1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (2 Votos)
Matheus Rodrigues Gonçalves

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora

Não passarão!

O mal-estar da ministra

Matheus Rodrigues Gonçalves - Publicado: Sábado, 11 Janeiro 2014 01:16

A imprensa noticiou recentemente que a ministra Maria Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, tomou conhecimento no dia 18 de dezembro do ano passado das atrocidades cometidas no interior dos presídios do Maranhão.


Na ocasião, a ministra passou mal ao ver fotos das decapitações praticadas no complexo prisional de Pedrinhas. De fato, cenas de decapitação nunca são agradáveis. Entretanto, a reação de Maria do Rosário é ilustrativa do modo como age o governo federal como um todo e, afirmo com convicção, está imbuída do pior cinismo.

Para comprovar tal afirmação, é preciso ter em mente alguns fatos. Primeiramente, devemos considerar o crescimento exponencial da população carcerária brasileira: de 90 mil presos em 1990 para 550 mil em 2012, um aumento de 511%, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Destes 550 mil, cerca de 42% são presos provisórios; além disso dados coletados pelo Conselho Nacional de Justiça no Mutirão Carcerário entre 2008 e 2012 dão conta de que cerca de 50 mil pessoas estavam presas indevidamente no país. Um dado importante: no mesmo período, o crescimento da população nacional não ultrapassou os 30%. Outra informação que deve ser ressaltada: entre 2003 e 2012, período que coincide com a administração da máquina federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o crescimento da massa carcerária foi de 78,2%, o que representa um acréscimo de mais de 240 mil presos.

Temos hoje a quarta maior população carcerária do mundo em números absolutos, perdendo apenas para os Estados Unidos (2,2 milhões), a China (1,6 milhão) e a Rússia (680 mil). Em termos proporcionais, ocupamos a terceira colocação na América Latina, com 232 presos por 100 mil habitantes, atrás apenas de Uruguai (281) e Chile (274), mas não por muito tempo: a população carcerária brasileira é a segunda que mais cresce no mundo, perdendo apenas para o Camboja. Em recente colóquio realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o sociólogo francês Löic Wacquant afirmou que em 2014 o Brasil alcançará o posto de campeão latino-americano de encarceramento.

Se a simples quantidade de presos no Brasil já é preocupante, a situação fica ainda mais alarmante quando nos damos conta de que hoje há um déficit de cerca de 240 mil vagas no sistema prisional. Ou seja, a realidade brasileira é a de prisões superlotadas, que não chegam perto de garantir uma existência minimamente digna aos internos. Um caso emblemático foi o da Carceragem de Neves, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, utilizada para abrigar presos durante a falta de vagas no sistema prisional, que chegou a ter 782 detentos que dividiam um espaço originalmente projetado para apenas 200. Localizada em um antigo estábulo, a carceragem era foco de doenças infecciosas como a tuberculose, e registrava temperaturas de 60ºC durante o verão. Após ser denunciada à Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2009, a carceragem foi fechada em 2012, o que solucionou uma questão pontual, mas não, vale lembrar, a estrutural.

Podemos citar também o caso da adolescente de 15 anos que foi mantida presa por 26 dias em uma cela com 30 homens no Pará em 2007. Outro caso emblemático: em 2012, seis membros do Conselho de Direitos Humanos da Paraíba, após uma vistoria na penitenciária de segurança máxima Dr. Romeu Gonçalves Abrantes, em João Pessoa, foram impedidos de deixar o local pelas autoridades militares, visto que haviam registrado em fotos a situação degradante a que os detentos eram submetidos. Como esses, são diversos os exemplos de violação de direitos dos internos nos presídios brasileiros, desde a dificuldade para receber visitas de amigos e familiares até o recebimento de alimentação imprópria para consumo, além de agressões que, não poucas vezes, levam à morte dos detentos.

Pelo exposto, podemos concluir que esta “crise” não é uma exclusividade do Maranhão e não teve início em outubro de 2013. Coloco o termo “crise” entre aspas porque considero que não estamos propriamente diante de uma crise, mas que se trata de um modus operandi que está umbilicalmente ligado à própria existência do Estado Penal nos países periféricos (e não apenas no Brasil). Mas retornemos à situação concreta.

Após as denúncias de arbitrariedades e violações de direitos nos presídios do Maranhão, condenadas por diversas organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a OEA, além da Anistia Internacional e da Humans Rights Watch, o governo federal foi instado a agir, e para isso enviou, ainda em dezembro do ano passado, a Força Nacional de Segurança (FNS) para os presídios maranhenses. Inicialmente a tropa federal deveria ficar no estado até o dia 25 do mesmo mês, mas a sua presença foi prorrogada até pelo menos o dia 23 de fevereiro de 2014. A presença da FSN, entretanto, parece manter a mesma lógica de violência e violação de direitos nos presídios, o que se comprova pelas recentes denúncias, feitas pelos detentos maranhenses, de agressões por parte dos agentes federais: “Desde que a Força Nacional chegou a gente vem sendo agredido. Eles estão atirando na gente direto com bala de borracha. Tratam a gente feito animais. Mais de 20 pessoas já foram baleadas. Vieram só para maltratar.”

Fica evidente a quantidade de dados e denúncias acerca da pavorosa situação em que se encontra (e sempre se encontrou) o sistema prisional brasileiro. E mesmo assim os atuais gestores do governo federal, que aí estão há onze anos, em lugar de mudar o paradigma da segurança pública e iniciar (ou ao menos tentar iniciar) o desmonte do Estado Penal, patrocina o seu contínuo crescimento, como percebemos tanto pelo aumento da população carcerária brasileira de 2003 a 2012, como pela recente decisão da Presidência da República de relaxar as normas de licitação para a construção de novos presídios – que, se por um lado ajuda a diminuir o déficit de vagas no sistema prisional do país, por outro, ao ser feito sem debate, garante uma danosa ampliação do punitivismo. Assim, podemos constatar com facilidade onde reside o cinismo no mal-estar da ministra e a preocupação do governo Dilma. Deveriam, em lugar de fazer lamentações hipócritas, lembrar as lições do criminólogo estadunidense Clarence Ray Jeffery: “Mais leis, mais penas, mais policiais, mais juízes, mais prisões, significa mais presos, porém não necessariamente menos delitos”.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.