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Lorena Alonso Pinheiro

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De sonhos e raivas

O pessoal é económico

Lorena Alonso Pinheiro - Publicado: Terça, 04 Novembro 2014 00:31

Vivo com a minha mae. Vivemos juntas todos os maus momentos que supom sermos exploradas como mulheres galegas. Somos a filha solteira e a mae divorciada, desertoras de sermos "A perfeita casada" de Luis de Leom. Embora, representamos com resistências os diferentes roles encomendados neste perverso circo chamado sociedade ocidental dumha naçom oprimida.


Muito temos falado de viver independentemente umha da outra. Sabemos que poderia ser umha opçom e do mesmo jeito sabemos que nunca terei estabilidade laboral nem económica para tal fim, de forma legal e regulada.

Ela, Helena, também comenta desde sempre que “nom nos vai dar trabalho”, nem ao meu irmao nem a mim. Som as palavras que emprega; “dar trabalho”, ser umha carga. Di que com os já trinta e tantos anos quotizados poderá permitir-se praça numha residência. Mas as duas achamos que as residências ordinárias nom som lugares nos que envelhecer.

Os centros de dia, residências públicas ou privadas estam gestionadas polas regras do mercado; a obtençom do máximo benefício por cima de todo. Aqui as opinions e os sentimentos das pessoas nom contam. Muitas estam em contra da sua vontade. Imaginai querer descansar na tua morada, vendo passar a vida, e que te obriguem a estar num espaço com pessoas com as que, por diversos deterioros físicos e cognitivos, nom é doado manter umha mínima relaçom afetiva. Ordenada a urinar quando o marca um cronómetro ou que che neguem fazê-lo quando as ganas aparecem fora do horário estabelecido. Comer à força algo que chamam comida, subministrada por umha empresa de catering que vem encher os bolsos um dia à semana, desde a outra ponta do pais. Nom é nem justo, nem ético, nem humano. E estamo-lo permitindo porque precisamos desses centros ao precisar também dum salário para sobreviver na ditadura do capital.

A minha mae vê-se na obriga de renunciar à miséria de tempo que o capital chama livre, para poder acompanhar até morrer a sua mae. O tempo que dure a prolongaçom de "estar morta em vida". Dar-lhe de comer, asseá-la, limpar-lhe a cona e o cú, dar-lhe a medicaçom, ceder-lhe a sua cama, erguer-se as 5 da manhá para acompanhá-la ao hospital antes de cumprir com o patrom Moldes, agora Sr Froiz. Tempo de trabalho assalariado, nom assalariado e de reproduçom de forças, na cama ou no sofá, para cumprir com os tempos e obrigas do trabalho assalariado, nom assalariado, trabalho assalariado, nom assalariado, trabalho, trabalho e trabalho. Botai contas. Tanto o tempo da minha mae como o tempo de qualquer, fala de 24 horas ao dia. A minha avó quer morrer na sua cama e os desejos da minha avó, com sacrifício e resignaçom cristá, tratam de ser cumpridos.

A burguesia e as correntes económicas maioritárias nom reconhecem que a Helena tem três trabalhos: charcuteira, auxiliar do lar e cuidadora. Helena só é reconhecida no mercado de trabalho, onde lhe puseram preço ao seu esforço. As tarefas mecânicas e quantificáveis dos trabalhos no âmbito doméstico nom existem para a metodologia mercantilista. Nom, se se produzem no âmbito doméstico, no mercado, sim. As emoçons, o dano físico e psicológico ao que nos vemos submetidas nos cuidados da vida tampouco som recolhidos em nemgum manifesto político, nem lei de igualdade. Nom interessa visibilizar as nossas feridas.

Resulta-me tam sumamente duro ver a nossa opressom na figura da minha mae que, sinceramente, cada dia afasto-me mais do vosso mundo. As vossas revoluçons levam séculos a virar as costas ao trabalho escravo que assumem e/ou assumiremos a maioria das mulheres neste país. As vossas greves? Importam-me bem pouco o vosso jeito de mudar o mundo. Nom olhais para nós, nom nos quereis ver. E se vós estais afetados polo estrabismo produtivista, vemo-nos na obriga de denunciar o vosso esquema de pensamento androcêntrico, individualista e mercantilizado de interpretar o trabalho.

Porque na divisom sexual do trabalho, vós fostes programados para foder-nos a vida. Desde o macro, o meso e o micro, em perfeita harmonia e fraternidade. Desde a filosofia, a ciência, a religiom, a lei, o capital e o amor romântico. E agora, os homens com consciência crítica, os nossos companheiros, já nom podeis falar das causas naturais da nossa desigualdade. As mulheres fomos quem de demonstrar a falácia biologicista e sabeis que podemos rachar o mundo e construi-lo de novo, mas vós, nom mostrais interesse, nom quereis participar.

O heteropatriarcado capitalista demanda mao de obra sem afetos, sensibilidade nem obrigas morais com respeito aos cuidados. A maioria das mulheres vivem e suportam a exploraçom reprodutiva sem que o estado, o mercado, e os homens ou biohomens, participem dos trabalhos precisos para a vida, dentro dos lares. É mais, nas vezes que sim entraram, como com a lei de "Autonomia pessoal" e a sua já eliminada "prestaçom económica para cuidados no entorno familiar", figeram-no para reforçar a divisom sexual do trabalho e a dependência recíproca entre as mulheres e a família heteropatriarcal.

A imensa maioria das mulheres galegas conheceremos de muito perto a experiência estremecedora dos cuidados da vida cara a morte; em soidade, do extenuante cansaço das duplas e triples jornadas laborais e da ruptura com as relaçons sociais, afetivas e sexuais. Se isto per se é insofrível, imaginai todas as mulheres que cuidam os seus maridos sendo os seus torturadores, quando tenhem que despir os seus pais, os mesmos que abusaram sexualmente delas, a homens, nom familiares, que se creem com o direito contratual de impor obrigas sexuais por haver um intercâmbio económico polos cuidados.

Agora, como consequência do endurecimento das políticas neoliberais e ultraconservadoras, cumprir com a categoria romântica de "Boa Mulher" está voltando sentar o cú nas nossas vidas. Ser o foco das misóginas e variadas definiçons que difundem publicamente os diferentes poderes, deve fazer-nos acordar. Ser julgadas como as culpáveis da "crise dos cuidados" deve fazer-nos atuar.

Som várias as questons urgentes e precisas a tratar para replantejar-nos a ótica desde a qual observamos a globalizaçom capitalista e divisom sexual do trabalho. Partindo de que a economía nom é redutível ao mercado, devemos, por un lado reconhecer que as nossas análises e estratégias para a açom política adoecem de androcentrismo, porque, androcêntrico e mercantilista é o próprio método científico empregado.

Novas olhadas, novos cenários de análise, exigem a criaçom de novas ferramentas metodológicas. A economia feminista existe, e também as diferenças entre as correntes de corte liberal e as rupturistas. Conhecê-las deve ser obrigatório. Por outro lado, devemos rachar com as relaçons duais, antagónicas e hierárquicas estabelecidas entre o mercado de trabalho/ produçom económica e o espaço privado, feminizado e invisibilizado da produçom e cuidados da vida.

No conflito entre capital-trabalho nom há equilíbrio possível, nem igualdade de oportunidades, nem conciliaçom laboral que beneficie às mulheres dentro deste sistema. Os mercados nom produzem para o bem-estar real da povoaçom nem para a cobertura das necessidades humanas. A acumulaçom do capital é contrária à repartiçom de felicidade.

Somos muito mais que mao de obra, somos vidas vulneráveis, somos seres ecodependentes e interdependentes. Ecodependentes porque precisamos da natureza e do médio para viver, e interdependentes porque em soidade morreríamos. Porque precisamos de afecto, de carinho e cuidados em muitos momentos do nosso percorrido vital. Devemos também abrir o nosso olhar às relaçons de dominaçom e exploraçom que se dam no âmbito dos cuidados entre o centro, depredador de vidas, e a periferia, vidas precariçadas que emigram na era da globalizaçom para se topar com a boca da besta.

Nom reconhecer a enorme aportaçom socioeconómica dos trabalhos das mulheres na reproduçom social da vida, contribui a manter o prejuízo machista de sermos umhas mantidas. Assumimos entom o discurso hegemónico e da falsa inferioridade feminina?

A muitos nom lhes interessa a economia feminista, mas a nossa luita tem estas dificuldades; essas molestas pedras do caminho que nos exigem estar alerta as 24 horas do dia em todos os espaços que ocupamos, que nos demanda leituras e formaçom constante para aplicá-lo em todos os contextos, e que nos obriga a tomar decisons tam sensíveis e violentas como ter de acusar de patriarcais a todas as organizaçons mistas que conhecemos, nas que militamos ou com as que simpatizamos.

Nom gostamos das críticas, o nosso ego nom está muito acostumado a elas, mas é desde aí desde onde temos que procurar novos recursos para a transformaçom social. No reconhecimento e assimilaçom de que somos vulneráveis. O "Homem de ferro independente" como ideal comportamental a seguir, é tam machista e desfasado que só nos fica rir-nos do patetismo desse modelo.

Nom o estamos a fazer bem, mas ninguem dixo que fosse fácil mudá-lo todo. As feministas sabemos que ao longo dos séculos foram dando-se diferentes ondas e correntes de pensamento. Foram mudando os plantejamentos, as perspectivas, e enriquecemo-nos com o sentido nos debates. Nom há que ter medo das mudanças produzidas nas estruturas do pensamento após usar os óculos lilás.

Para rematar, dizer que aguardo compartir convosco as aportaçons, reflexons e perspectivas de tantas teóricas e economistas feministas pra ir fazendo nosso o caminho, cara o fim da escravidom do heteropatriarcado capitalista. Porque face onde se nom se dirigem as nossas rebeldias? Desde aqui, desde os conhecimentos situados. Desde as experiências feminizadas dos cuidados da vida. Desde o pessoalmente políticas que som as nossas realidades. Desde os espaços onde seguimos a limpar os trapos sujos, caminhamos.

1- Os conceitos, palavras e frases em cursiva, som emprestadas de Amaia Pérez Orozco em: http://www.traficantes.net/sites/default/files/pdfs/map40_subversion_feminista.pdf.


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