O mundo está entulhado de mercadorias; a maioria delas não faz o menor sentido para a nossa existência. Na atualidade, o que a economia mundial produz de PIB, em 365 dias, equivale à produção mundial acumulada de 2000 anos.
Com isso, fica cada vez mais difícil de negar que há um conflito de interesses entre os homens, a economia e a natureza. No meio desse conflito, entre a cruz e a espada, há a convivência dos desejos de consumo ilimitados (pela sociedade), excesso de produção industrial (pelo sistema econômico) e limites biofísicos (pela natureza).
Fatos, evidências e consequências desse conflito são notórios: biosfera finita e limitada, desejos de consumo expansivos e ilimitados, crise ambiental, aquecimento global, desequilíbrio climático, poluição, nível de derrelição de mercadorias jamais visto na história moderna e até mesmo a defaunação (caça e fragmentação do hábitat levando a existência de um mundo sem animais, comprometendo assim a dinâmica florestal pela quebra da relação animal-vegetação).
Tudo isso, é claro, está devidamente amparado na boa fé do progresso tecnológico que, aliado aos bens de capital, ao capital financeiro e à técnica, segundo creem os paladinos da economia tradicional, serve e servirá, ad aeternum, para dar vazão às políticas macroeconômicas que buscam, propagam e enaltecem o crescimento da economia.
Tem-se, então, de um lado, a imposição da economia neoclássica patrocinando e buscando sempre, a bel prazer, as elevadas taxas de crescimento; do outro, resultam que os serviços e os recursos da natureza, sufocados que são pelo modo de produção, tentam, em vão, elevar o grito de incapacidade em suportar tamanha agressão; no meio disso tudo, os anseios dos homens em alcançar a prosperidade via aquisição material, não percebendo nisso o equívoco em fazer do consumo sinônimo de bem-estar.
As mãos humanas, postas para trabalhar incansavelmente na máquina econômica de produzir, no afã em prosperar, mergulhadas no manejo da “História das Coisas” (The Story of Stff), não se dão conta de que contribuem, sobremaneira, para destruir o que está à disposição, incluindo, obviamente, todo o conjunto da natureza: recursos naturais, serviços ecossistêmicos e as espécies (novamente, a defaunação).
Um antigo relatório do Banco Mundial, de 1992, já alertava, àquela altura, que “a taxa de extinção das espécies é muito superior, de 50 a 1000 vezes, àquela que seria uma taxa natural na ausência de qualquer influência humana. Uma ou duas espécies desaparecem por dia, em média, mas algumas centenas de milhares ainda não foram descobertas”.
Certo mesmo é que contra os fatos, não há argumentos. Serge Latouche, economista e filósofo francês, em “Nature, écologie et économie: une approche anti-utilitariste” (1) é pontual: “não se pode mais ignorar que o massacre da natureza limita seriamente as benfeitorias do desenvolvimento. Ignorar isso conduz a absurdos”.
Para corroborar tal assertiva, é oportuno resgatar aqui, no original, as sábias palavras do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), escritas em 1820, em sua obra Sistema Analítico dos Conhecimentos Positivos do Homem: “L´homme, par son égoisme trop peu clairvoyant pour ses propres intérêts, par son penchant à jour de tout ce qui est à as disposition, em un mot, par son insouciance pour l´avenir et pour ses semblabes, semble travailler à l´anéantissement de ses moyens de conservation et à la destruction même de as propre espèce”. (2).
Cada vez mais, esse conflito de interesses aqui mencionado deixa claro que, a reversão dessa incômoda situação passa, indubitavelmente, por reconhecer, primeiramente, que a ciência econômica, em sua essência, ignora a natureza, deixando o sistema econômico permanecer hostil ao meio ambiente. Por isso, jamais podemos nos acostumar – ou aceitar de forma pacífica - à ideia de que para produzir “riqueza” temos, antes, que destruir a natureza.
Urge uma conciliação da economia com a ecologia, comungando dos mesmos ideais, falando uma mesma língua, rezando pela mesma cartilha.
A destruição da natureza, per si, implica a própria destruição do sistema econômico. As palavras a seguir são do biólogo norte-americano Barry Commoner (1917 – 2012): “Sem recuperar o meio ambiente, não se salva a economia; sem recuperar a economia, não se salva o meio ambiente”.
Notas:
1. Publicado em Revue du Mauss, n° 17, 2001, p. 57-70 – Ed. La Découverte.
2. “O homem, por seu egoísmo muito pouco clarividente para com seus próprios interesses, por sua propensão a fruir de tudo o que está a sua disposição, em uma palavra, por sua falta de preocupação com o futuro e seus semelhantes, parece trabalhar na ruína de seus meios de conservação e na própria destruição de sua própria espécie”.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br.