Do confronto entre os sistemas da natureza e o conjunto das atividades econômicas, nasce a mais aguda tensão que se dá, efetivamente, no âmbito da existência factual dos limites de recursos naturais.
Nesse pormenor, coube à macroeconomia tradicional desrespeitar esses limites, uma vez que prioriza, sistematicamente, a busca incessante do crescimento econômico, erroneamente confundindo-o, não raras vezes, com o desenvolvimento socioeconômico.
Antes de aprofundarmos essa discussão sobre a relação do sistema econômico com o meio ambiente, faz-se oportuno diferenciar ecologia (a “ciência da morada”), responsável por estudar as relações naturais e seu hábitat, de meio ambiente (o ecossistema), ou numa definição mais familiar (a própria “morada”, ou Gaia, nos dizeres dos gregos ao fazer referência à natureza).
Dito isso, é certo que o uso cada vez mais intenso das bases naturais (recursos) disponibilizadas por Gaia para o atendimento da busca pela expansão econômica (eixo que faz girar a atividade econômica), facilmente se converte em potencial foco gerador de tensão e de desequilíbrios de ordens múltiplas.
Enfaticamente, promover a convivência da expansão da atividade econômica (até os limites do possível e do ponderável) com a conservação do meio ambiente (sem prejuízo aos ecossistemas) sempre foi um dos principais enfrentamentos dessa relação conflituosa entre a economia e o meio ambiente, entre um subsistema (a atividade econômica) e o sistema como um todo (o próprio ecossistema), visto que as duas maneiras de pensar a vida possuem suas peculiaridades distintas.
Nesse pormenor, são valiosas as palavras de Fritjof Capra, no epílogo do livro 'A Teia da Vida: uma nova compreensão dos sistemas vivos' (Cultrix - Amana-Key, São Paulo, 1997) ao afirmar que “a economia enfatiza a competição, a expansão e a dominação; a ecologia enfatiza a cooperação, a conservação e a parceria.”
Do confronto, como dito, nascem as tensões. De tensão em tensão, quem sofre é o próprio meio ambiente, mas quem paga a conta são as vidas humana, vegetal e animal. Decorre disso uma primeira imposição: economia e ecologia não devem (na verdade, não deveriam) ter nenhum tipo de conflito.
Contudo, é inequívoco que desajustes dentro do ambiente natural, promovido essencialmente por mãos humanas em nome de modelos que buscam o crescimento econômico, têm provocado às mais graves tensões – e desastres – ambientais.
Nesse sentido, e sem espaços a exageros ou retóricas vazias, pelo menos nos últimos 50-60 anos os desastres naturais foram acontecimentos que longe estão de serem classificados como de ordem “natural”, uma vez que foram, na maioria dos casos, “provocados” por atividades humanas ligadas em algum ponto à esfera da economia produtiva sem limites, prontas, unicamente, para satisfazer as elevadas taxas de crescimento econômico.
Numa rápida visão panorâmica pelos acontecimentos (conflitos ambientais) registrados ao longo desse tempo mencionado, percebe-se facilmente esse conjunto de tensões (desajustes e desastres ecológicos).
A esse respeito, Lester Brown, em Ecoeconomia, menciona pontualmente que “pode-se comprovar que a economia está em conflito com os sistemas naturais da Terra nas notícias diárias de colapso de pesqueiros, encolhimento de florestas, erosão de solos, deterioração de pradarias, expansão de desertos, aumento constante dos níveis de dióxido de carbono (CO2), queda de lençóis freáticos, aumento da temperatura, tempestades mais destrutivas, derretimento de geleiras, elevação do nível do mar, morte de recifes de coral e desaparecimento de espécies”.
Exemplos de desastres ambientais, infelizmente, não faltam e pululam em distintas partes do mundo em diversar épocas. Desde o maior acidente nuclear da história, em Chernobyl, na Ucrânia, em abril de 1986, ao vazamento de agrotóxicos em Bhopal, na Índia, dois anos antes, em dezembro de 1984, passando pelo acidente radioativo com Cesio 137, em Goiânia, em setembro de 1987, ao vazamento da Central Nuclear de Fukushima I, no Japão, em março de 2011.
Segue a lista: derramamento de óleo no Golfo do México, em abril de 2010, ao derramamento de 257 mil barris de petróleo dos navios Exxon Valdez (pertencente a norte americana Exxon Mobil) e Prestige (petroleiro grego), na costa do Alasca, em 1989 e 2002, respectivamente, causando a morte, segundo estimativas, de 250 mil pássaros marinhos, 2,8 mil lontras marinhas, 250 águias e 22 orcas e mais bilhões de ovos de salmão.
Essa lista pode ser ainda acrescida com o derrame tóxico de alumínio em Ajka, na Hungria, em outubro de 2010; com as concentrações de amônia e compostos de nitrogênio e fósforo nas águas provocando o desenvolvimento desordenado de algas, conhecida como maré vermelha, alimentadas pelo material orgânico do lixo doméstico, verificada na Lagoa de Araruana, no Rio de Janeiro, no final dos anos 1990.
Não fosse a limitação de espaço aqui, a lista prosseguiria com exemplos de devastação de florestas tropicais dizimando espécies animais e vegetais; esgotamento de reservas pesqueiras; com mais da metade dos rios do mundo em elevado estágio de poluição; com os vazamentos de resíduos nucleares; com os derramamentos de cianureto e mercúrio para a produção de ouro; com a poluição tóxica e a diminuição do fitoplâncton dos mares.
Com tudo isso, os ecossistemas naturais são fragmentados e degradados numa velocidade assustadora. Apenas um único exemplo: das 17 reservas pesqueiras oceânicas conhecidas no mundo, mais de 60% apresentam uma retirada de peixes mais acelerada que a sua taxa de reprodução.
Agrava-se mais ainda esse fato quando nos damos conta que pelas lentes míopes da macroeconomia convencional – a mesma que desdenha da limitação dos recursos naturais, não reconhecendo ser a economia apenas um subsistema do meio ambiente – tenta-se, a qualquer custo, aliviar os bolsões de pobreza estimulando o crescimento da economia que se dá, essencialmente, sob essa forte tensão sobre os recursos da natureza, quando uma atitude mais ponderada seria promover esse alívio mediante uma justa e equânime redistribuição.
Essa palavra redistribuição parece não encontrar morada nos alicerces que sustentam a sanha consumista dos mercados, alimentada pela produção excessiva que fere a base natural. É justamente por isso que os mais variados desenhos e modelos econômicos praticados por diversas economias nos últimos tempos para alimentar o crescimento econômico que muitos entendem ser sustentável tem sido extremamente agressivo no trato da retirada maciça de matéria-prima da natureza. É aí que residem os focos de tensão que aqui mencionamos.
Disso decorre a inexorável necessidade em promover uma completa reversão desse comportamento atual do crescimento que fere o meio ambiente, visto que essa busca é pouco confiável em termos de benefícios. Nas palavras de José Eli da Veiga, “terá pernas curtas qualquer crescimento que se baseie em depleção dos recursos naturais”, até mesmo porque todo crescimento é sempre depleção.