É que eu defendo os objectivos e as acções das FARC-EP e da FPLP, entre muitas outras organizações armadas que lutam pela emancipação dos seus povos. E agora, com as propostas de lei aprovadas na semana passada em Conselho de Ministros, basta a consulta de um site para impor o estado de excepção e deter qualquer um.
O primeiro problema é a própria definição de «terrorismo». Este termo, de tão carregado de normatividade, perdeu todo o significado político para se transformar numa funda de arremesso pejorativo contra a violência que, uns ou outros, consideram ilegítima ou injusta. Desafortunadamente, na acepção contemporânea mais comum, a expressão «terrorismo» é usada para distinguir o monopólio da violência exercida pelos Estados de todas as outras violências que representem uma competição para esse monopólio. Terrorista era o que Hitler chamava à resistência francesa, o que Salazar chamava aos lutadores anti-coloniais, o que Baptista chamava a Fidel, o que Cavaco chamava a Mandela e o que Suharto chamava à FRETILIN.
Não há, portanto, qualquer possibilidade de estabelecer uma definição etimológica da palavra, já que, por este fio condutor, o «terrorismo» não tem necessariamente que brandir o objectivo ou o método de causar terror, pelo que sobra não o terror causado pela violência, mas a ilegitimidade desse terror. Os drones que sobrevoam e bombardeiam o Iémene são a causa de genuíno terror e no Afeganistão, a guerra psicológica e a tortura aterrorizam o inimigo para cumprir objectivos tácticos, mas porque este «terrorismo» é de Estado, chamamos-lhe antes guerra, ou, quanto muito, crimes de guerra.
Sendo a questão fundamental do «terrorismo» a questão da legitimidade da violência como forma de luta política, devemos recordar-nos que a violência sempre foi a parteira dos Estados, a geradora dos principais progressos sociais e o carburador histórico da luta de classes. Procurar defender que qualquer recurso à violência política será sempre, abstracta e incondicionalmente injusto, é um privilégio dos que não sofrem na pele a injustiça. Querer que a violência dos oprimidos contra os opressores seja sempre ilegítima é negar que a derradeira soberania resida nas massas do povo e, consequentemente, os princípio teóricos da república: é defender o Leviatã de Hobbes. Não é casual que as raízes do «terrorismo» estejam bem enterradas na Revolução Francesa nem é por acidente que a Constituição da República Portuguesa consagra o direito à resistência. A luta de classes não se compadece de leis nem terminologias: avança sempre.
Sejamos claros: o problema não é que se lute contra grupos violentos de fanáticos religiosos, redes bombistas e organizações que promovam o ódio. O problema é que se criminalize tout court qualquer pessoa que consulte ou apoie organizações armadas que, aqui ou na Colômbia, se tenham erguido em armas. As leis com que o Governo pretende avançar pretendem isso mesmo: a possibilidade de criminalizar os adversários políticos taxando-os de terroristas e impedindo o acesso normal da sua defesa ao sistema de justiça.
Hoje criminalizam os que defendem abertamente qualquer organização armada. Amanhã pedirão que as condenemos expressamente. Depois pedirão que condenemos a História, da Revolução Russa à Cubana. E se não tivermos cuidado, quando dermos por nós, estaremos a pedir desculpa por sermos revolucionários.
Fonte: Manifesto74