Na ocasião, a ministra passou mal ao ver fotos das decapitações praticadas no complexo prisional de Pedrinhas. De fato, cenas de decapitação nunca são agradáveis. Entretanto, a reação de Maria do Rosário é ilustrativa do modo como age o governo federal como um todo e, afirmo com convicção, está imbuída do pior cinismo.
Para comprovar tal afirmação, é preciso ter em mente alguns fatos. Primeiramente, devemos considerar o crescimento exponencial da população carcerária brasileira: de 90 mil presos em 1990 para 550 mil em 2012, um aumento de 511%, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Destes 550 mil, cerca de 42% são presos provisórios; além disso dados coletados pelo Conselho Nacional de Justiça no Mutirão Carcerário entre 2008 e 2012 dão conta de que cerca de 50 mil pessoas estavam presas indevidamente no país. Um dado importante: no mesmo período, o crescimento da população nacional não ultrapassou os 30%. Outra informação que deve ser ressaltada: entre 2003 e 2012, período que coincide com a administração da máquina federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o crescimento da massa carcerária foi de 78,2%, o que representa um acréscimo de mais de 240 mil presos.
Temos hoje a quarta maior população carcerária do mundo em números absolutos, perdendo apenas para os Estados Unidos (2,2 milhões), a China (1,6 milhão) e a Rússia (680 mil). Em termos proporcionais, ocupamos a terceira colocação na América Latina, com 232 presos por 100 mil habitantes, atrás apenas de Uruguai (281) e Chile (274), mas não por muito tempo: a população carcerária brasileira é a segunda que mais cresce no mundo, perdendo apenas para o Camboja. Em recente colóquio realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o sociólogo francês Löic Wacquant afirmou que em 2014 o Brasil alcançará o posto de campeão latino-americano de encarceramento.
Se a simples quantidade de presos no Brasil já é preocupante, a situação fica ainda mais alarmante quando nos damos conta de que hoje há um déficit de cerca de 240 mil vagas no sistema prisional. Ou seja, a realidade brasileira é a de prisões superlotadas, que não chegam perto de garantir uma existência minimamente digna aos internos. Um caso emblemático foi o da Carceragem de Neves, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, utilizada para abrigar presos durante a falta de vagas no sistema prisional, que chegou a ter 782 detentos que dividiam um espaço originalmente projetado para apenas 200. Localizada em um antigo estábulo, a carceragem era foco de doenças infecciosas como a tuberculose, e registrava temperaturas de 60ºC durante o verão. Após ser denunciada à Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2009, a carceragem foi fechada em 2012, o que solucionou uma questão pontual, mas não, vale lembrar, a estrutural.
Podemos citar também o caso da adolescente de 15 anos que foi mantida presa por 26 dias em uma cela com 30 homens no Pará em 2007. Outro caso emblemático: em 2012, seis membros do Conselho de Direitos Humanos da Paraíba, após uma vistoria na penitenciária de segurança máxima Dr. Romeu Gonçalves Abrantes, em João Pessoa, foram impedidos de deixar o local pelas autoridades militares, visto que haviam registrado em fotos a situação degradante a que os detentos eram submetidos. Como esses, são diversos os exemplos de violação de direitos dos internos nos presídios brasileiros, desde a dificuldade para receber visitas de amigos e familiares até o recebimento de alimentação imprópria para consumo, além de agressões que, não poucas vezes, levam à morte dos detentos.
Pelo exposto, podemos concluir que esta “crise” não é uma exclusividade do Maranhão e não teve início em outubro de 2013. Coloco o termo “crise” entre aspas porque considero que não estamos propriamente diante de uma crise, mas que se trata de um modus operandi que está umbilicalmente ligado à própria existência do Estado Penal nos países periféricos (e não apenas no Brasil). Mas retornemos à situação concreta.
Após as denúncias de arbitrariedades e violações de direitos nos presídios do Maranhão, condenadas por diversas organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a OEA, além da Anistia Internacional e da Humans Rights Watch, o governo federal foi instado a agir, e para isso enviou, ainda em dezembro do ano passado, a Força Nacional de Segurança (FNS) para os presídios maranhenses. Inicialmente a tropa federal deveria ficar no estado até o dia 25 do mesmo mês, mas a sua presença foi prorrogada até pelo menos o dia 23 de fevereiro de 2014. A presença da FSN, entretanto, parece manter a mesma lógica de violência e violação de direitos nos presídios, o que se comprova pelas recentes denúncias, feitas pelos detentos maranhenses, de agressões por parte dos agentes federais: “Desde que a Força Nacional chegou a gente vem sendo agredido. Eles estão atirando na gente direto com bala de borracha. Tratam a gente feito animais. Mais de 20 pessoas já foram baleadas. Vieram só para maltratar.”
Fica evidente a quantidade de dados e denúncias acerca da pavorosa situação em que se encontra (e sempre se encontrou) o sistema prisional brasileiro. E mesmo assim os atuais gestores do governo federal, que aí estão há onze anos, em lugar de mudar o paradigma da segurança pública e iniciar (ou ao menos tentar iniciar) o desmonte do Estado Penal, patrocina o seu contínuo crescimento, como percebemos tanto pelo aumento da população carcerária brasileira de 2003 a 2012, como pela recente decisão da Presidência da República de relaxar as normas de licitação para a construção de novos presídios – que, se por um lado ajuda a diminuir o déficit de vagas no sistema prisional do país, por outro, ao ser feito sem debate, garante uma danosa ampliação do punitivismo. Assim, podemos constatar com facilidade onde reside o cinismo no mal-estar da ministra e a preocupação do governo Dilma. Deveriam, em lugar de fazer lamentações hipócritas, lembrar as lições do criminólogo estadunidense Clarence Ray Jeffery: “Mais leis, mais penas, mais policiais, mais juízes, mais prisões, significa mais presos, porém não necessariamente menos delitos”.