Há também, felizmente, cada vez mais pessoas e coletivos convencidos da premente necessidade de umha radical afirmaçom prática que nos situe no mundo como um povo adulto, protagonista do seu próprio destino, sem tutelas nem dependências.
Nesse campo, som muitos os argumentos a favor reconhecermos o caráter internacional, inclusive mundial, da nossa língua. Poderám ser postos critérios de conveniência económica, cultural, institucional, educativa...
Eu vou acrescentar um argumento simples, mas acho que profundo.
A orientaçom isolacionista atual, nom só dificulta a viabilidade da comunidade lingüística galega, em grave risco de desapariçom, como dificulta o acesso a um vasto património veiculado na nossa língua por outros povos que a convertêrom em sinal de identidade e transmissom cultural.
É o caso do Brasil que, na perspetiva galega atual, está longe de representar um papel nem sequer parecido com o que as culturas americanas de expressom castelhana tenhem numha perspetiva espanhola.
Renunciaria a cultura espanhola à literatura de Benedetti, Neruda ou García Márquez? à arte de Kahlo ou Rivera? à música de Mercedes Sosa ou Gardel? ao pensamento de Galeano, Bolívar ou Martí? aos cinemas cubano, mexicano ou argentino?
A resposta é tam evidente que se pode falar de um grande património comum no ámbito dos países de fala espanhola, apesar das grandes diferenças ideológicas, políticas, económicas e mesmo físicas entre as diferentes realidades americanas e europeia de fala castelhana.
No caso galego, a renúncia efetiva à nossa incorporaçom ao nom menos rico espaço internacional realizado na língua comum galego-portuguesa é a melhor prova da lamentável situaçom que o nosso povo atravessa, atrelado a Espanha e em maos de elites alheias à própria condiçom galega e, nesse sentido, claramente alienadas.
Só assim se explica a generalizada ignoráncia existente na Galiza sobre esse mundo que, expressando-se em formas tam variadas de galego, tem contribuído e contribui de maneira tam importante para a riqueza do património social e cultural humano.
A literatura de Jorge Amado, Mia Couto e Saramago; a música de Chico Buarque, Jobim e José Afonso; e a arte de Tarsila do Amaral, Paula Rego e Oscar Niemeyer; o cinema de João César Monteiro ou Walter Salles; o pensamento de Paulo Freire ou do recentemente falecido Leandro Konder... Só para referir alguns exemplos bem significativos que, em muitos casos, som desconhecidos ou só acedidos na Galiza através da correspondente mediaçom espanhola... inclusive por parte das supostas elites culturais galegas, temerosas do "longínquo e desconhecido" mundo lusófono.
Todas e todos eles som património potencial da nossa internacional cultura. A sua reivindicaçom e incorporaçom aos programas educativos, grelhas mediáticas, programaçons cinematográficas, debates académicos e cultura de massas é tam urgente como a defesa do galego enquanto veículo totalizador de todos eles.
Só para darmos um exemplo, no dia seguinte à morte do seu protagonista, recomendo e garanto a qualquer mente galega inquieta e preocupada com os rumos da esquerda e da humanidade, que poderá ser umha grande descoberta aceder à obra de um grande pensador brasileiro que nos deixou no dia 12 deste mesmo mês: Leandro Konder.
Inteletual, romancista, filósofo da praxe marxista, politicamente envolvido na causa da libertaçom do povo trabalhador e da humanidade das cadeias do capital e dos valores burgueses. Preso, torturado e exilado da ditadura, foi internacionalmente reconhecido como relevante estudioso e atualizador do marxismo.
Um pensador de primeira categoria, com umha vasta obra na nossa língua e ainda tam desconhecido na Galiza.
Em tempos de crise sistémica generalizada, de liquidaçom posmoderna do pensamento contra-hegemónico, é destacável a vigência dos seus estudos biográficos e filosóficos sobre Marx, Walter Benjamin ou Flora Tristan, assim como sobre arte e dialética materialista, com obras didáticas como 'O que é a dialética' ou 'Em torno de Marx'. Umha ampla obra que fica para a história como muniçom revolucionária após a morte do autor, marxista convicto e inconformista até o derradeiro dos seus 78 anos de vida.