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ngelo Pineda

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Fundamentos do nojo

A morte catalã do federalismo

ngelo Pineda - Publicado: Sexta, 02 Julho 2010 02:00

Ângelo Pineda

Na parede lateral dum prédio de escritórios em Calton Road, Edimburgo; topei com um grande mural que rezava: “Odeio-te, mas apenas porque me obrigas a odiar-te”.


É um absoluto mistério para mim a origem e o motivo da gigantesca inscrição. Mas a frase tem um senso compreensível, também no campo da política. Para mim foi inevitável pensar na nossa realidade periférica e, muito especialmente, na Catalunha.

Como comentei neste mesmo lugar, um estudo da UOC do ano passado oferecia uns resultados curiosos no que se refere às motivações de catalães e catalãs para defenderem a independência do país. Os clássicos fundamentos românticos baseados na língua, na história ou na cultura diferenciada estavam deixando passo de maneira significativa a um independentismo baseado no puro e simples “cansaço”. Esse “cansaço” não era exclusivo da população “aborígene” catalã, senão que era sentido também por aquelas facções da classe trabalhadora oriundas de Castela ou de Andaluzia e incorporadas a Catalunha pelas migrações de mediados do século passado. Facções que até a altura se vinham considerando um bastião do espanholismo no Principado.

Mas cansaço de quê? Em realidade chega com seguir de maneira mais ou menos constante qualquer meio de comunicação de massas espanhol, não importa a sua inclinação ideológica, para descobrir - quando menos!- quatro insultos diários dirigidos a Catalunha como coletividade humana proferidos pela linha editorial de dito meio ou por algum dos agentes mais relevantes da política espanhola. Isto é assim, façam o experimento. Os motivos destes insultos são geralmente a reivindicação dum maior autogoverno ou as que se referem à expressão da singularidade catalã e que racham com a fantasia castiça duma Espanha monolítica dos Pirineus ao campo de Gibraltar. Sobre isto último, pouco a dizer: o chauvinismo espanhol lamentavelmente está criando uma raça de monstros. Sobre a questão do autogoverno, nos termos nos que se defende na atualidade pela maioria de forças políticas catalãs, este não implica a independência; senão a delimitação das competências autonômicas e a correição do abuso fiscal ao que é submetida Catalunha – e o País Valenciano e as Baleares- e que não tem outro objeto que o de manter as maiorias absolutas do PSOE em Andaluzia e Estremadura, e a do PP na Galiza. Não é casual que seja a representação institucional destes territórios os que façam bandeira da “solidariedade inter-regional” contra o egoísmo catalão.

O estatuto da Catalunha é um fantástico exemplo. O espólio fiscal de Catalunha é uma prática que afeta de maneira sinalada à classe trabalhadora. Mas não só. Também à capacidade de investimento privado e de despesa pública das instituições autonômicas. É apenas isto último o que moveu às forças políticas do país entre elas, a hegemônica sucursal do PSOE, a impulsar em 2004 a reforma estatutária: um texto pouco ambicioso que não rachava em nenhum caso a legalidade espanhola, mas que intentava blindar as competências da autonomia catalã, fixar o financiamento destas e estabelecer um quadro bilateral de negociação com o estado. O governo espanhol já recortou o texto com CiU. O parlamento da Espanha já filtrou o contido do documento violando a promessa do sorridente Zapatero de respeitar o estatuto aprovado pela câmara catalã. Seis anos mais tarde, no meio da alienação coletiva do mundial de futebol da África do Sul, os magistrados do Tribunal Constitucional cuja função é a de exercer de correia de transmissão dos principais partidos espanhóis no campo judiciário, carregam-se 14 artigos do que queda daquele estatuto aprovado em 2005 e reinterpreta de maneira regressiva 27. Que significa isto? Pois que Espanha está a dizer a Catalunha: «senhores e senhoras, até a altura, o nível de autogoverno catalão fixava-se por consenso entre as elites; mas vocês não só chegaram ao limite do que podemos tolerar, senão que já o ultrapassaram nestes 30 anos de democracia». Incluso um fato simbólico como o reconhecimento da Catalunha como nação é objeto duma dura reinterpretação por parte do Tribunal num senso carpetovetônico. Claro, Catalunha é uma “nacionalidade histórica”, são coisas muito diferentes. Todo o mundo sabe que o termo “nacionalidade” deriva-se da palavra “gim-tônica”.

O triste do assunto é que a mídia espanhola já está enganando a gente expondo que o recorte é insignificante e que Catalunha deve ficar contenta com o resultado. O bom é que na Catalunha já não enganam a ninguém. Os galegos e as galegas deveríamos somar-nos à população catalã e despedir-nos de essa simpática espécie sáuria que se desenvolve nos ecossistemas periféricos conhecida pelo nome de “federalistas”. Digamos-lhe adeus sem demasiada tristeza. O dilema agora é entre duas possibilidades: o que há ou a independência. Não há soluções intermédias: Espanha deixa claro que não existem.

Aliás Catalunha, à que se define como desiludida da política, está a viver de maneira paradoxal uma das maiores politizações sociais da sua história recente. Ignorando a reação histérica do espanholismo, até com ameaças de intervenção militar por parte do Grupo de Estudos Estratégicos (lobby ligado ao PP), está organizando a grande mobilização das consultas populares alentada, como afirmo, nessa mesma reação hostil. É assim que um espanholista catalão, o deputado Durán i Lleida, queixava-se desapontado numa entrevista: «Não é apenas a independência que motiva muita gente a acudir a essas urnas, há também uma saturação pela reação de certos meios de comunicação e políticos face Catalunha, e um signo de desafeição política e de cansaço de que a política não dá resposta aos problemas reais da gente (...).  Por vezes há mais separadores em Espanha que separatistas na Catalunha».

É que volvendo à frase que vim escrita nesse muro duma rua edimburguesa, daquela não pude mais do que lembrar uma frase muito semelhante pronunciada pelo grande pensador catalão meridional Joan Fuster: «Odeias-me e isso não tem importância. Porém obrigas-me a odiar-te, e isso sim que a tem».


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