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Gustavo Henrique Lopes Machado

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Alétheia

Indicações sobre as origens teóricas e históricas da pós-modernidade

Gustavo Henrique Lopes Machado - Publicado: Sábado, 20 Dezembro 2014 12:30

No curso do século XX e, em particular, nessas últimas décadas, emergiu uma série de correntes de pensamento pretensamente originais, em sua maior parte denominadas pós- ou neo- alguma coisa.


Esse quadro torna obscura a compreensão e a correta caracterização das atuais vertentes do pensamento contemporâneo. Pensamos que é infrutífero o método que procura classificar os autores de nossa época segundo a mera denominação que lhe foi dada exteriormente. Afinal, que significado possui os termos “marxismo-leninismo” ou “marxismo oficial” comumente atribuídos às correntes marxistas oriundas do stalinismo e da ex-URSS? A questão não é como um determinado autor reconhece a si mesmo ou como foi identificado por outros, mas os fundamentos que subjazem em seu pensamento e, sobretudo, sua vinculação com o processo histórico. Meu objetivo é realizar algumas rápidas indicações sobre a especificidade histórica da concepção pós-moderna e seu papel na atualidade. Para isso, procuro indicar o vínculo estreito do pós-modernismo com o estruturalismo, mas, sobretudo, com o pós-estruturalismo, para, em seguida, assinalar o significado histórico dessa concepção. Em texto posterior, pretendemos abordar as implicações políticas, por vezes ocultas, da ideologia pós-moderna.

O estruturalismo é, antes de tudo, um anti-humanismo, entendido no sentido da negação da ação intencional e consciente dos sujeitos – mais ainda: a renúncia da própria noção de sujeito. É também um anti-historicismo, abandonando toda e qualquer noção de progresso histórico ou mesmo de um processo histórico passível de ser compreendido racionalmente. Por isso, uma ESTRUTURA designa um arranjo formal e abstrato das partes, ao modo da matemática, válido para múltiplos conteúdos, entretanto, ao mesmo tempo, independente de todos eles. O estruturalismo nega a noção de uma “estrutura concreta”, um todo orgânico, com referencial direto na realidade. Tais estruturas não remetem às relações sociais dos homens entre si em uma forma histórica determinada, antes disso, é considerada por meio de uma acepção cultural e autonomizada. Assenta-se na linguagem, nos rituais, na arte, no mito, isto é, a cultura em sua dimensão puramente simbólica. O estruturalismo foi uma reação direta contra todo e qualquer projeto assentado em uma perspectiva histórica, não mais passível de uma racionalidade própria. A oposição quase absoluta entre o conceitual, o lógico, o estrutural, o sincrônico, o mediato frente ao histórico, ao imediato, ao diacrônico, ao concreto, no interior do qual agem sujeitos conscientes reais.

Não é casual que o estruturalismo tenha irrompido no pós-guerra, quando os antigos anseios de progresso histórico deram lugar ao ceticismo e à total descrença no futuro. Nesse cenário, penetrou com grande intensidade no interior do próprio marxismo, sobretudo, em correntes em alguma medida próximas da ex-URSS e não mais comprometidas com a transformação social. Nesse sentido, mesclando estruturalismo e positivismo, Maurice Godelier caminha ao sustentar que os modos de produção são “edifícios de hipóteses de trabalho ligadas a um estado do conhecimento e da realidade”, as quais devem ainda ser demonstradas por evidências empíricas, que “darão prova de sua verdade”. Segundo esse autor, as categorias refletem uma “história abstrata de realidades reduzidas a suas estruturas essenciais”. Deve-se, assim, “evitar a eterna tentação de transformar hipóteses em dogmas” (GODELIER, 1969, p. 16-17). Nessa perspectiva, Godelier diz ser necessário reconstruir os modos de produção, e não a história dos modos de produção, afinal, segundo ele, não existem leis históricas, mas leis das transformações estruturais.

Outro trabalho nesse sentido é do althusseriano Etienne Balibar. Segundo esse autor, a distinção entre os modos de produção em Marx “se funda de maneira necessária e suficiente na variação das relações entre um pequeno número de elementos fixos” (BALIBAR, 1977, p. 246), como trabalhadores e meios de produção, a partir dos quais o autor procura criar uma teoria geral dos modos de produção. Balibar des-historiciza o pensamento de Marx, ao pôr a história como fundada em uma espécie de alfabeto, cujas formas particulares nada mais seriam do que as diversas possibilidades de combinação de seus caracteres. Vale rememorar que tais autores, apesar das concepções estruturalistas explícitas, quase sempre negaram esse vínculo e, sobretudo, serem classificados enquanto tal.

Todavia, com o estruturalismo, ainda não estamos no interior de uma concepção pós-moderna, afinal, o estruturalismo não nega a razão, apenas seu vínculo direto com sua dimensão histórica e concreta, refugiando-se em um mundo das verdades estruturais autônomas e ocultas sobre multiplicidade de acontecimentos sensíveis.

O pós-estruturalismo, por sua vez, que entra em cena com certa intensidade a partir de 1968, se diferencia do estruturalismo justamente por negar sua dimensão racional e universal. Nega não apenas a possibilidade de verdades históricas, mas também aquelas conceituais e pretensamente latentes nas relações sociais. Agora, é a própria acepção de real e realidade que é negada, inclusive em seu aspecto puramente lógico ou conceitual. Procura ser uma antípoda do iluminismo no que este tinha de universalismo e otimismo. É reflexo de uma burguesia que não apenas deixou de ser revolucionária, mas que já não tem nada a oferecer. Tudo é fragmentado, descentralizado, ambíguo, plural, contraditório, sem qualquer pretensão à unidade. Não há mais separação entre a representação e a realidade, entre o ser e a imagem. Por isso, o mundo do pós-estruturalismo, seguindo a expressão de François Dosse (1992), é um mundo em migalhas, em que tudo é representação, interpretação, símbolos. Nesse mundo não se discursa mais sobre o absoluto, o universal, o todo, mas apenas existe espaço para a singularidade, o indivíduo, o pessoal. Não é casual que, na historiografia, a biografia retorne com força total, em particular, biografias não mais de indivíduos considerados “históricos”. Todo objeto particular torna-se um fim em si mesmo, sem qualquer vinculação com o futuro ou com uma dada totalidade. Nesse sentido, o pós-estruturalismo é um PÓS-estruturalismo justamente por negar o único resquício do estruturalismo que permite analogia com a modernidade: a razão. O pós-estruturalismo é o próprio pós-modernismo em carne, osso e alma.

Deste modo, a concepção pós-moderna se assenta, do ponto de vista sincrônico, na negação de toda e qualquer perspectiva totalizante. Já não faz mais sentido falar em capital e modo de produção capitalista, por exemplo. Do ponto de vista diacrônico, se assenta na supressão da temporalidade e a afirmação de um eterno presente. Não faz mais sentido falar em revolução, em sujeitos sociais que atuam na história. Apenas existem indivíduos com seus interesses singulares, indiferentes a qualquer articulação total e tudo se faz em conformidade com suas metas pontuais e localizadas.

Mas, por outro lado, é verdade que o pós-modernismo não possui nenhum valor instrumental para a burguesia e não era para ser diferente, posto que seja uma concepção fundada na fragmentação do saber, na negação da razão etc. Enquanto método, o pós-modernismo não foi nem jamais será dominante e, neste domínio, continua a prevalecer o positivismo em suas diversas variantes. Afinal, que cargas d´água seria um método de análise macroeconômica pós-moderno? O pós-modernismo é, por um lado, uma ideologia burguesa, por outro, um programa. Não um programa que rege as ações do imperialismo e os projetos eminentemente burgueses, mas um programa oferecido e aceito prontamente por amplos setores da população, um programa que nega objetivos históricos e interesses que extrapolem aqueles do indivíduo. Não é casual que nas universidades, apesar da ampla maioria das pesquisas não fazerem uso de metodologias pós-modernas, se assentam em objetos pontuais, que se justificam por si mesmo. Ao se perguntar o porquê se pesquisa isso ou aquilo, a resposta comumente é: porque eu gosto. Para fora do indivíduo não existe mais finalidade alguma. Diversamente do positivismo em que a fragmentação do saber está articulada às pretensões de um conhecimento universal a partir da especialização, como se verifica nas ciências naturais, nas ciências humanas os objetos são objetos apenas para o sujeito que conhece, em conformidade com sua subjetividade e nada mais.

Por fim, qual seria a natureza histórica da pós-modernidade? Parece-me que esse fenômeno se assenta em dois aspectos intimamente relacionados. Primeiramente, seguindo em parte o diagnóstico de Fredric Jameson (2006), está relacionado à expansão do capital em extensão e profundidade, fazendo predominar a esfera da circulação de mercadorias. A pós-modernidade é a vitória do fetiche da mercadoria: produtos que ganham vida própria enquanto um emaranhado de imagens, marcas, cores, representações – todos interligados pela mística e fantasmagórica figura do dinheiro, o verdadeiro vínculo social que une coisas e pessoas na sociedade capitalista. As coisas e indivíduos perdem o seu valor intrínseco e se mostram em sua forma puramente social e fetichizada. Da mesma forma, assim como a razão pós-moderna, a imagem do mercado é a própria manifestação da irracionalidade, do casual, do indomável, do incontrolável.

Associado a esse aspecto imanente ao capital se encontra as derrotas históricas do proletariado, a desilusão com a alternativa histórica que, na contramão de um mundo que aparece como pura circulação de mercadorias, mostrava vínculos reais entre pessoas, classes sociais, a partir das experiências produzidas pelas lutas que se voltavam, em alguma medida, contra o capital e por uma possibilidade de futuro para além do fetiche da mercadoria. Agora, não é apenas o socialismo que não aparece à maioria das pessoas como alternativa de futuro, o próprio capitalismo já não aparece enquanto tal. 1968 é um ano exemplar nesse sentido. Naquele momento, as revoluções socialistas triunfantes já não moviam mentes e corações em função da burocratização e das mazelas internas. Os sindicatos, anteriormente atuantes, se corroíam por completo, ao mesmo tempo em que os tanques soviéticos massacravam a esperança que vinha de Praga. É exatamente nesse lugar que Fukuyama, seja qual for suas concepções próprias, se entrelaça com o pós-modernismo. Como propagandista que aponta o fim da história e a impossibilidade do futuro.

Esse modo de ver o mundo não é oriundo de um passado remoto, mas específico das últimas décadas. É o cenário com que os revolucionários sobreviventes às desilusões e, em seguida, ao desmoronamento do mundo soviético, deverão inescapavelmente se defrontar. 

Referências

BALIBAR, E. Acerca de los conceptos fundamentales del materialismo histórico. In: ALTHUSSER, Louis. Para leer "El capital. 14. ed. [S.l.]: Siglo XXI, 1977. p. 217–335.

DOSSE, F. A História em migalhas: dos Annales a Nova História. São Paulo/ Campinas: Ensaio/Unicamp, 1992.

GODELIER, M. Marx & Engels - Sobre el modo de producción asiático. Barcelona: Martinez Roca, 1969.

JAMESON, F. A virada cultural: reflexões sobre o pós-modernismo. Rio de Janeiro: Record, 2006;

REIS, J. C. Historia & Teoria: Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. 3. ed. [S.l.]: FGV, 2005.


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