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Pedro Monterroso

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O diabo revisitado

Estado pirómano

Pedro Monterroso - Publicado: Quinta, 21 Agosto 2014 14:55

Filhos do tempo e das vontades. Mas também criadores do tempo e das vontades. Também nesta dialética, residirá a grandeza do Homem, que é o criador da sua própria história. Conquanto, a cegueira o faça descuidar da sua herança animal, é ele/ nós somos feitos de matéria. Criamos os nossos mitos, assumimos até sermos seus filhos e nesse processo também nos enganamos.


O momento histórico presente caracteriza-se por ser construído de falsidades. Construímos uma sociedade que vive de pernas para o ar. Crescemos pensando que a cabeça das árvores são as suas folhas, que as árvores se enraízam na terra para olhar o céu. Antropomorfisamos as árvores. Elas lá saberão, no seu código, que só a Terra é atingível. Vivemos antropomorfisando tudo. Mas, se cabeça tivessem estas, essa seria a sua raíz e não as suas folhas. Elas não estão ao contrário. A nossa visão é que se deformou.

Hoje, dá-se um primeiro passo em Portugal, as árvores (só as “monumentais”) voltam a estar protegidas por lei.1 Felizmente. Mais do que os homens, as árvores são as guardiãs do planeta e, numa ficcional ideia, se algum dia seres extraterrestres, se interessassem pela visita à Terra, fascinar-se-iam mais com estes terráqueos do que com o Homem, que vive na expectante angústia de “betonizar” o mundo, com falos monumentais, que não representam nem o Homem, nem as árvores, e apenas se fixa na suposta evolução de um sistema que anúncia a sua própria extinção - o capitalismo.

Enquanto isso, por cá, a floresta vai sendo explorada e dizimada a cada verão vítima dos interesses económicos.

Numa interessante análise sobre os incêndios e as suas origens, José Gomes Ferreira, escreveu há uns anos um lapidar texto, a que deu o título de "A Industria dos incêndios"2, focando que este fenómeno não é fruto do tempo favorável, mas da exploração humana do capital e da inação do estado.

O autor apresenta cinco tópicos que aqui suscintamente exponho:

1)Porque é que o combate aéreinativo sinonimoo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas;

2) A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade.

3) Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.

4) À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder".

5) E, por último Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos.”

Esta realidade, é já conhecida e estudada desde há décadas no nosso país, as soluções são elas também conhecidas, e neste texto curto que vale muito a pena ler, são apresentadas soluções que poderiam ser postas em prática. Sabemos, no entanto, que estas não interessam ao poder económico, corrompido, sentado e representado na Assembleia da República. Sendo assim, a nós portugueses, só o clima nos tem salvo. Aquilo que não depende do Estado. Hoje, em agosto de 2014, estamos a vivenciar um verão atípico, frio e chuvoso, em relação a outros anos, sendo que somos poupados às tristes notícias que em 2013 assombraram o país com nuvens de incêndios, através de uma comunicação social sensacionalista , que procura em cada português um potencial "voyeur". Não tem ardido nada.

Com um estado Estado inoperante, que está focado no combate aos incêndios, e insensível à prevenção dos mesmos, pela subjugação aos interesses privados, assume também ele próprio uma política do "deixa arder". Culpemos o tempo, como único fator, que é o alibi mais evidente, e sejamos um país dependente do tempo e da sua vontade. Se o agosto vai frio, evocamos a metafísica em jeito de agradecimento, por a nossa floresta ser poupada a estes delitos. Não culpemos quem realmente é criminoso!

Sabendo que grande parte do território nacional queimado é vítima de organizações criminosas, não vamos agir? Vamos continuar a dizer que são mãos? O Estado que (não) nos representa, irá continuar a julgar os pirómanos e não as razões que estão subjacentes a esta realidade. Não irá à raíz dos problemas, que tal como nas árvores, é a cabeça. Quem afinal ganha no meio disto tudo? Que empresas? Qual o interesse económico?

Nestes dias, em que vejo a natureza florida, dá-me um prazer enorme, ver a paisagem verde e vicejante do Tâmega. Pobre “barão trepador” de Calvino que, se em tempos idos, podia cruzar Portugal de lés-a-lés, hoje em dia poderia, no máximo, atravessar uma reserva florestal, daquelas que ainda não foi fustigada pelos fogos dos verões passados.

Por fim, redimo-me por não ser muito conhecedor da biologia, na verdade os homens sempre me interessaram mais que as árvores. Talvez porque eu não sou uma árvore, talvez porque a minha socialização primária sempre foi baseada numa visão terrivelmente antropocêntrica, na qual os animais, as árvores e tudo mais não têm alma, ou melhor provendo-me de uma linguagem mais científica, que os animais são meros autómatos mecânicos, desprovidos de pensamento e de experiências sensoriais. Não sei, não me interessa agora. Interessa pois, que na continuação da minha aprendizagem, que é como quem diz, no meio de tudo isto, aprendi a sofrer pelas árvores e pelos homens. Também as novas esquerdas já não são antropocêntricas e focadas num modelo evolucionista das sociedades mas vêm o homem como sua parte integrante. Porque se evidências científicas há, que vêm descontruindo esta visão antropocêntrica, afirmando que nós não somos "os" terráqueos, mas parte da biodiversidade do planeta. Porque andamos então a pensar ao contrário, pensando que as árvores crescem em direção ao céu? Temos de ser radicais, não significasse o vocábulo radical“que pertence à raíz”.

Notas:

1- Andreia Marques Pereira, “Os monumentos vivos de Portugal”: http://fugas.publico.pt/Viagens/337816_os-monumentos-vivos-de-portugal

2 Ferreira, José Gomes, “ A indústria dos incêndios”: página original não encontrada, contudo o texto é facilmente encontrado através de uma pesquisa num motor de busca.


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