Percebe-se na chamada “sociedade de consumo” o mais evidente resultado disso, que se reflete, sobremaneira, num mundo entulhado de mercadorias, das quais muitas delas nunca iremos precisar para viver.
Com isso, para entulhar o mundo de mercadorias, na tentativa errônea de construir-se uma alternativa de “progresso”, a fabricação de capital material produzido pelo homem (máquinas, ferramentas, estradas, habitações, infraestrutura...) desfigurou completamente o semblante do capital natural (florestas, reservas de água, disponibilidade de solo, fauna e flora...), afastando-se assim completamente do ideário que promove a busca da sustentabilidade, do equilíbrio ambiental e climático, de uma biosfera saudável, com capacidade de suporte e reposição.
Para quem aceita ver a realidade como é, o que passamos então comumente a chamar de “crescimento econômico” (a partir de taxas elevadas de produção física) não é - e jamais será algum dia - sustentável, pois, como bem pondera Bernard Perret, estudioso francês da economia ecológica, “o progresso de que tanto nos beneficiamos de dois séculos para cá se baseia na energia abundante e barata, na acumulação de objetos materiais e na destruição da natureza”.
Esse modelo econômico de elevada produção “alimentado”, essencialmente, com exagerado consumo, é, por definição, destruidor dos serviços ecossistêmicos.
Se ainda paira alguma dúvida sobre isso, basta apenas um ilustrativo exemplo para perceber-se o estrago generalizado, voltando à atenção, para tanto, nos quatro ecossistemas que fornecem nossos alimentos: florestas, pradarias, pesqueiros e terras agrícolas.
De acordo com estudo atualizado pela FAO, percebe-se um declínio das terras florestais entre 1990 e 2010. Nesse período, as áreas florestais diminuíram cerca de 5,3 milhões de hectares por ano, o que corresponde a uma perda líquida equivalente a quase quatro vezes o tamanho da Itália ou da Colômbia, durante o período de 1990-2010.
Especificamente, convém destacar que nos ecossistemas pesqueiros e terras agrícolas, a atividade econômica tem se manifestado ao longo do tempo de forma muito invasiva. Das 17 reservas pesqueiras oceânicas conhecidas no mundo, 11 delas possuem taxas de retirada maior do que a capacidade de reposição. Das terras firmes do mundo, quatro bilhões de hectares encontram-se deteriorados.
Os últimos 60 anos de atividade econômica respondem pela depredação de 60% dos ecossistemas. É de fundamental importância não perder de vista que a economia não pode mais “funcionar” sob o paradigma de um crescimento expansivo.
Tão importante quanto isso é o fato da economia neoclássica – fascinada pela ideia de equilíbrio e liturgicamente adepta ao dogma do crescimento econômico como paradigma quase único de prosperidade – reconhecer o que é mostrado com bastante clareza pela segunda lei da termodinâmica: que o “circuito econômico” não funciona no “vazio”, longe do meio ambiente, mas, sim, dentro da biosfera.
Urge, portanto, “renovar a economia”, substituindo essa obsessão material e privilegiando o elo social, ao invés da satisfação individual, como bem apontou o escritor francês Hervé Kempf em L'Économie à l'épreuve de l'écologie.
Faz-se necessário ir à busca de uma economia sustentável. Para se tornar sustentável, contudo, a economia precisa ser incorporada ao funcionamento do ecossistema; para tanto, a noção corrente de bem-estar, associado à aquisição e acúmulo de bens materiais precisa ser desconstruída.
Se a humanidade quer sobreviver, ela precisa ter a coragem de virar a página da abundância sem limites e respeitar, sistematicamente, as leis da natureza. O primeiro e mais importante passo para isso é proteger a natureza da ação depredadora movida pela atividade econômica, guiada e monitorada por mãos humanas.
Quando pensamos que toda a atividade humana se desenvolve dentro da ecosfera, nos damos conta da real e intrínseca dependência que temos da natureza, quando dela extraímos todos os recursos necessários à produção e, para ela devolvemos resíduos resultantes dessa ação.
Por isso é extremamente necessário um cuidado (a palavra “cuidado”, segundo a filologia, deriva do latim cura, termo usado em condições de amor e de amizade) todo especial para com a biodiversidade, desenvolvendo uma relação harmoniosa com o planeta que nos abriga; afinal, quando se fala e se propaga a necessidade de proteger a natureza, o que está envolto nisso, na verdade, é a necessidade suprema de proteger o próprio homem.