O português é geneticamente galego e a sua identidade fundamental, nos traços essenciais que lhe dam caráter e especificidade no ámbito das línguas neolatinas, continua até hoje.
Certamente, esta afirmaçom é já mais discutível, eu sei, mas isso é só por causa da interferência da política, um ingrediente fundamental na caraterizaçom e na praxe daquilo que, nom por acaso, se chama “política lingüística”.
De qualquer maneira, e para além das diferenças na consideraçom política da língua, queria hoje apresentar a quem nos lê alguns dados de interesse que só aspiram a enriquecer a reflexom coletiva sobre o presente e o futuro da nossa língua aqui, entre nós... na Galiza.
Motivou este impulso a atualizaçom dos dados demográficos no Brasil, por parte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), que oficializam o aumento do número de habitantes do Brasil, situando-o acima dos 202 milhons.
Como se sabe, as mais de 200 línguas indígenas que ainda sobrevivem no grande país sul-americano som faladas por menos de 1% da populaçom brasileira, que mesmo assim costuma ser bilíngüe.
Em África, som Angola e Moçambique os principais países em número de falantes de português, se bem ambos contam com dúzias de outras comunidades lingüísticas originárias.
Assim, no caso de Angola, com 21,4 milhons de habitantes no início deste anoi, estima-se em 70% a percentagem de falantes de português, quer dizer, 15 milhons de angolanas e angolanos, o que a converte no segundo país em número de falantes de português no mundo.
Moçambique, com 23,3 milhons de habitantes, tem umha percentagem de 39% de falantesii, quer dizer, uns 9 milhons de falantes de português. Já em Cabo Verde, com 512 mil habitantesiii, calcula-se que 87% fala português, a maioria na condiçom de bilíngües, já que o crioulo cabo-verdiano é a língua inicial da prática totalidade. Seriam, entom, 445 mil falantes de português.
Portugal tem por volta de 10,4 milhons de habitantesiv, todos eles e elas falantes da língua comum. Portanto, Portugal ocupa só o terceiro lugar em peso demográfico de falantes.
Voltando a África, Guiné-Bissau, com 1,7 milhons de habitantesv, conta com 57% de falantes de português (969 mil), enquanto São Tomé e Príncipe, com 193 mil habitantesvi, 91% dos quais falantes de português (175 mil).
Se a isso somarmos os 20% de falantes de português em Timor, cuja populaçom total é de pouco mais de 1 milhom de habitantesvii, deveremos acrescentar 200 mil falantes ao total mundial, que será, somando a Galiza e salvo erro no cálculo, de mais de 240 milhons de falantes de português no mundo.
Todo um universo em expansom, já que, com exceçom da Galiza e de Portugal, no resto de países lusófonos nom só aumenta a populaçom, como também, sobretodo no caso de Angola e Moçambique, aumenta a percentagem de falantes de português.
Umha língua, a nascida no nosso país e levada polo império português aos quatro cantos do planeta num nada heroico percurso, que na atualidade é já a sexta mais falada no conjunto do planeta. É também, lembremos, a primeira em número de falantes do emergente hemisfério sul, onde vivem quase 220 milhons de pessoas cuja língua principal é o português.
Na Europa, o português é a terceira língua com mais falantes, enquanto em ámbitos tam influentes como a internet ocupa posiçons ainda mais elevadas (quinta em presença na internet, terceira no Facebook e no Twitter...).
Tem, como sabemos, estatuto de oficialidade em praticamente todos os organismos institucionais supranacionais atuais.
Entretanto, os números da variante oficializada a partir dos anos 80 do século passado na Galiza contrariam por completo essas tendências. O galego perde falantes de maneira constante e aparentemente imparável, segundo todos os estudos realizados por instituiçons oficiais ou financiadas polos poderes públicos, como a RAG.
Curioso e trágico contraste.
As percentagens de falantes nas cidades da Galiza entre a populaçom mais jovem som totalmente marginais, quase irrelevantes, ficando como segmentos de “resistentes” as pessoas de mais idade, as áreas rurais ou pequenas vilas, por sua vez em progressivo despovoamento.
Estamos, nom há dúvida, num complexo processo de extinçom lingüística, atravessado por diferentes tendências e fatores; entre eles, o claro desprestígio social do galego em relaçom ao dominante espanhol, determinado pola escolha lingüística da dominante classe burguesa e pola situaçom de dependência que o nosso país padece.
Para além de todas essas tendências e fatores, parece evidente que a proximidade formal com o espanhol, acentuada polo modelo padronizado por iniciativa da Comunidade Autónoma da Galiza a partir de 1980, favorece a diluiçom definitiva do galego na língua do Estado.
O paradoxo entre a tendência mundial ascendente e a galega descendente fai lembrar a contraditória situaçom da moeda alemá nos anos 20 do após I Guerra Mundial, quando a hiperinflaçom crescente obrigava a populaçom da Alemanha a carretar em carrinhos de mao uns marcos sem quase valor. Para a história da literatura alemá ficou a pergunta retórica que refletia essa contraditória situaçom de manejar cada vez mais dinheiro para ter, de facto, cada vez menor poder de compra:
- “Estamos na ruína ou a nadar em dinheiro?”
- “Acho que nom há ninguém na Alemanha que saiba dizê-lo”.
Apesar da aparente abundáncia, é claro que a Alemanha atravessava naqueles anos as terríveis conseqüências do pagamento das dívidas da guerra como bando derrotado.
Da mesma forma, de pouco consolo poderá servir aos galegos e galegas sabermos que “a nossa língua floresce” em todos os países do mundo em que é falada... menos no nosso.
Mais do que autoconsolo, essa paradoxal e trágica situaçom do galego convida-nos à urgente mudança de rumo, somando-nos à maré ascendente do galego no mundo... antes que seja tarde de mais.