de forma distinta, que não temos nenhum direito de julgar a vida íntima de outras pessoas. Todos nascemos com os mesmos direitos.
E não falo de tolerância porque as pessoas homossexuais não são lactose. Falo de humanidade, de amor ao próximo, esse amor tantas vezes pregado pelos que fazem o sinal da cruz. Este artigo vai dedicado a todas essas pessoas que odeiam em nome de Deus. Não quero dizer com isto que todos os religiosos são hipócritas, conheço alguns que são pessoas que valem a pena. Cada um com a sua fé e crença, isso deve ser respeitado sempre, jamais podemos generalizar. Não quero ofender a ninguém, mas aos que a carapuça servir, só lamento.
Fica no ar, então, uma pergunta: é válido humilhar, julgar, agredir ou assassinar a uma pessoa homossexual em nome de Deus? Para estes tempos de quaresma no qual meio mundo está se santificando, seria bom que anotemos entre os nossos pontos a meditar a homofobia e o ódio.
Ilka Oliva Corado. @ilkaolivacorado.
23 de março de 2015.
Estados Unidos.