No Afeganistão, a invasão militar liderada pelos Estados Unidos e apoiada pelas principais potências militares no Ocidente redundou no recrudescimento da intolerância e do fundamentalismo. A ocupação do Iraque, dois anos depois, justificada pela farsa do combate às "armas químicas" de Saddam Hussein, gerou ainda mais instabilidade no mundo, e especialmente no Oriente Médio, aumentando o ódio e fortalecendo extremismos.
Além dos atentados realizados contra o metrô de Madri (2004) e Londres (2005), o ódio chegou à Europa na forma de xenofobia e violência. O crescimento de grupos de extrema-direita, favorecidos pelos efeitos da crise econômica que diminuiu as oportunidades para os imigrantes, é o retrato de um mundo em convulsão. O ódio a ciganos, árabes, asiáticos, eslavos, caribenhos e africanos, se fortaleceu com o aumento das tensões provocadas pela "guerra ao terror". As ondas de fúria juvenil nas periferias de Paris e Londres, na década passada, são apenas a expressão de um fenômeno mais complexo.
A ordem mundial construída pelas potências vencedoras na II Guerra Mundial (Estados Unidos, União Soviética, França e Inglaterra) durou até a queda da União Soviética, mas começou a mostrar sinais de fraqueza já nos anos 60, com a luta anticolonial na Ásia e África. O surgimento de um "terceiro mundo" não alinhado aos dois principais blocos de poder não havia sido previsto na partilha do mundo pós-guerra. Em muitos casos, porém, foi precisamente as tensões entre esses blocos - liderados por EUA e URSS - que permitiram a entrada de novos atores em cena. Saddam Hussein, por exemplo, ganhou importância a partir do apoio que recebeu dos EUA na guerra contra o Irã (1980-1988). O mesmo vale para o Talibã, no Afeganistão, aliado do Ocidente na luta contra a invasão soviética, em 1983. Mesmo na Palestina há indícios de que o Hamas tenha sido impulsionado por Israel para barrar o avanço da Organização de Libertação da Palestina (OLP), fortemente anti-imperialista. O mesmo vale para a Irmandade Muçulmana e outras organizações de mesmo perfil, que mantiveram boas relações com os EUA com o objetivo de conterem a influência de nacionalistas e comunistas na África e Oriente Médio. Com o fim da Guerra Fria, porém, os ideólogos do neoliberalismo decretaram o surgimento de uma nova "ordem mundial" a partir do fim da experiência soviética. Essa nova ordem, porém, nasceu sob os escombros de um mundo dividido e profundamente desigual.
É necessário lembrarmos tudo isso como forma de entender o que está acontecendo em 2014. Em Israel, o vice-primeiro ministro afirma que o objetivo da operação militar desencadeada recentemente é "mandar Gaza de volta à Idade Média". Centenas de civis são massacrados sem qualquer reação dos organismos internacionais. No Iraque e no Afeganistão, a agressão ocidental segue gerando mortes e atentados diariamente, culminando com o surgimento de um "califado" proclamado por grupos fundamentalistas. Na Nigéria, uma organização terrorista sequestra meninas como forma de afrontar o Ocidente e seu modo de vida. Já são mais de 200 jovens nas mãos do Boko Haram e cerca de 2000 civis mortos em atentados. Na Somália e no Sudão do Sul, milícias armadas executam comunidades inteiras, aniquilando junto com elas qualquer possibilidade de ação dos governos desses países. No norte da África, a "Primavera Árabe" foi solapada por forças reacionárias no Egito e na Líbia, interrompendo os sonhos dos que viram naquela experiência o prenúncio de uma década de revoluções.
Na Ucrânia, o recente conflito que chega às portas do "primeiro mundo" coloca em xeque o sonho de uma Europa unificada, reacendendo nacionalismos nunca superados. A derrubada de um avião comercial, causando a morte de 298 inocentes, pode levar o conflito a dimensões até então inesperadas. Na Rússia, duas outras crises – no território da Ossétia do Sul, na Geórgia, e na Chechênia - ainda pulsam, demonstrando a difícil equação de equilibrar as diferentes realidades da "grande mãe Rússia". No coração do Velho Continente, a crise econômica aprofunda as desigualdades e ameaça frágeis unidades nacionais, questionando a validade de velhas formas de governar, como demonstraram recentemente os protestos contra a monarquia dos Bourbon na Espanha.
Por todos os lados, a "ordem mundial" pós Guerra Fria, sustentada pelas potências ocidentais, mostra os sinais de sua falência. E essa falência se deve, precisamente, à lógica perversa e desumana imposta como forma de garantir o lucro de poderosos grupos econômicos. Por todas as partes prospera o ódio, a violência, a intolerância. O novo nunca pode nascer até que o velho comece a ruir. Para isso, é preciso dizer quem são os responsáveis pelo fim da velha "ordem internacional". Que os novos tempos mostrem que a humanidade ainda é capaz de reinventar-se e criar um mundo novo