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Valério Arcary

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Em coluna

O que não fazer?

Valério Arcary - Publicado: Sexta, 10 Outubro 2014 19:13

"Se uma pessoa te enganar ela merece uma surra. Se esta mesma pessoa voltar a te enganar, quem merece a surra é você." (Sabedoria Popular Chinesa)


Poucos mais de quinze dias nos separam do segundo turno das eleições presidenciais de 2014. Pela quinta vez, desde o fim da ditadura, haverá segundo turno.

A campanha pelo voto útil em Dilma Rousseff aumenta de intensidade sobre os militantes e eleitores da esquerda anticapitalista. Sob a pressão de uma eleição ainda muito apertada e incerta, a direção do PT abraçou um discurso catastrofista que quer apresentar a disputa entre Aécio e Dilma como um armagedon político.

A credulidade na vida não é, necessariamente, um defeito grave. O benefício da dúvida em relação aos outros, ou seja, alguma inocência nas relações humanas é uma forma de levar a vida com mais leveza. Mas, na política a ingenuidade é fatal. Não é verdade que a única forma de lutar contra Aécio é colocando o voto na urna para Dilma.

Dilma não corre o risco de ser derrotada pela posição de anulação do voto da oposição de esquerda. Dilma corre o risco de ser derrotada por si mesma, ou melhor, pelo que fez, e por aquilo que o PT não fez nos últimos quatro anos.

Não nos enganemos. A verdade nua e crua é que há vários pontos de contato entre o programa que ele representa, e o programa de Dilma. Quais? Um exemplo? Voltamos a ter, em 2014, uma das maiores taxas de juros básica do mundo, a exigência nº 1 dos rentistas. Não satisfeitos, Mantega, ministro do governo Dilma, e o Banco Central dirigido por Tombini, aquele que não é independente, mas tem autonomia, vêm sinalizando que estão dispostos a fazer um ajuste fiscal anti-inflacionário com redução de gastos, e superávit fiscal ainda maior. Derrotar o programa de ajuste que o capital exige só será possível, portanto, com a resistência que precisará ser construída em 2015 nas ruas.

O alarmismo quer nos fazer crer que Aécio seria do mal, Dilma seria do bem. Ai de nós, se não votarmos no mal menor. Essa campanha de dramatização não é educativa. O apelo emocional ao voto é muito eficaz, mas diminui o significado da disputa política. Sempre que há um segundo turno, de dois em dois anos, seguindo o ritmo do calendário eleitoral, que não devia ser sinônimo de democracia, assistimos a este espetáculo bizarro, cuidadosamente encenado, em que se cria um clima político irracional, em que a esquerda é convidada a regredir a uma infantilização política.

Que os partidos burgueses usem, contra o PT e Dilma, todos os recursos da manipulação emocional mais demagógica, não devia ser o bastante para que a direção do PT e seus aliados façam o mesmo.

Aécio é, evidentemente, um candidato que provoca mal-estar, ou até ira e fúria em qualquer um que tenha compromisso com a luta pela igualdade social, que é o que define uma identidade de esquerda. Pelo que é, e pelo que representa. Merece o justo ódio de classe de todos os trabalhadores e jovens. Muito especialmente, os que tiveram a pouca sorte de ter que aturá-lo como governador em Minas Gerais. Aécio esconde o pacote de maldades que trás no bolso, e que é o sonho de consumo dos setores mais retrógados do capitalismo brasileiro. Quais seriam suas primeiras medidas de governo? Ajuste nos preços dos derivados do petróleo e álcool? Austeridade nas contas públicas e arrocho para o funcionalismo federal? Nova política para o salário mínimo, com reajustes ainda menores? Flexibilização trabalhista, com revisão dos poucos direitos presentes na CLT? Nova reforma da previdência reacionária, com introdução de idade mínima, de 60 ou 65 anos, além dos 35 anos de carteira assinada? Mais terceirizações? Inclusive no serviço público? E por que não, uma nova onda de privatizações? Um horror.

Merece, portanto, ser combatido. Não há porque ter medo das palavras: impiedosamente. Devemos todos denunciá-lo. A mão não deve tremer. Mas, para aqueles que lutamos contra a injustiça, não vale tudo. É preciso saber lutar, mas sempre com grandeza. A crítica deve ser política, demonstrando quais são os interesses de classe que ele defende. Uma linha de argumentação de classe que revele o lugar de Aécio, como porta-voz das reivindicações do capital: por isso a exigência de menos impostos e o silêncio diante da proposta de taxação das grandes fortunas. Devemos dialogar com nossos colegas de trabalho, em especial aqueles que por fadiga e cansaço com os governos de colaboração de classes liderados pelo PT, podem estar inclinados a votar nele. Para tentar convencê-los do perigo que significaria uma vitória do PSDB.

Uma análise marxista abraça um método menos emocional que o alarmismo: é uma interpretação da realidade orientada por um critério de classe. Muitas vezes na história os governos dos partidos reformistas com eleitorado entre os trabalhadores foram mais úteis para a defesa da ordem que os partidos da própria burguesia: protegiam o capitalismo dos capitalistas. Esse foi o papel lamentável dos governos liderados pelo PT nos últimos doze anos. Por isso Lula se transformou em uma coqueluche mundial em Davos, e recebeu o apoio dos governos mais reacionários do planeta. Porque foi o governo que garantiu a estabilidade social no país que foi, nos anos oitenta, o campeão mundial de horas de greve.

Os marxistas não indicam nunca a escolha do carrasco menos cruel. Em 1989 os militantes que se organizavam em uma das correntes que constituiu o PSTU, a Convergência Socialista chamaram a votar em Lula, e o fizeram novamente em 2002. Era outro contexto. O PT ainda não havia chegado ao poder.

Votamos em Lula em 1989, e em 2002, apesar de nossa discordância do programa do PT, por que a maioria dos trabalhadores confiava em Lula e não queríamos ser um obstáculo à sua eleição. Não tínhamos qualquer ilusão em um governo do PT, mas acompanhamos no voto, e somente no voto, a vontade do movimento da classe trabalhadora de levar Lula ao poder, depois de uma espera de vinte anos, alertando que estavam iludidos aqueles que tinham esperança que o governo iria romper com o programa neoliberal de ajuste dos governos de Fernando Henrique.

Depois de doze anos, nossa responsabilidade nos impede esse voto. Porque doze anos é um intervalo histórico significativo. Lula não só não rompeu com o modelo neoliberal, como o PT manteve durante mais de uma década o tripé macroeconômico intacto. Pequenas variações nas taxas de juros durante dezoito meses não foram uma mudança de rumos, como ficou claro no início de 2013, e Mantega deixou claro para quem prestou atenção. O capitalismo brasileiro não tem porque temer o PT.

Não terá sido por isso que a arrecadação de Dilma entre as grandes corporações foi até maior do que a de Aécio? Alguém, minimamente, informado ainda pode acreditar que esta eleição é uma disputa entre o capital de um lado e o trabalho do outro? Não são dois projetos de gestão do capitalismo, ainda que com diferenças de ênfase?

E agora, como em 2010, por que não votaremos em Dilma, se a maioria do movimento organizado dos trabalhadores deseja derrotar Aécio? Porque nos últimos doze anos o PT governou o Brasil ao serviço do capitalismo. Uma parcela mais consciente dos trabalhadores sabe, também, que Lula e Dilma governaram ao serviço dos banqueiros, mas acham que não era possível uma política de ruptura. Os trabalhadores e a juventude, em situações políticas de estabilidade da dominação capitalista, não têm expectativas elevadas, ou seja, não acreditam senão em reformas nos limites da ordem existente. Não acreditam que é possível, porque perderam a confiança em si mesmos, portanto, na força de sua união e de sua luta.

O papel dos socialistas não pode ser o de reforçar essa prostração político-social, mas, ao contrário, o de incendiar os ânimos, inflamar a esperança, e combater a perigosa ilusão de que é possível regular o capitalismo. A história vem demonstrando de maneira trágica que não é possível. Os mercados não aceitam ser limitados pela via da negociação.

Quem decidir indicar o voto em Dilma, mesmo que na forma mais elegante de voto crítico, ou seja, com a mão no nariz, para derrotar Aécio, deve se perguntar como vai se sentir quando for anunciado o primeiro pacote de ajuste fiscal em 2015. Vai se arrepender e, infelizmente, se desmoralizar. A desmoralização tem um custo alto para a esquerda. Ela é o pântano que alimenta a decepção de que não há saída coletiva, porque afinal "todos seriam iguais". Ela é o combustível do "cada um por si, todos contra todos".

A tarefa daqueles que defendem o programa socialista consiste em demonstrar para os trabalhadores que era e é possível ir além. Era e continua sendo possível desafiar a ordem do capital. Às vezes, infelizmente, muitas vezes, é preciso ter a firmeza de nadar contra a corrente.


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