O aumento do consumo da faixa de trabalhadores que ganham entre três e cinco salários mínimos estimulou estudos sobre a mobilidade social no Brasil. Existem dois campos neste debate. Aqueles que consideram suficiente a apreciação de uma variável, o aumento no consumo, para considerar que ocorreu durante os governos liderados pelo PT, desde 2003, o surgimento de nova classe média. E aqueles que argumentam que este critério é insatisfatório.
Na verdade, a desigualdade social brasileira não só não foi atenuada como aumentou, quando comparada com a situação ao final dos anos 80, ainda que o país esteja menos pobre. Menos pobreza, em termos absolutos, não deveria ser aceito como sinônimo de menos injustiça. O capitalismo já elevou o padrão de vida material das massas em fase anteriores da urbanização, como durante a ditadura militar nos anos setenta e, também, de outras sociedades em outras etapas históricas, sem que deixasse de ser um sistema que, na longa duração, mantém a ampliação da desigualdade social.
As políticas sociais compensatórias foram eficazes na redução da extrema miséria, mas são insuficientes para garantir uma desigualdade social menor. Alguns acreditam que o crescimento sustentado, diminuindo o desemprego, e elevando o salário médio, poderia garantir maior mobilidade social.
A longa estagnação do capitalismo periférico e os limites das políticas compensatórias
Entre meados de 2004 e meados de 2008, sob o benefício de quatro anos de recuperação econômica, ocorreu uma redução da chamada pobreza extrema, pela confluência de uma elevação do salário mínimo acima da inflação, diminuição do desemprego, ampliação da inclusão à previdência social e a expansão dos benefícios das políticas públicas compensatórias, favorecendo a acessibilidade ao crédito e, portanto, potencializando o consumo. Essa evolução alimentou a ilusão de que o Brasil – um país com uma inserção periférica no mercado mundial – poderia estar vivendo o início de uma etapa de maior mobilidade social.
No entanto, essa dinâmica foi interrompida pelo impacto da crise mundial de 2008/2009. A distribuição funcional da renda confirma que, em 2010, a parcela do trabalho sobre a renda nacional ainda permanece inferior à de 1990. A parcela do trabalho na renda nacional era, em 1990, depois de uma década de intensa mobilização operária e popular, somente de 45,4%. Não obstante, ainda piorou e caiu abaixo de 40%, entre 2003 e 2004. É interessante que tenha se recuperado, desde então, mas tão lentamente que atingiu 41,7% somente em 2008.
O crescimento econômico, a partir do segundo semestre de 2009, incentivou uma retomada de contratações e elevou, outra vez, o consumo, porém, dependeu de circunstâncias externas que podem não ser sustentáveis. De qualquer forma, a economia brasileira teria que crescer nos próximos anos pelo menos 5% ao ano, sem pressões inflacionárias, para que se pudesse superar uma participação do trabalho na renda nacional equivalente à de 1990. No intervalo de mais uma geração, o Brasil não ficou menos injusto, somente menos miserável (1).
A diferença entre o salário médio das ocupações que exigem baixa escolaridade e as de escolaridade intermediária e superior veio diminuindo nos últimos trinta anos. O crescente desalento da classe média sugere que as recompensas materiais pelo aumento da escolaridade já não compensariam os sacrifícios para garantir uma escolaridade superior.
Uma longa estagnação desde 1980
As taxas de mobilidade social absoluta e relativa diminuíram, se compararmos o período histórico 1980/2010 com o período anterior, 1930/1980. Durante meio século, entre 1930 e 1980, o Brasil conheceu uma mobilidade social absoluta significativa em relação à situação atual. Esse processo foi possível em função da acelerada urbanização que permitia a absorção massiva de mão-de-obra de origem rural pela indústria.
Mesmo quando deslocada dos interiores para as periferias e favelas urbanas, as massas populares melhoravam as suas condições de existência. Esta dinâmica histórica entre os anos 1930/80 é chave para compreendermos a crise atual, porque foi excepcional. O padrão histórico dominante na história do Brasil antes de 1930 foi outro.
O Brasil agrário era uma sociedade de desenvolvimento econômico lento, grande rigidez social e espantosa inércia política. Durante muitas gerações os antepassados da maioria esmagadora do povo brasileiro foram vítimas da imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho (2). Os que nasciam filhos de escravos não tinham muitas esperanças sobre qual seria o seu destino. Os filhos dos sapateiros já sabiam que seriam sapateiros. Os filhos dos médicos, ou engenheiros, ou advogados, mesmo se não tivessem propriedades, poderiam, em contrapartida, aspirar uma ascensão aos meios burgueses.
No entanto, a memória histórica de mobilidade social que o período 1930/80 deixou como repertório cultural de experiência permanece viva na mentalidade da geração adulta atual. É compreensível que ainda seja poderosa a expectativa de que sejam possíveis, mesmo nos limites do capitalismo, reformas distribuidoras de renda sem conflitos sociais agudos. Não deveria surpreender, portanto, que as esperanças reformistas – a expectativa, incontáveis vezes frustrada, mas renovada, de uma concertação social que garanta pleno emprego, reforma agrária, aumento da escolaridade com expansão da rede pública, elevação do salário médio etc. – sejam tão resistentes.
Mas quase concluídos os três primeiros anos do mandato de Dilma Roussef os indicadores macro econômicos são decepcionantes. A pressão do mercado mundial sobre o capitalismo brasileiro tem sido devastadora. A recessão mundial estabeleceu os limites de um crescimento médio anula anêmico, inferior a 3% ao ano.
O que as Jornadas de Junho demonstraram de forma inequívoca é que uma parcela importante da juventude assalariada, a mais escolarizada da história do Brasil, começou a perder a esperança de que a vida vai melhorar sem luta. As esperanças reformistas começaram a morrer. Esta transformação na mentalidade de milhões de jovens mais educados, mas condenados aos baixos salários e a trabalhos precários é o fermento que permitirá a aceleração da reorganização dos movimentos operários, sindicais e populares.
Notas:
(1) Em 2006, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) de 2,370 trilhões de reais equivaleu a R$12.688,00 em média per capita. O conjunto dos trabalhadores absorveu 40,9% do total, enquanto os proprietários apropriaram-se de 43,8%. A parte restante (15,3%) refere-se aos impostos arrecadados pelo Estado. Mais dados disponíveis no site do IPEA:
(2) Para maior informação o insubstituível capítulo: Da escravidão ao trabalho livre, in Da monarquia à República, momentos decisivos. Viotti da Costa, Emília. São Paulo, Brasiliense, 4ª edição, 1987, p. 240.