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Raphael Tsavkko Garcia

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Defenderei a casa de meu pai

A Espanha diante do abismo

Raphael Tsavkko Garcia - Publicado: Segunda, 13 Janeiro 2014 14:54

A Espanha se vê esfacelada tanto pela aceitação passiva de políticas impostas pela Alemanha e União Europeia que tem levado sua população à penúria e a morte, quanto pela possível separação da Catalunha e crescimento da intenção de separar-se no País Basco.


No próximo ano de 2014, em 9 de novembro, se celebrará o referendo ou consulta pela independência da Catalunha patrocinado pelos dois principais partidos regionais, CiU (Convergencia i Uniò, conservador) e ERC (Esquerra Republicana de Catalunya, esquerda) e que conta com o apoio de outros partidos minoritários.

Apesar dos esforços espanhóis para barrar a consulta, analistas acreditam que esta se celebrará mesmo frente a uma negativa política espanhola e mesmo frente à negativa por parte dos tribunais superiores espanhóis. Resta saber se a Catalunha teria forças ou mesmo a coragem de seguir a vontade de sua população e declarar unilateralmente sua independência.

Ainda em 2014 a Espanha passará por eleições gerais, talvez as mais incertas e complicadas de sua história.

Depois de meses de protestos de grupos de "indignados" pelas ruas - protestos que tem se repetido de tempos em tempos e que são violentamente reprimidos pela polícia - do país, em especial de Madri, a balança política do país dá mostras de que o bipartidarismo está ruindo, ou ao menos que se enfraquece.

Segundo pesquisa encomendada no início de dezembro pelo jornal El Diario, a atual maioria absoluta do Partido Popular (direita franquista) dificilmente se sustentará, e o partido verá seu rival PSOE (social-democrata) crescer, ainda que não o suficiente para ultrapassá-lo. Este, porém, estará longe da maioria absoluta e, para piorar o cenário, nenhum dos dois tradicionais partidos conseguiria a maioria absoluta mesmo que aliados com outros partidos menores ideologicamente próximos.

Ou seja, para qualquer maioria PSOE ou PP teriam de costurar alianças não apenas com partidos ideologicamente próximos, mas teria e ter o apoio de outro ou outros partidos que não costumam ser próximos. Seria algo como o PSOE esperar apoio dos neofascistas da UPyD ou o PP ganhar o apoio dos ex-comunistas da Esquerda Unida.

Mas o cenário ainda é "pior", se considerarmos que tanto o ERC quanto a CiU teriam juntos mais 20 cadeiras no parlamento podendo ser considerados a quarta força do parlamento espanhol. Por mais que ideologicamente opostos, o processo de independência da Catalunha pode os aproximar e fazê-los participar do bloco que costuma obstruir sempre que possível decisões do parlamento.

Neste bloco estariam ainda a coalizão nacionalista de esquerda basca Amaiur que, junto com o Partido Nacionalista Basco (PNV, de direita) poderiam chegar quase as 15 cadeias. Junto a eles estariam outros partidos minoritários como o Bloque Nacionalista Galego (Galiza, esquerda), Coalición Canaria (Canárias, centro), Geroa Bai (Navarra, esquerda) e CUP (Catalunha, esquerda) com perto de 10 cadeiras.

Uma força nacionalista com pelo menos 40-45 cadeiras seria a terceira força no parlamento espanhol e teriam, juntos, os votos necessários para, por exemplo, garantir ao PP a maioria para aprovar seus projetos -um cenário praticamente impossível.

Em outras palavras, o parlamento espanhol caminha para um impasse e mesmo para o imobilismo, em um momento-chave de crescimento do nacionalismo catalão e da possibilidade real de separação e em meio à pior crise recente do país, em que os dois principais partidos teriam de se unir para conseguir aprovar as medidas impopulares impostas pela troika ao país.

Se por um lado é fato que o receituário imposto desde a Alemanha para cortes de gastos que vêm até mesmo matando a população é praticamente um consenso para PP e PSOE (que quando se trata de aplicar medidas neoliberais parecem um mesmo partido, ainda que existam divergências pontuais em questões ditas morais, como aborto, casamento gay, etc), por outro os partidos mantém uma aparente inimizada que inviabilizaria uma aliança mais ampla - ainda que alianças pontuais não sejam descartadas.

Este cenário, porém, seria instável, sujeito a acordos pontuais frágeis e com forte oposição de outros atores políticos.

Esta instabilidade cai como uma luva para os interesses soberanistas catalães e em menor medida para o soberanismo basco, que vê a coalizão de esquerda Amaiur lograr um número significativo de cadeiras no parlamento (mais um em relação ao parlamento atual) e aumentar sua capacidade de pressionar o nacionalismo mais tímido representado pelo PNV a tomar posições mais claras em relação à rota para a independência basca.

Em Euskal Herria, ou País Basco, o PNV governa, mas constantemente se acovarda frente às pressões espanholas em momentos-chave.

Resta saber se um possível imobilismo parlamentar seria benéfico ou maléfico para a resolução da crise na Espanha, dado que a continuidade das políticas de cortes impostas ao país, e em consequência à população, tem resultado em despejos forçados, endividamento, fome e mesmo morte.

Um caso recente que chocou o país foi a morte de três membros de uma mesma família em Alcala de Guadaíra, na região de Sevilla por ingestão de comida vencida, enquanto o quarto membro da família, uma adolescente de 13 anos encontra-se em estado grave no hospital.

O chefe da família, Enrique Caño, de 60 anos, encontrava-se desempregado há muito tempo, e vivia de coletar comida em lixeiras da cidade e coletava papelão para conseguir prover a família do mais básico. Antes, a família pertencia à classe média.

Na Espanha já são mais de 500 mil famílias sem ter onde viver e o desemprego roça os 30 porcento. Em Bilbao, no País Basco, uma das regiões menos atingidas pela crise, já há casos de moradores de rua morrendo devido ao frio e à falta de onde viver em uma região onde até pouco tempo era incomum ver pedintes e mendigos.

Em resumo, a Espanha se vê esfacelada tanto pela aceitação passiva de políticas impostas pela Alemanha e União Europeia que tem levado sua população à penúria e a morte, quanto pela possível separação da Catalunha e crescimento da intenção de separar-se no País Basco.

E em meio a estas crises, votará podendo eleger um dos parlamentos mais fragmentados de sua história recente, deixando inúmeras dúvidas sobre a sobrevivência da Espanha como conhecemos e sobre uma possível superação do atual cenário.

Cenário este que garante espaço para protestos intermitentes, mas de grande intensidade, como explosões de insatisfação popular frente às medidas econômicas restritivas a aliadas à tentativas de impor censuras à população e limitar o direito a protestar.

Como se vê, o governo espanhol, à deriva, busca aliar repressão e cortes a um cenário de incerteza futura, uma mistura que tem tudo para dar errado.

Fonte: Brasil de Fato.


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