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Carlos Serrano Ferreira

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Em coluna

O terramoto grego e suas lições

Carlos Serrano Ferreira - Publicado: Segunda, 26 Janeiro 2015 17:34

Há governo na Grécia. Mais do que isto: há na Grécia três grandes lições sobre o tempo em que vivemos na Europa.


Pela primeira vez desde a queda da ditadura dos coronéis em 1974, os dois partidos do regime, o conservador Nova Democracia (Νέα Δημοκρατία) ou o "socialista" PASOK (ΠΑ.ΣΟ.Κ.) não estarão à frente do governo. Também pela primeira vez nesse mesmo período não haverá um membro da dinastia Papandreou com mandato. O Movimento dos Democratas Socialistas (Κίνημα Δημοκρατών Σοσιαλιστών), criado recentemente após a ruptura do ex-primeiro-ministro Geórgios Papandreou com o PASOK, nem mesmo alcançou a cláusula de barreira de 3% (recebendo apenas 2,46%). Venceu a Coalizão da Esquerda Radical, mais conhecida pela sigla Syriza (ΣΥΡΙΖΑ). E, esta é a primeira grande lição: o bipartidarismo que dominou a política europeia durante décadas está a chegar ao fim.

A eleição na Grécia, muito além da onda de esperança que se espalhou pela Grécia e por todo o sul da Europa, e o medo que foi estimulado pelos meios de comunicação, pelos dirigentes alemães e de Bruxelas, significou um brutal aprofundamento da crise dos regimes bipartidários instalados no continente. Não foi o primeiro momento, é verdade. No Reino Unido em 2010 o bipartidarismo foi rompido: só em composição com os liberais-democratas os conservadores conseguiram compor um governo. E, em 2014 ocorreu a grande vitória – a primeira de um terceiro partido num século – do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) nas eleições europeias. Estes são eurocépticos e um partido anti-imigração e neoliberal (thatcheristas fanáticos), por isso representam um perigo não só para a União Europeia, mas para seu próprio povo, diferentemente do significado da vitória do Syriza.

Ontem os gregos disseram, quase parafraseando as palavras de Marx e Engels, que não tinham nada a perder além das amarras que os prendem. Prendem e sufocam, como a política de austeridade que levou o país ao caos: em 2013, 35,7% da população já vivia no risco de pobreza; nos fins de 2014 o desemprego era de 25,8% e entre os jovens de 50,6%! Mas, esta realidade não é única, se repete no Estado Espanhol, em Portugal e outros países. No país lusófono neste ano, o que já era previsível após sucessivos cortes na saúde pública, se instalou o caos nas urgências. Neste caso fica claro como a austeridade mata: só nos primeiros vinte dias assassinou 700 pacientes. Por isso, a dianteira do PODEMOS para as eleições deste ano no Estado Espanhol. Por isso o surgimento do Juntos Podemos em Portugal que decidiu em sua 2° Assembleia Cidadã Nacional no Porto no último sábado dar a esse movimento também uma estrutura partidária associada. O bipartidarismo pode estar com os dias contados. No Estado Espanhol soma-se uma erosão ainda mais brutal do regime, com a perda acentuada de popularidade e credibilidade da monarquia e da exploração sobre as nacionalidades oprimidas, com o crescimento e possível independência catalã que terá impactos sobre o País Basco.

Mas, as eleições gregas trazem duas outras lições importantes. Primeiro, que o sectarismo e esquerdismo são um risco tremendo nesses tempos de mudança. E, em segundo lugar, que a luta nacional e anticolonial é o principal motor político no Sul da Europa.

O sectarismo na Grécia apareceu com toda força na rejeição irresponsável do Partido Comunista Grego (KKE) em compor o governo Syriza e constituir um governo de esquerda. Foi a completa falta de entendimento do novo momento histórico de emergência nacional. Sua atitude faz lembrar a do Partido Comunista Alemão que se recusou a construir uma frente com a social-democracia contra a ascensão do fascismo. A Grécia vive um processo, como o Estado Espanhol e, principalmente, Portugal, de colonização económica por parte das grandes corporações alemães, secundadas pelas franceses e de outros países do Norte, e pelo sistema financeiro internacional. A soberania está ameaçada, bem como a existência de seus cidadãos. A contradição principal se tornou claramente a contradição entre os povos desses países e as elites internacionais, que se apoiam nas elites nacionais convertidas em sócios minoritários, numa elite dependente. Numa conjuntura destas ou se constrói uma unidade popular de resistência, ou quem se aproveita é o fascismo. É o que se vê na dianteira da Frente Nacional Francesa de Marine Le Pen nas projeções eleitorais, ou nos quase 7% dos fascistas gregos do Aurora Dourada. Ou se coloca uma mensagem de esperança popular ou o discurso de medo da praga castanha neonazista pode crescer. A negação do KKE poderia ter inviabilizado o governo do Syriza, ter lançado a Grécia na desesperança e no caos, fertilizando o território para as hordas fascistas.

Felizmente, a luta nacional e anticolonização levou a que forças antiausteridade e contrárias ao domínio alemão sobre a Europa transcendessem diferenças no eixo esquerda-direita e constituíssem o já anunciado governo que se conforma no eixo soberania-entreguismo. O partido que irá compor com o Syriza é o partido dos Gregos Independentes (ANEL, Έλληνες). Estes se formaram de uma ruptura antiausteridade em 2012 do partido governante Nova Democracia. Rejeitam a Troika e seus planos, são contrários ao neoliberalismo e defendem a soberania nacional.

Contudo, o sectarismo do KKE impediu o melhor dos mundos: um governo que estivesse ao mesmo tempo localizado nos dois eixos nos melhores polos, criando um governo de esquerda soberana. A composição com a ANEL jogará o novo governo mais ao centro, pois os aliados do Syriza se localizam à direita e são contrários à imigração e são orientados pelo cristianismo ortodoxo.

Estas lições devem estar bem claras aos povos europeus que resistem à colonização por Bruxelas e Berlim e que querem de volta a democracia que lhes foi roubada, que querem recuperar sua soberania popular e nacional e se libertar das políticas austeritárias que lhes roubam a vida, os direitos e a dignidade.


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