Não fazê-lo significa dizer: "Vão em frente. Continue torturando e assassinando, nada vai lhes acontecer".
Mas, verdade seja dita, mandá-los para a cadeia não vai resolver nada. Pelo contrário: para além do fato de abrandar as cobranças da sociedade por justiça ("os criminosos foram punidos, agora tudo está bem"), jogá-los na prisão servirá apenas para legitimar e fortalecer um instrumento que é historicamente utilizado para promover a criminalização da pobreza. Prova deste uso é o fato de que cerca de 70% da população carcerária brasileira é de pessoas com, no máximo, o ensino fundamental concluído, e que 71,2% dos presos são indivíduos incriminados por crimes patrimoniais ou tráfico de entorpecentes (sendo 240 mil apenas por furto, roubo e estelionato). Estaríamos, portanto, investindo no instrumento por excelência dos donos do poder para se manterem como tal.
O que fazer, então, para evitar que Amarildos sigam desaparecendo? O ponto principal é promover um novo modelo de segurança pública, que privilegie a inteligência em detrimento do enfrentamento, que abandone de uma vez por todas o militarismo e a lógica da criminalização da pobreza, que promova direitos em vez de cerceá-los. Que veja o outro como uma possibilidade e não mais como uma ameaça, como certa vez disse o escritor uruguaio Eduardo Galeano. E neste novo modelo de segurança, é preciso dizer, não cabem a Polícia Militar (PM) ou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), instrumentos fundamentais para a concretização da nefasta militarização da vida e das relações sociais: nas favelas onde há UPPs instaladas, o que se vê é a PM cumprindo o papel de único mediador entre a população e o Estado; todo e qualquer evento promovido nas comunidades, por exemplo, desde festas infantis até bailes funk, precisam receber autorização do comandante da UPP local para que possam acontecer.
Neste sentido, é preciso lembrar que todos aqueles que, em nível municipal, estadual ou federal, trabalham no sentido de sustentar a lógica de militarização, seja através do fortalecimento da Polícia Militar ou da legitimação das UPPs, têm uma parcela de responsabilidade no desaparecimento de Amarildo e de tantos outros, bem como nas arbitrariedades e violações de direitos cometidas pela polícia (através das UPPs ou não) nas favelas e no asfalto.
Vale ressaltar que, em uma nova lógica de segurança pública, também não cabem polícias militarizadas. Mas o que é uma "polícia militarizada"? O objetivo desta expressão é lembrar que o processo de militarização abrange não apenas a PM, mas toda a segurança pública, incluindo a Polícia Civil (PC) e a Guarda Municipal. Prova disso são as ações da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da PC nas favelas, como a que assassinou Marcio José Sabino Pereira, o Matemático, e as da Guarda Municipal contra vendedores ambulantes e pessoas em situação de rua: todas altamente hierarquizadas e extremamente violentas. O processo de desmilitarização deve, portanto, ser amplo, abarcando todo o conjunto das corporações e das políticas de segurança pública.
Não clamemos, pois, por mais prisões e por mais polícia. Um Município, Estado ou país seguro é aquele que garante direitos, e não o que prende mais ou que coloca mais policiais nas ruas. Lutemos para subverter toda esta nociva lógica de segurança pública hoje em vigor, que prende, tortura, assassina e desaparece livremente. Lutemos pela instauração de uma era de plenos direitos que, se não são garantidos apenas pela desmilitarização (e não o são), são impossíveis sem ela.
11 de outubro de 2013.