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Miguel Urbano Rodrigues

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Em coluna

O discurso insano

Miguel Urbano Rodrigues - Publicado: Segunda, 09 Junho 2014 15:30

Portugal é bombardeado diariamente com o discurso do primeiro-ministro.


É um discurso inconfundível, diferente de qualquer fala conhecida.

Não encontro para o qualificar palavra que me satisfaça.

Hipócrita? Irracional? São insuficientes para expressar o estilo, o objetivo e o conteúdo das suas arengas pomposas. É um discurso insano, neofascista, que inverte a realidade e ofende a inteligência.

Nos últimos dias, incansável, Passos tem percorrido o país para glorificar a sua governança. A coluna vertebral dessas arengas é a apologia da obra realizada.

Sensibiliza-o a gratidão do povo. Não tem dúvidas sobre a aprovação pelos portugueses da política (vocábulo de que usa e abusa para o desvirtuar) que lhes impôs «sacrifícios». Sabe que exigiu muito deles, mas conforta-o a certeza de que aceitaram a dureza de leis e decretos concebidos para atender a «superiores interesses da nação».

Sente orgulho pelas sábias medidas da sua equipa ministerial que traduzem um conceito inédito mas humanista de solidariedade, mal interpretado por gentes que se recusam a compreender que a redução de salários seria afinal uma modalidade de solidariedade indireta.

Contempla-se já como um reformador revolucionário a cuja estratégia a História prestará um dia justiça.

O que lhe dói é a incompreensão dos partidos minoritários, incapazes de perceber que tem governado para garantir o estado social, combater o desemprego, exigir muito dos poderosos, proteger os mais desfavorecidos - uma oposição tão cega que não regista o crescimento da economia e a admiração dos grandes da Comunidade Europeia e do FMI pelos resultados da sua firmeza no cumprimento das exigências do «memorando» assinado com a troika.

O acórdão do Tribunal Constitucional que se pronunciou pela inconstitucionalidade de três medidas do Orçamento de Estado em execução suscitou a indignação do Primeiro-ministro, do seu governo e da sua maioria parlamentar.

Passos e sua gente não se limitaram desta vez a discordar das decisões daquele órgão de soberania. Desencadearam contra ele uma campanha sem precedentes, pelo tom insultuoso.

O primeiro-ministro marcou-lhe o rumo ao questionar a competência dos juízes conselheiros, sugerindo que o processo da sua nomeação seja reformulado.

A arrogante carta ao Presidente do TC exigindo uma aclaração do acórdão é um documento indecoroso que reflete bem o nível de degradação politica a que desceu a escória encastelada no poder.

Os discursos pronunciados na Assembleia da Republica pelos deputados do PSD e do CDS na tentativa de justificarem o encaminhamento dessa carta desafiadora são esclarecedores da incompatibilidade da ménagerie de Passos & Portas com princípios universais do direito constitucional.

O gesto deveria ter suscitado o repúdio generalizado da comunicação social. Mas isso não aconteceu.

Os canais de televisão e jornais ditos de referência promoveram debates e mesas redondas em que muitos dos comentadores de serviço - porta-vozes da ideologia da classe dominante - aproveitaram a oportunidade para criticar o Tribunal Constitucional.

Alguns não hesitaram em manifestar compreensão pelo discurso insano do primeiro-ministro, defensor dos interesses do grande capital, aliado do imperialismo, inimigo dos trabalhadores.

A resposta das vítimas da política de impostos brutais, dos desempregados, dos pensionistas roubados, será dada nas fábricas, nas escolas, nos serviços, em todos os locais de trabalho.

O povo, sujeito da História, está a intensificar o combate a um governo cuja política num contexto diferente, lembra cada vez mais a de Salazar. À CGTP e aos comunistas cabe liderar essa luta patriótica.

Serpa,9 de Junho de 2014.


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