Eram concretamente as onze da manhá quando cheguei, o ambiente era-me familiar, a única particulariedade é que o "Ano Santo" multiplicava por vários centos as proporçons da maré humana que invadia absolutamente todo e multiplicava também por nom poucos centos a freqüência das cenas tantas vezes repetidas em situaçons de afluência massiva de turismo e pretenso peregrinagem. Cortejos de pessoas de procedência muito diversa, mas com claro predomínio dos espanhóis, que nestes momentos de auge do espírito patriótico faziam visível a sua condiçom luzindo rojigualdas na roupa, ou portando-as nas maos, penduradas de um mastro, atadas ao corpo... micro-manifestaçons fascistas e ultra-católicas a cada poucos minutos, com vivas a Espanha e à Igreja Católica e desfile quase militar.
A toda esta paisagem há-lhe que somar a sempre excessiva e descarada presença policial. Compostela sempre vive umha situaçom de ocupaçom policial, obstentosa, insultante, ameaçante... se for na véspera do 25-J e mais num Ano Santo, isto é mais manifesto ainda. Variedade de viaturas policiais, polícias antidistúrbios armados com fusis, observando qualquer elemento suspeito de maneira descarada e hostil, retençons arbitrárias, insultos, ameaças... um ambiente de pré-guerra de guerrilhas.
Evidentemente, no Jacobeu de Roberto Varela e Feijó, no Jacobeu do debute de Ratzinger como Sumo Pontífice, há umha peça que nom encaixa. Essa peça é a esquerda independentista e, por extensom, quem tiver a ousadia de ser o seu companheiro de viagem. Eram as dez menos vinte, e a Porta Faxeira era um transitado ponto da maré de correntes multidireccionais que ateigava a capital da Galiza. Os agentes policiais aguardavam com certa ansiedade que algo acontecera. Havia muitas pessoas que portavam rojigualdas e bandeiras doutros países... mas havia umha que estava prohibida; o que para nós é a bandeira da Pátria. Umha bandeira da Espanha, das Filipinas, do Uruguai, nom levantava suspeitas, umha da Galiza sim, e quase que é de imaginar que nom faria falta que levasse a estrela vermelha que tanto lhes dói. Se um levava a bandeira da Galiza, ou a bandeira comunista, se tinhas menos de vinte anos e nom levavas uniforme de boy scout, se falavas em galego... eras objecto de umha identificaçom policial.. A tensom foi-se acumulando e subiu umha quantidade recorde de inteiros com a entrada em cena da polícia de choque, que se apresentou repartindo coanhadas de fuzil entre o pessoal. O resto, a jogada de sempre...o cortejo avançou até um ponto, e num momento dado a um sinal vindo pressumivelmente de altas instáncias (ou em qualquer caso, respondendo a um guiom prévio) rompeu-se a manifestaçom da juventude independentista às pancadas. Resultado, dúzias de contusionad@s. E silêncio informativo quase absoluto, salvo as mençons aos destroços na mobília urbano causados polas pessoas que se manifestavam (irrisórios, se nos pugermos a analisar proporçons na dinámica de acçons e reacçons) Silêncio também entre o nacionalismo e a esquerda sistémicas. Apenas a denúncia da atitude (nom vamos negar que abusiva) de agentes policiais com umha reporteira de El País (por chamar a umha praça polo seu nome...) Ao dia seguinte, mais do mesmo na manifestaçom de Causa Galiza... o cortejo franqueado por dous cordons policiais, com provocaçons constantes e mesmo algumha incursom dos anti-distúrbios no grosso da marcha. A isto há que somar os insultos, conatos de encaramento, aplausos aos gorilas policiais e outro tipo de gestos por parte de "cidadaos de bem" e turistas espanhóis. Todo parte do mesmo, claro.
A repressom é um incidente no contexto total, ou a repressom impinge todo o contexto? A intimidaçom mediante a exhibiçom descarada de maquinária repressiva (helicópteros, carrinhas, armamento...) fai parte da repressom? E o silenciamento dessa repressom é inocente? Isso por nom falar da justificaçom tácita da mesma...ou por nom falar da colaboraçom organizada com os corpos repressivos por indivíduos que som bastante mais do que "cidadaos anónimos".
No centro nevrálgico do circo religioso-político-institucional-mercantil, sobram aqueles e aquelas que recordam a realidade que havia antes do Jacobeu, que continua a haver durante o Jacobeu, e que haverá depois do Jacobeu; umha ominosa orgia da que o povo nengum proveito há de tirar. Essa realidade é a de um povo que continua a ver agredidas a sua cultura e a sua língua; que continua a sofrer umhas taxas de desemprego, precariedade laboral e pobreza que nom deixam de crescer; que vê vulneradas todos os dias a liberdades públicas; que sofre a corrupçom política, o terrorismo ambiental e o narcotráfico; que tem negado o seu direito à territorialidade; que assiste à aniquilaçom dos seus sectores produtivos; que suporta o expólio dos seus recursos naturais... recordar todo isso e provocar que se constate que há galeg@s descontentad@s com a sorte do seu país, é impertinente porque o turista, e sobretodo o turista espanhol, deve viver a sua estadia na Galiza com a sensaçom de que a sua presença é um maná para a populaçom galega.
Para participar no Jacobeu com entusiasmo, há que pensar que o Jacobeu é o melhor que aconteceu nunca e que acontecerá jamais nesta terra que eles concevem como regiom espanhola, encantadora mas pobre e subdesenvolvida, naturalmente habitada por um povo passivo e sem iniciativa mas agradecido aos seus dirigentes por ter inventado esta cousa do Jacobeu, e sempre amável e servicial com esse turista que vem "fazer gasto"a este lugar. A interferência de quem afirma que Galiza nom é Espanha, de quem deseja umha Galiza independente, socialista e nom patriarcal, de quem exige respeito polo povo galego e a sua identidade, de quem denuncia o negócio sujo e obsceno desse Jacobeu, necessita pois umha resposta dura. Naturalmente, a violência tanto preventiva como exemplificadora contra a manifestaçom de BRIGA na noite de 24 de Julho como na manifestaçom de Causa Galiza nom seria possível sem que a cumplicidade entre todas as forças políticas maioritárias neste país. Há três administraçons que tenhem muito que dizer em matéria de repressom em Compostela, e estas som a Cámara Municipal, a Junta e o governo espanhol. As primeiras, como parte interessada, o segundo, como responsável directo da política repressiva. Por outro lado, evidentemente a provocaçom dos ultras espanhois cumpre um papel e a sua actuaçom coordenada com a polícia era bem manifesta. Nom é umha situaçom nova, temos a experiência em manifestaçons operárias e estudantis, em manifestaçons em defesa da língua... claro que a presença destes tristes elementos é mais notória quando a manifestaçom tem umha convocatória mais limitada. Nota-se mais a acçom destes monifates em manifestaçons de uns centos de pessoas do que em manifestaçons de dúzias de milhares. Por razons óbvias. Estes procuram a reacçom irreflexiva d@s manifestantes, para legitimar umha actuaçom policial contundente. Também costumam procurar a incitaçom a umha reacçom em cadeia de "cidadania honrada contra revoltosos esquerdistas ou independentistas".
A connivência das três grandes forças políticas no estado de sítio de Compostela e a sua aprovaçom pola activa ou pola passiva dos métodos utilizados para manter a raia aos elementos incómodos (métodos fascistas) tem que servir para fazermos umha ideia do que pode acontecer a partir de agora. Foi o Jacobeu um campo de provas? Haverá que ir exigindo responsabilidades aos que dentro de nom muito também poderám ser alvo de determinados procederes repressivos e que para entom nom duvidarám em procurar a nossa solidariedade, e também tomar boa nota de como agem os corpos repressivos... bem está ir avisad@s a próximas "batalhas".