O centro de distribuição da Amazon no Nevada onde Jesse Busk e Laurie Castro trabalham tem o tamanho de 28 estádios de futebol.
É um colossal labirinto de corredores pardos e embalados pelo murmúrio soporífero das máquinas que ajudam um exército de operários a palmilhar, diariamente, mais de 17 quilómetros. Para cumprir com as «metas de eficiência» da empresa, os trabalhadores devem processar uma encomenda a cada 33 segundos e trabalhar até doze horas por dia. A eficácia é indisputável: em 2013 a Amazon apresentou lucros no valor de 274 milhões de dólares, que o seu patrão, o multimilionário Jeff Bezos, prontamente gastou na compra pessoal e em dinheiro, do jornal Washington Post, por 250 milhões. Nesse mesmo ano, Bezos foi considerado pela Harvard Business Review como o segundo melhor CEO do mundo, logo atrás Steve Jobs.
Mas algo vai mal no reino de Bezos. Pelo menos é o que pensam Jesse Busk e Laurie Castro, que há quatro anos levaram o seu patrão, uma das maiores empresas do mundo, à barra do tribunal. Há muito tempo que os 132 mil trabalhadores da Amazon ameaçavam contaminar com a sua luta a reputação do magnata, denunciando os salários de miséria e as condições desumanas em que laboram. No centro de distribuição de Dallas, por exemplo, as temperaturas chegam aos 38 graus celsius… para poupar no ar condicionado; em Phoenix os trabalhadores não podem abrir portas nem janelas para o exterior… para evitar furtos. E em todas as partes, os sindicatos têm sido sistematicamente esmagados.
O crime organizado, preocupado com furtos
É tão longa a lista de agravos da Amazon contra os seus trabalhadores, que se a Justiça fosse justa e se dispusesse a julgar justamente cada injustiça, não haveria indemnizações, expropriações nem penas de prisão suficientes para restituir aos trabalhadores tudo o que lhes foi roubado: cada hora assaltada de lazer e descanso; cada dólar de mais-valia roubada; cada humilhação silenciada; cada despedimento por não conseguir levantar vinte quilos ou mais. Mas era algo muito mais simples que exigiam Jesse Busk e Laurie Castro: remuneração por 25 minutos de trabalho.
Pela mesma razão que fecha os seus trabalhadores à chave dentro dos armazéns, a Amazon implementou um sistema anti-furto em que, antes de sair, cada trabalhador deve registar a sua actividade num programa de segurança informática. No entanto, esse registo demora até 25 minutos e não é remunerado. Conscientes de que o humilhante processo era o maior de todos os furtos, Jesse e Laurie exigiram que lhes fosse pago o salário correspondente aos 25 minutos do registo.
Obama e as mãos do dono
Num primeiro momento, a exigência de Jesse e Laurie foi rejeitada por um tribunal de distrito federal, mas o recurso, que subiu ao 9.º Tribunal de Recurso da Circunscrição, foi ganho pelos trabalhadores. Não só a Amazon foi condenada a pagar retroactivamente todos os 25 minutos roubados a todos os 132 mil trabalhadores, como o veredicto foi interpretado como uma inovação na jurisprudência aplicável em todos os locais de trabalho.
O grande capital soou o alarme: se a Amazon fosse obrigada a pagar aos seus trabalhadores por estes 25 minutos, todo o patronato podia ser obrigado a remunerar todo o trabalho, uma decisão que, asseguraram, teria consequências desastrosas para a economia. Então, no passado dia 8 de Outubro, e como seria de esperar, o poderoso recurso da grande burguesia começou a ser deliberado pelo Supremo Tribunal.
Mas entre todas as enormes pressões e influências que neste momento se agitam sobre os telhados do Supremo, talvez a mais surpreendente e clarificadora venha da própria Casa Branca. A administração de Barack Obama já fez chegar ao Supremo dois pareceres não vinculativos, em que «aconselha» os juízes a decidirem a favor de Bezos. A Casa Branca sustenta a sua opinião numa retrógrada lei de 1947 que diz que os empregadores só têm que remunerar «as actividades preliminares e posteriores integrais e indispensáveis».
Para o Supremo, a grande questão será portanto decidir se é «integral e indispensável» revistar os trabalhadores à saída das empresas. Já para Obama, a grande questão será manter as graças «essenciais e indispensáveis» de Bezos, que aliás financiou a sua campanha eleitoral com 300 mil dólares. Para Laurie, Jesse e todos os trabalhadores estado-unidenses, a grande questão será como continuar a luta, essa sim verdadeiramente «integral e indispensável» à vida.