Não é novidade vermos o PSDB fazendo campanhas cheias de baixaria, denuncismo e despolitização, sempre ecoadas – ou mesmo encabeçadas – pelo setor dominante da mídia.
Foi assim com Serra e Alckmin, é assim com Aécio. Também não é novidade, no Rio Grande do Sul, vermos o PMDB fazendo campanhas despolitizantes. Foi assim com Rigotto, é assim com Sartori.
Além de não ser novo, não é nada que cause espanto: debater política sempre será desfavorável para a direita. Sempre foram e sempre serão truculentos e falsificadores da realidade. O que é relativamente mais recente é vermos campanhas do PT pautadas de forma semelhante. Nesses meses de campanha, o que temos visto são ataques e mais ataques – e não simplesmente críticas e disputas discursivas eminentemente políticas, mas direcionamentos pessoais e mesmo diversas mentiras, publicadas por alguns sites que se dizem alternativos e repicadas por diversos sujeitos dentre os quais muitos se dizem defensores da democratização da mídia justamente pelo caráter manipulador dos veículos da velha direita. Pessoalizando os ataques, há também a despolitização, e com todas essas características a campanha tem sido, por parte dos grandes partidos, lamentável de parte a parte. Lamentavelmente essa prática no PT não é exclusiva da época eleitoral. O autoritarismo do discurso de parte importante da militância impede a autocrítica, e leva ao enfraquecimento do partido como alternativa real pela esquerda. Adversários e potenciais aliados têm sido achincalhados a torto e a direito. Só servem os que são absolutamente crentes no partido. A política é tratada como religião, o partido como a igreja e, pior, suas práticas – e não seu aparato teórico – são defendidas como dogma. Passos atrás.
Em doze anos de governo federal, o PT e seus aliados não fizeram a Reforma Política, não fizeram a Reforma Agrária, não democratizaram a mídia, não se livraram de nenhuma das amarras da direita que faz parte do governo. E não acredito mais que farão qualquer dessas coisas em um possível segundo mandato de Dilma. No Rio Grande do Sul, o governo de Tarso é também bastante limitado, embora à esquerda do governo federal, com mais abertura ao diálogo e, por consequência, maior possibilidade de avanço das pautas dos movimentos populares. Mesmo assim, o Conselho de Comunicação segue parado, a polícia continua militarizada e sem avanços na direção contrária, e, de modo geral, a conciliação com as classes dominantes segue sendo a linha fundamental de garantia da governabilidade.
Nacionalmente, onde teve mais tempo como governo, o PT incrementou consumo, trouxe melhores condições sociais gerais para uma parcela da população historicamente excluída. A incluiu no capitalismo sem trabalhar por sua emancipação política, de forma que essa parcela continua sendo explorada, mas agora já tem o que comer. Outra parcela foi incluída nas universidades, grande parte em universidades particulares financiadas por recursos públicos, e sem que o modelo de Educação tenha sido mexido. O Mais Médicos talvez seja o mais importante programa do atual governo, já que, além de levar a Saúde para cantos antes esquecidos, apresenta ao país uma outra realidade, uma outra forma de ver o mundo, na qual a prioridade não é o lucro, mas a saúde, não é o próprio indivíduo, mas o outro, não é o egoísmo, mas o desapego. O PT, à frente do governo federal, não fez as transformações profundas de que o Brasil precisa, e provavelmente não irá levá-las a cabo nos próximos quatro anos. O PT segue com campanhas financiadas pelo grande capital, e isso tem um preço que já está sendo pago e continuará sendo. Avanços e paralisias, contradições, contradições...
Mesmo assim, há diferenças entre PT e PSDB, entre o que significaria um segundo governo Dilma e o que significaria um governo Aécio. A segunda opção seria um retrocesso e a perda ou paralisia de programas sociais importantes, de relações exteriores mais independentes, da possibilidade de tensionamento mínimo através de movimentos de base, de cobranças que apontem o dedo e digam: “vocês estão deixando de lado seu passado”. Com o PSDB, o “seu passado” é tudo o que não se pode querer: atrelamento ainda maior ao grande capital, vinculações ainda mais diretas e orgânicas com a velha direita partidária e midiática, relações internacionais absolutamente submissas aos Estados Unidos e de rechaço a governos progressistas em geral, o livre mercado como rei absoluto sem a expansão de políticas sociais de compensação, o abandono dos setores historicamente oprimidos à sua própria sorte.
No Rio Grande do Sul, a situação é semelhante. A volta do PMDB ao governo traria consigo toda uma gama de vínculos da velha direita, a começar pela ex-governadora Yeda Crusius, traria a força ainda maior do setor privado, o esvaziamento do Estado, o fim do tensionamento de posições na Brigada Militar – que segurou a possibilidade de violência ainda maior contra os manifestantes do ano passado - e a impossibilidade de discutir e rediscutir tudo isso. Ficariam verdadeiramente ameaçados avanços do governo Tarso, como a transferência de uma parte – pequena, é verdade – das verbas publicitárias à mídia alternativa, os investimentos na TVE, no setor cultural, o próprio Gabinete Digital e a expansão de mecanismos de participação, a EGR, as melhorias nos salários do funcionalismo público. Não se trata da política do medo, que de fato tem sido aplicada por alguns setores que antes eram os temidos pelas elites. Trata-se, sim, de reconhecer avanços e de compará-los não apenas com governos anteriores, mas com projetos presentes que estão aí apresentados e, disfarçadamente ou não, defendidos como visões de sociedade.
Nacionalmente, embora os avanços sejam enormemente limitados, o risco de retrocesso é real. Com um Congresso ainda mais conservador e a disposição de Aécio Neves de reivindicar as pautas da velha direita de forma aberta, uma guinada à direita é efetivamente preocupante. Dilma e Lula não trataram com o cuidado que deveriam as questões indígenas, quilombolas, LGBT, feministas. Com Aécio, pode piorar. Pautas ultraconservadoras, como a redução da maioridade penal, ganhariam força, e o papel da oposição seria ainda mais difícil de ser cumprido sem efeitos perigosos.
Por tudo isso e com tudo isso, apesar de setores da militância petista que esquecem a trajetória de luta do partido, reconhecendo as contradições estabelecidas e as limitações do PT e de seus governos nacional e estadual, não faço política com o fígado. A emoção deve servir à política como um estouro inicial, um impulso para, através da razão, tomar decisões. Deixando de lado o incômodo das contradições e dos discursos de direita incorporados, sem que isso os anule, tomo a decisão política do voto com a razão, pensando nos que precisam dos programas sociais e na inclusão que, embora não os emancipe, os torna um pouco mais dignos.
No segundo turno, solidariamente, voto Dilma Rousseff e Tarso Genro.