Comecei então a escrever um texto. Palavra-puxa-palavra, de parágrafo em parágrafo e “espera aí!”, muda-se a ordem das linhas, aquela afirmação passa cá para cima, a outra lá para baixo e, bom... Resolvo começar por dizer que afinal não dá. Não consigo. Não sou capaz de escrever algo que possa inspirar.
Pois então, este não é um texto de motivação pessoal. Não é um texto com a pretensão de fomentar a motivação, aquela que se descobre no interior de cada um, se transforma e que transforma o seu contexto, rumo à felicidade. Não é um texto que contenha qualquer receita da felicidade. Se o título te enganou, pára. Aqui. Não páras, és teimoso? Não me responsabilizo.
Também não é um texto elaborado por um autor com uma filosofia para os lados do oriente, uma história de vida que passa pelo contacto com o esotérico e, de preferência, com a obtenção de um grau académico numa universidade nos EUA. Não. É um autor, de classe média, de ideias esquerdistas, emigrante à força, que vive conjuntamente com geração nem-nem. Nada de mais, enfim, alguém que vive no real, com pessoas reais, que têm necessidades, são vítimas de injustiças e que lutam pelas suas vidas, bem reais.
Portanto, não é um texto que tenha uma flor na capa de apresentação, que repruduza 1000 vezes a palavra coração, auto-conhecimento, meditação, que se complemente com exercícios de yoga, ou com práticas de hipnotismo. Procura não prostituir palavras, por mais baratas que elas sejam, ou sendo até mesmo de graça. Procura não usurpar o conhecimento e os conceitos da ciência, da psicologia, da medicina, da sociologia e não as mistura com as palavras deus, esotérico, cosmos. Ora aí está, cada macaco no seu galho.
Não procura especificamente como leitor o indivíduo de ações erradas, a tomar anti-depressivos, para se vender. É um texto que o universo não conspira a favor da sua escrita e está longe de querer afirmar que o indivíduo é o autor único das suas ações e não ações.
Nunca este texto irá vender, como os dos modernos sofista, campeões de venda de livros, que ao jeito do ministro da propaganda de Hitler em relação à construção da verdade, creem que a mentira tem apenas de ser muitas vezes repetida, até ela ser verdade1.
Por fim, cansado de ler o que ele não é, só lhe digo que também não é um que com a perversidade de outros de escrita mais cuidada, mas de autores tão sabidos quanto pretensos, expostos ao grande público sob nomes como Paulo Coelho, Spencer Johnson, entre outros, se rebolam em relações íntimas com o sistema político, de tal forma que atentamente se percebe que mais não são que manuais da propaganda política social. De um mundo onde tudo está bem, quais cândidas personagens, nós, que apenas o temos de reconhecê-lo. Eles que nos dizem que a vida tem de ser vivida dentro do sistema, com confiança em nós e por ventura num deus qualquer. Que comportam discursos motivacionais, envolvidos numa dualidade perversa, se por um lado eles pretendem motivar o inidivíduo para o mundo, ao mesmo tempo também procuram desculpabilizar o sistema político pelo mal estar dos indivíduos em sociedade. Aliás, o indivíduo é, neste universo literário, o único ator capaz de influenciar a mudança da sua vida, vislumbrando-se assim uma sociedade de indivíduos, em que o sucesso e o insucesso das vidas sejam inteiramente individualizados.
E, quem nunca se deparou com a leitura de um desses motivacionais livros, já inevitavelmente se confrontou com gente que acredita com veemência que a culpa da sua situação de vida é exclusivamente sua, sejam esses casos bem ou mal sucedidos. Se o apanágio da ideologia da globalização capitalista é o “self made man”, mito criado de que os homens são plenos detentores do seu destino, sendo que o sucesso depende sempre de si mesmo, esta literatura surge com a pretensão de provar que o insucesso é também culpa dos indivíduos. Como fatores de motivação nunca constam a rebelião contra as injustiças e a luta política por um sistema alternativo e justo.
Uma classe média feita de indivíduos, fixados no seu umbigo, que procuram numa revolução cósmica a resolução dos problemas do mundo. Perante as questões políticas são ignorantes inconscientemente, embora se agrave quando o são conscientemente, preferindo acreditar numa “Era de Aquário”, que sucederá uma “Era de Peixes” e que resolverá os problemas cósmicos, sociais, culturais e políticos.
Sempre os valores do “self made man”, do homem que nascido pobre e num contexto social inóspito, se faz sem quaisquer condições sociais favoráveis um homem de riqueza próspera. De inconttáveis exemplos se consubstanciam essas ladaínhas que nos entram diarimente pelos olhos, vendendo-nos o engano de que a vida não é apenas suportável, mas entusiasmante. E no reverso da moeda, está sempre a culpa que devemos aceitar de não atingirmos os objetivos propostos pela sociedade que nos dá tudo na proporção do nosso esforço, num belo exemplo de meritocracia. Devemos interiorizar a culpa e perceber que nós e só nós podemos transformar em algo positivo, o facto de estarmos em crise. Devemos estar recetivos à mudança, ser pró-ativos, “nós devemos ser a mudança”, repetem-nos incansavelmente em metáforas, contos e parábolas bem encapadas. Quem mexeu no meu queijo? Verónica decide morrer, então porque não morreu? E o Segredo, qual é ele afinal?
Peço perdão se alguém em particular ofendi, não quero depreciar aqueles que devoram livros de auto-ajuda, esses já têm demasiadas culpas infligidas no cartório, e mais uma não os ajudaria a sentirem-se melhor, pretendo apenas repudiar essa ferramenta ideológica que mistura desenvolvimento pessoal, psicologia clínica, organizacional, social, teorias de liderança, enfim tudo o mais que vem à rede para vender uma suposta ciência que transforma os indivíduos em pessoas obedientes a um sistema com um sistema económico, que não é nem vigoroso, nem saudável.
Joseph Goebbels afirmou o seguinte: Uma pessoa tem apenas de repetir uma mentira tantas vezes até que acredite nela" (tradução livre) in http://www.suedwatch.de/blog/?p=2579