“A economia, como é ensinada e entendida, está sempre um passo atrás da realidade, exceto nas faculdades de administração de empresas”.
John K. Galbraith, A economia das fraudes inocentes, Companhia das Letras, São Paulo, 2004, p: 29.
Através da história, os impérios clássicos e todos os grandes estados nacionais lutaram para conquistar e monopolizar “posições estratégicas”, que garantissem suas fronteiras e sustentassem sua expansão internacional. Isto aconteceu com Roma, Pérsia ou China, mas também com Portugal, Espanha ou Holanda. E foi com este mesmo objetivo que a Inglaterra construiu uma rede de ilhas, cabos e portos ao redor do mundo, onde apoiou a expansão secular do seu poder naval, e do sue império, entre os século XVIII e XX. Da mesma forma que os EUA planejaram e construíram no século XX, a “teia estratégica” em que instalaram as mais de 700 bases militares em que se sustenta hoje o seu poder global. A luta, conquista e preservação destes territórios obedeceu sempre uma lógica e um cálculo militar, mas nunca teve nem cumpriu objetivos exclusivamente militares. Pelo contrário, muitas vezes foi a conquista e construção desta infraestrutura logística que abriu e assegurou o caminho de expansão e da internacionalização econômica destes países. Garantindo, ao mesmo tempo, o acesso e o controle monopólico de alguns recursos estratégicos, por parte dos seus grandes grupos economicos privados e nacionais.
Nesta trajetória comum e expansiva do poder e do capital, o controle da moeda e da energia sempre foi absolutamente decisivo e indispensável para o funcionamento da “máquina da guerra” destes estados, e, simultaneamente, da “máquina econômica” dos seus capitalismos nacionais. É por isto que se pode dizer que a “moeda” e a “energia” são recursos que têm “valor estratégico”: porque são cruciais para a defesa e a expansão dos estados e das economias nacionais, mas também porque funcionam como um instrumento de poder das potências vitoriosas que utilizam o seu controle da moeda, do crédito e da energia, para impor a sua vontade política, dentro do sistema mundial.
O valor destes “bens estratégicos”, portanto, transcende seu preço de mercado, e está sempre “sobredeterminado” pela sua importância para a luta das nações e das grandes corporações internacionais, pelo controle e monopólio destes mesmos bens e recursos. Isto acontece com a moeda e com o petróleo, mas acontece também com todo e qualquer outro produto ou serviço, que tenha ou adquira em algum momento esta mesma importância para as grandes potencias e para as grandes corporações internacionais.
Não é difícil de entender este argumento, basta olhar para o que está acontecendo - no mundo da guerra e dos “mercados estratégicos” - neste momento em que as decisões político-estratégicas dos EUA e de alguns de seus principais aliados – entre estados e grandes corporações – estão provocando variações no valor do Dólar, e no preço do petróleo que devem atingir países e mercados ao redor de todo o mundo. A explicação detalhada destas mudanças não é simples nem linear, mas neste caso, não há duvida que o controle político - direto ou indireto - da moeda, do crédito e do preço do petróleo, está sendo utilizado pelos EUA para impor sua vontade nos vários tabuleiros geopolíticos do mundo, onde há países que resistem ao seu poder imperial. Mas é preciso ter claro que este fenômeno não é novo nem é original.
Para manter-nos no século XX: foi a mesma que aconteceu depois da II Guerra Mundial, com a criação e o abandono do Sistema de Bretton Woods, com a sua regulação dos mercados financeiros, por parte dos EUA, e com a simultânea criação e destruição da matriz energética barata em que se sustentou a reconstrução da economia mundial, entre 1945 e 1973. E o mesmo voltou a acontecer com a subida da taxa de juros norte-americana e do preço do petróleo, em 1978 e 79, seguida por uma nova baixa do petróleo, que foi induzida pelos EUA e a Arábia Saudita, e que contribuiu decisivamente para a implosão da URSS na segunda metade da década de 80, para ficarmos apenas com alguns exemplos significativos. Mas é lógico que está prática não foi inventada nem é exclusiva EUA, ou dos países anglo-saxões e que deverá ocorrer o mesmo com todo e qualquer estado expansivo que participe da luta pelo poder e pela riqueza internacionais, e que passe a controlar posições e recursos estratégicos utilizando-os para bloquear o acesso dos seus concorrentes às mesmas posições e recursos. E o mesmo acontece com as grandes corporações multinacionais, que se apoiam no poder dos seus estados para expandir-se e para conquistar vantagens monopólicas, e que calculam sua expansão e seus investimentos com base na mesma lógica de conquista e dominação exclusiva de territórios e de mercados, muito mais do que de busca do lucro imediato.
Neste sentido se pode dizer – radicalizando o argumento - que para as grandes potências e para as grandes corporações multinacionais, privadas ou públicas, a conquista de posições e de recursos estratégicos não tem um preço de mercado, porque seu valor está permanentemente “sobredeterminados” pela sua importância e pela sua “utilidade” na luta entre estas organizações, pelo poder e pela riqueza internacionais.
Agora bem, se o sistema interestatal capitalista funciona desta maneira, como se mantem ainda viva a utopia e a ladainha liberal da “reforma” e “despolitização” dos mercados, quando pelo menos dois dos seus principais “insumos” (a moeda e a energia) possuem preços ou valores que obedecem à logica do poder, ou mesmo da guerra, e não apenas à logica do mercado, ensinada pelos manuais de economia. Um problema que fica ainda complexo quando se sabe que a “lista” dos bens estratégicos não se restringe à moeda e à energia, e pode variar através do tempo e do espaço, em função dos objetivos estratégicos dos estados e das grandes corporações envolvidas na luta permanente pelas posições e recursos estratégicos de todo o mundo.