As lutas de junho de 2013 foram as primeiras grandes mobilizações políticas de massas no Brasil que não foram dirigidas pelo PT desde 1980. Ao contrário, em certo sentido, colocaram em movimento, ainda que parcialmente, uma geração que nasceu depois da fundação do PT e, em grande medida, chegou à vida adulta depois da eleição de Lula. Junho alterou a relação social de forças, e deixou, em grande medida, imprevisível o resultado eleitoral das presidenciais de outubro de 2014.
Entre 1988 e 1994, o PT assumiu o governo de prefeituras e de governos estaduais e fez os primeiros pactos com a governabilidade. Em nome da consolidação da democracia não resistiu à posse de Itamar Franco. Entre 1994 e 2002, via fundos de pensão, e através das participações na gestão de fundos públicos, a burocracia sindical da CUT, ainda então o principal aparelho de apoio social da direção do PT, entrou no mundo dos grandes negócios com a burguesia.
Depois da eleição de 2002, o PT passou a ter relações orgânicas com o grande capital brasileiro, e passou a aceitar, com a crise do mensalão, o novo papel cesarista de Lula como líder incondicional. E insubstituível. O ápice da influência de Lula anuncia, todavia, a sua ruína. As ilusões reformistas dos trabalhadores, no entanto, não morrem sozinhas. Serão ainda necessários acontecimentos extraordinários, como nos ciclos históricos anteriores, para que uma nova direção possa se afirmar. As Jornadas de Junho, na sua grandeza e na sua fragilidade, foi um acontecimento desta natureza.
Depoiis da crise do mensalão em 2005 o PT preservou, apesar de tudo, uma influência majoritária no proletariado. Entre 2003 e 2010, Lula fez um governo que recebeu aplausos quase unânimes do que há de mais reacionário no Brasil e no mundo: de Maluf a Delfim Neto, de Michel Temer a Henrique Meirelles, de Bush a Sarkozy, de Merkel a Putin, não faltaram entre os maiores banqueiros, empreiteiros e latifundiários vozes dispostas a admitir em público o deslumbramento das classes dominantes de todos os continentes com Lula e o PT.
Não fosse isso o bastante e, não obstante o impressionante desmascaramento do financiamento eleitoral através de relações obscenas com o empresariado – uma rotina de corrupção que o PT sempre denunciou – Lula surpreendeu pela resiliência de sua autoridade na classe operária. É verdade que as condições de crescimento econômico internacional beneficiaram Lula e o governo. Mas, não foram somente estas condições externas favoráveis que podem explicar a perenidade da influência do PT na classe trabalhadora. E tampouco foram as mais de dez milhões de bolsas família distribuídas. A explicação para a permanência da influência do petismo nos setorres organizados da classe trabalhadora exige perspectiva histórica.
Cada geração de trabalhadores retira conclusões refletindo, comparativamente, sobre um repertório de lições herdadas pela geração anterior. A opinião média do proletariado conhece variações, também, sob o impacto das lutas sociais do seu tempo presente. Mas somente diante de circunstâncias excepcionais a classe operária substitui a sua velha direção por uma nova. Toda uma experiência histórica precisa ser completada para que as velhas relações de confiança sejam destruídas, e outras sejam construídas no seu lugar e, neste processo, as margens para o improviso são pequenas.
Assim foi, por exemplo, quando da queda da ditadura do Estado Novo (1937-1945), ou da ditadura militar (1964-1984). Nessas duas circunstâncias históricas, os trabalhadores precisaram encontrar um novo ponto de apoio político-sindical. O processo aberto pela derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial levou o PCB a se tornar em partido com influência de massas deslocando, ainda que parcialmente, a influência getulista, pelo menos nos setores mais organizados e combativos. Ou como foi o processo entre 1978-1984, que originou o PT e substituiu o PCB de Prestes.
A etapa de aprendizado sindical-parlamentar – cunhada na tradição marxista como a estratégia alemã, por analogia com a história da socialdemocracia mais poderosa do mundo do início do século XX– só pode se esgotar, e ainda assim se tiverem sido construídos instrumentos políticos anticapitalistas, no calor de uma situação revolucionária que, todavia, ainda não se abriu.
A colaboração de classes é uma estratégia que renasce como programa com peso de massas, uma e outra vez, enquanto os trabalhadores não ganharem suficiente confiança em si mesmos e suas lutas. As massas podem abandonar seus chefes de ontem, sem renunciar às quimeras de seus sonhos. Podem, também, se reconciliar com líderes que as decepcionaram. Somente uma luta política irreconciliável pode abrir o caminho para uma reorganização que vá além das ilusões reformistas.
Cinco etapas da história do PT
Periodizações são discutíveis, mas são inescapáveis. Considerado este ângulo, a história do PT pode ser dividida em cinco fases qualitativamente distintas:
(1) Entre 1980 e 1985, o PT foi um partido de oposição ao regime militar e ao governo Figueiredo, e principal impulsionador de todas as lutas sociais contra a ditadura e, assim, conquistou a liderança nos movimentos sociais, deslocando o papel que antes de 1964 pertencia ao PCB. Depois da eleição de Sarney no Colégio Eleitoral e, depois da eleição da Constituinte em 1986, mas, sobretudo depois das eleições municipais de 1988, o PT deixou de ser um partido de oposição ao regime, agora um regime democrático-eleitoral, mas continuou sendo um partido de oposição intransigente ao governo;
(2) Depois da derrota diante de Collor em 1989 e depois das eleições para os governos estaduais de 1990, sob a pressão da nova situação internacional aberta pela queda do muro de Berlim, o compromisso da direção do PT com a constitucionalidade levou o partido à hesitação face ao governo Collor. Por isso, recusou-se a tomar a iniciativa para começar uma campanha pelo Fora Collor em 1991, quando do 1º Congresso, mas depois que a campanha ganhou sustentação de massas nas ruas em agosto de 1992, apesar do PT, a apoiou;
(3) Depois da eleição de FHC em 1994, até 2002, o PT manteve a posição de oposição parlamentar, porém, recusando-se a mobilizar a sua base social de apoio para tentar impedir o governo FHC de governar, mesmo quando em 1999, se abriu a possibilidade de fazer contra FHC um movimento semelhante ao que foi feito contra Collor. Foi nesse processo que se consolidou a liderança de José Dirceu. Finalmente, depois da vitória de Lula, ou, mais precisamente, depois da Carta aos brasileiros em julho de 2002 quando se transformou em partido de governo, o PT passou a ser o principal suporte da contenção social para garantir a governabilidade de Lula. Foi o PT que conteve a possibilidade de expressão na forma de mobilização popular do desgaste social acumulado pelo desemprego, arrocho salarial e privatizações dos anos FHC. Foi a presença de Lula, sobretudo, que ajuda a explicar porque o regime democrático no Brasil não atravessou uma crise como na Argentina (2001);
(4) O PT foi o partido dirigente do governo Lula que conseguiu, entre 2003 e 2010 – sobretudo, depois de 2006 – a estabilização política do regime democrático eleitoral: nenhum dos governos eleitos depois de 1989, nem Collor, nem Itamar, nem Fernando Henrique Cardoso tinha logrado uma anulação tão bem sucedida do protesto operário e popular. Durante estes oito anos de mandato o PT atravessou a crise do mensalão em 2005 e saiu dela, outra vez, irreconhecível: o escândalo escancarou o escárnio da direção do PT pelos limites éticos mais elementares, ao aceitar o financiamento ilegal, na escala apocalíptica de dezenas de milhões de dólares.
(5) Depois das Jornadas de Junho de 2013, a influência do PT sobre a geração mais jovem da classe trabalhadora começou a ser deslocada. O terrível papel do PT à frente da Prefeitura de São Paulo foi devastador para o prestígio de Dilma na presidência e para o próprio partido. Iniciou-se uma ruptura política que pode ser irreversível. Tudo vai depender da dinâmica das lutas neste primeiro semestre de 2014, e da capacidade de legitimação dos novos instrumentos de luta sindicais e políticos.