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Matheus Rodrigues Gonçalves

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Não passarão!

Um espectro assombra o Brasil: o espectro do AI-5

Matheus Rodrigues Gonçalves - Publicado: Sexta, 13 Dezembro 2013 18:00

O dia 13 de dezembro de 2013 marca os 45 anos da decretação do famigerado Ato Institucional nº 5. Dentre outras medidas, o AI-5 suspendeu a previsão de habeas corpus em casos de crimes políticos, autorizou o fechamento do Congresso Nacional pelo Presidente da República, estabeleceu a liberdade vigiada e a proibição de frequentar determinados lugares, e a proibição de atividades ou manifestações sobre assuntos de natureza política. 


O AI-5 foi, acima de tudo, uma resposta do governo ditatorial às manifestações de resistência ao terrorismo de Estado que desde 1964, e, em especial, desde o assassinato do estudante Edson Luis, em 28 de março de 1968, irrompiam nas ruas do país.

O AI-5 foi oficialmente revogado em 13 de outubro de 1978, através da Emenda Constitucional nº 11. Entretanto, à luz do que vem ocorrendo no Brasil desde o princípio da chamada “redemocratização”, e em especial a partir das manifestações de junho de 2013, é oportuno que nos perguntemos: terá sido o AI-5 de fato extinto, ou seu espectro continua a rondar a sociedade brasileira?

A professora estadunidense Katrhyn Sikkink, da Universidade de Minnesota, ao estudar mais de cem casos de transição entre um regime autoritário e um regime democrático, chegou à conclusão de que aqueles países que não procederam com a responsabilização dos agentes do Estado responsáveis por violações de direitos humanos hoje sofrem mais com a violência institucional, se comparados com os países que fizeram as devidas responsabilizações.

O Brasil, lamentavelmente, encontra-se entra aqueles que estão longe de concluir a transição da ditadura para a democracia. Longe no que tange à busca pela memória e pela verdade, muito prejudicada pela instalação de uma Comissão da Verdade que já nasceu castrada, com poucos membros, pouco tempo de funcionamento e um período demasiado longo (42 anos!) a ser investigado, sem orçamento próprio e, o que é pior: extremamente antidemocrática, que realiza sessões fechadas e promove reuniões secretas com a cúpula das Forças Armadas, e que não dialoga com os movimentos de direitos humanos, em especial com os familiares de mortos e desaparecidos políticos. Também longe no que tange à busca pelos restos mortais dos desaparecidos. Essa letargia na busca, aliás, rendeu uma denúncia, pelo Ministério Público Federal (MPF), contra a Ministra da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, acusada de omissão e negligência na questão.

Além disso, é de extrema importância citar a questão das responsabilizações. O Estado brasileiro vem se negando sistematicamente a responsabilizar os agentes da ditadura responsáveis por violações de direitos humanos no período de 1964 a 1985. E esta recusa vem da parte tanto do Poder Judiciário, que, através do Supremo Tribunal Federal (STF), optou por não dar nova interpretação à Lei 6683/79 (Lei de Anistia); do Poder Legislativo, que engavetou o projeto da deputada Luiza Erundina que reinterpretaria a Lei de Anistia; e do Poder Executivo, que não apenas se posicionou no STF, através da Advocacia Geral da União (AGU), contra a revisão da Lei 6683/79, como vem se negando a pautar a questão e a apoiar o movimento pela revisão.

Atualmente está em curso na 9ª Vara Criminal de São Paulo um processo movido pelo MPF contra o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ulstra e os ex-delegados do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Carlos Alberto Augusto (conhecido como Carlinhos Metralha) e Alcides Singillo, pelo sequestro de Edgar de Aquino Duarte, desaparecido desde 1971. Embora o processo ainda esteja em fase inicial, a observação das decisões já tomadas pelas cortes brasileiras em casos semelhantes não permite, infelizmente, que tenhamos muita esperança.

Essa transição incompleta, e principalmente o triunfo da lógica da não responsabilização, são fatores essenciais caso queiramos entender (e combater) a violência estatal dos dias de hoje. Não responsabilizar os agentes do Estado responsáveis por violações de direitos na ditadura significa dizer aos agentes estatais que violam direitos hoje: vão em frente, continuem; nada vai lhes acontecer. É a continuidade dessa lógica que permite o surgimento de políticas como a “gratificação faroeste” instituída no governo de Marcello Alencar no Rio de Janeiro para premiar com bonificações monetárias os policiais que apresentassem maiores índices de letalidade contra “bandidos”. O Secretário de Segurança à época da instituição das “gratificações faroeste”, aliás, era ninguém menos que o general Nilton Cerqueira, notório agente da ditadura, responsável pelas mais diversas violações de direitos humanos entre 1964 e 1985.

É essa lógica da não responsabilização que legitima e fomenta as recorrentes chacinas perpetradas por policiais nas periferias brasileiras (que abrigam os “outros”, os novos inimigos a serem caçados), o absurdo aumento dos “autos de resistência” (mecanismo criado para acobertar as execuções sumárias praticadas por agentes do Estado), o preocupante aumento dos índices de desaparecimento forçado, a recorrente prática de tortura em delegacias e presídios.

Um espectro assombra o Brasil: o espectro do AI-5. E, com o advento das manifestações que tomaram as ruas do país em junho de 2013, esse espectro ganhou fôlego. A estratégia é incutir o medo na sociedade. E, para isso, vale tudo: desde a brutal violência policial até a criação de uma nova lei penal especialmente para enquadrar manifestantes, passando pelas prisões arbitrárias e pelos flagrantes forjados. A isso devemos somar três medidas estabelecidas no âmbito do estado do Rio de Janeiro, sintomáticas do tempo em que vivemos.

Para supostamente prevenir a ocorrência de arrastões, o governador Sergio Cabral determinou que o policiamento nas praias cariocas contasse com o reforço de nada menos que o Batalhão de Choque da Polícia Militar. Uma curiosidade histórica: o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro foi criado em 24 de julho de 1968, apenas um mês após a realização da Passeata dos Cem Mil e cinco meses antes da decretação do AI-5, tendo como missão precípua o “controle de distúrbios civis”.

O governo do Rio também determinou, supostamente para evitar arrastões, que os ônibus vindos das zonas periféricas devem ser revistados pela polícia. Ora, creio que não seja preciso lembrar quais serão as características físicas e sociais dos abordados. Se essas medidas ajudarão no combate ao crime? É duvidoso. Se incutirão o medo? Certamente.

Por último, mas não menos importante, cabe lembrar a condenação a cinco anos e dez meses de prisão, em regime fechado, de um catador de material reciclável, morador de rua, pelo crime de portar uma garrafa plástica de água sanitária e outra de desinfetante em um dia de manifestação no Rio de Janeiro. Preso, foi acusado de portar material explosivo, e por isso condenado.

Vivemos tempos difíceis, onde o poder estabelecido tem um único objetivo: impor o medo, impedir mudanças. É o espírito de 1968, o espectro do AI-5, que continua a rondar o Brasil. Nesse contexto, a luta pela efetivação de direitos deve ser potencializada. Quanto mais a violência e o terror de Estado avançarem, mais forte devemos bradar: não passarão!


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