Começou a ser arquitetado no governo de John Kennedy e ganhou foros definitivos no governo de Lyndon Baines Johnson. Lincoln Gordon e o general Vernon Walters, respectivamente embaixador e adido militar no Brasil foram os operadores. Walters tinha acesso a setores das forças armadas brasileiras através de Castello Branco, oficial de ligação da FEB na Segunda Grande Guerra, entre as tropas brasileiras e norte-americanas. Gordon se encarregou das lideranças civis, principalmente o empresariado, banqueiros e latifundiários.
A grande preocupação dos EUA, além do governo Goulart, era o efeito da revolução cubana sobre todo o continente latino, em países como a Bolivia (média de um golpe de estado por semana), a Colômbia, o Chile e todos os outros, onde movimentos insurgentes contra governos de direita e ditadores no velho estilo caudilhesco ganhavam força. Àquela altura do campeonato o próprio peronismo na Argentina começava a ganhar contornos de esquerda a partir de seus integrantes, um deles Hector Campora, primeiro presidente do país após a queda da ditadura militar.
Figuras como Trujillo, República Dominicana, deram lugar a Juan Bosch, de esquerda, na primeira eleição democrática no país. Bosch foi logo deposto e a perspectiva de guerra civil foi abafada entre outras coisas com presença de tropas brasileiras para sufocar levantes populares, como agora no Haiti.
Militares, ao contrário do se pensa, só têm honra no corporativismo que transforma forças armadas em estamento e não em segmento do processo político institucional em qualquer país do mundo. São vulneráveis e compráveis, varia apenas o preço. É só olhar o Egito hoje. As forças armadas egípcias são um arremedo de polícia de Israel e a corrupção no país é institucionalizada. Ou mesmo a Venezuela, onde os EUA tentam desesperadamente comprar generais para depor o presidente Maduro.
Banqueiros, latifundiários e empresários são compráveis a qualquer momento e hora, como noutra ponta são os grandes compradores, não têm escrúpulos e formam o que há de mais nefasto num País. O que costumamos chamar de elites. As elites brasileiras estão entre as mais retrógradas e são produto de um grande e nacional incesto.
Com esse quadro já nas eleições para alguns governos estaduais e renovação da Câmara e parte do Senado, além de assembleias legislativas, não foi difícil nem ao embaixador dos EUA, nem ao adido militar montar o golpe. Montaram um instituto o IBAD – INSTITUTO BRASILEIRO DE AÇÃO DEMOCRÁTICA – e deram partida ao golpe financiando políticos de direita. Vernon Walters, teve apenas o trabalho de domar o apetite ditatorial de alguns generais padrão Costa e Silva, a vocação golpista de uma parte expressiva dos militares e a ausência de lideranças efetivas dentro das forças armadas, como ao tempo do general Lott, de vocação legalista, democrata por natureza e caráter. E tanto era que foi um dos primeiros a ser detido pelos golpistas, temerosos de uma possível reação de Lott. O resto foi fácil, Castello Branco estava ao alcance das mãos.
A reação ao golpe teria sido possível. Jango optou por não resistir para evitar o derramamento de sangue e todos sabiam que era clara a decisão de intervir por parte do governo dos EUA. Documentos oficiais revelaram que a IV Frota estava em águas brasileiras no dia primeiro de abril, a maior mentira já aplicada ao País. Um golpe para depor um presidente constitucional e democrata, para garantir a “democracia” dos porões sombrios da tortura e da barbárie que se instalaram.
Anos mais tarde, ao perceber a falência da ditadura, o general presidente Ernesto Geisel concebeu a Lei da Anistia que, no seu entendimento, deveria ser um processo de reconciliação nacional, mas na prática era a cumplicidade a absolvição de figuras hediondas como Brilhante Ulstra. Assassino, estuprador, símbolo da tortura aplicada pelo aparelho repressivo em todo o País e que se estendeu a América do Sul na famosa Operação Condor.
Traição entre militares é rotineira. O apetite golpista fala sempre mais alto numa boa parte das forças armadas. Amaury Kruell, comandante do II Exército, sediado em São Paulo e Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército, com sede no Recife que o digam. Ou os dólares. O apetite golpista ou os dólares. Ou os dois ao mesmo tempo
Âncora de Moraes, comandante do I Exército, Rio de Janeiro, sem nenhum compromisso político, mas com dignidade à prova de dólares, preferiu retirar-se do seu comando sem apoiar o golpe. Percebeu que seu estado maior estava no bolso de Vernon Walters. Não era do seu caráter o submundo do crime golpista.
A maioria dos brasileiros apoiava o governo Goulart. O projeto de reformas de base daria ao Brasil condições de sair do berço esplêndido e transformar-se em potência mundial. Isso não interessava aos EUA, num tempo de guerra fria. Queriam manter a América Latina como América Latrina. E assim o fizeram, assim o tentam fazer.
Há uma ilusão que a ditadura dispunha de apoio da maioria dos brasileiros. Em 1965, em estados chaves como Minas e Guanabara (hoje integrada ao Rio numa jogada de Geisel para neutralizar forças populares) a oposição venceu. Nas eleições de 1966 para governos e legislativos, a ditadura venceu com o artifício do voto vinculado para a Câmara Federal e as assembleias, pois os governadores passaram a ser indicados de forma indireta.
Em 1970 o número de votos nulos e brancos superou o número de votos válidos e em 1974 a oposição elegeu a maioria dos senadores nos estados brasileiros, o que levou a um ato que criou senadores biônicos, ou seja, indicados e não eleitos.
Em tempo algum existiu apoio popular. Havia sim o medo dos porões tenebrosos da ditadura. É bem diferente.
Todo o período do regime militar foi marcado por disputas internas dentro dos quartéis. A corrupção corria solta e o empresariado nacional e internacional financiava a barbárie em operações como a OBAN – OPERAÇÃO BANDEIRANTES – ou nos DOI/CODI, como participou ativamente da Operação Condor, concebida nos EUA e aplicada em toda a América Latina. A repressão extinguiu as fronteiras. Líderes oposicionistas foram assassinados, inclusive nos EUA, caso de Orlando Letelier, ex-chanceler de Allende. A reação de setores militares a abertura foi muito mais em função do que se ganhava com a corrupção (vários oficiais enriqueceram nas malas pretas do empresariado, dos banqueiros e dos latifundiários) que, propriamente, pelo tal ideal “revolucionário”, que não passava de golpe ordinário.
A Comissão da Verdade começa a trazer a tona todo esse período de boçalidade. E a provocar reações. O silêncio e a reação das forças armadas é cumplicidade, já foi dito, e é de fato. Percebe-se inclusive que o número de desaparecidos é bem maior que o que se imaginava, como se descobre que a Aeronáutica jogava corpos ao mar e o jornal FOLHA DE SÃO PAULO emprestava seus caminhões para simular atropelamentos de presos políticos.
O poder do grupo Marinho, GLOBO, é produto da ditadura. Porta-voz oficial, como ainda hoje, do governo de fato, o de Washington.
O que se impõe agora é uma revisão da Lei da Anistia e a punição dos covardes torturadores escondidos atrás de estrelas que identificam altas patentes, mas da violência e do mais repulsivo modo de ser.
O golpe de 1964 foi produto da minoria e no duro mesmo começou a ser orquestrado nos campos de batalha da II Grande Guerra. Com um detalhe. Empresas alemãs ligadas ao nazismo foram grandes partícipes do financiamento da tortura, dos estupros e dos assassinatos. Não é de se estranhar, o golpe foi puro nazi/fascismo.