Em parte como militante do futebol, em parte como jornalista, outra como estudioso e por fim enquanto adversário clubístico ciente de que se tratava de um momento histórico.
Não pretendo aqui entrar em méritos sobre o que avançou ou não, ou do que estaria por trás da deposição dos Guimarães, num momento em que se tem tanto "cachorro grande" interessado em comandar os grandes clubes brasileiros. Ainda mais em tempos de Arenas, onde os clubes são mais clientes do que parceiros daquelas praças de caríssima operação. Até porque esse momento histórico ainda não se concluiu e muita água vai rolar.
Digo isso porque mesmo num clube vitorioso num período recente, como o Fluminense da Unimed, já começou a se desmoronar diante de irregularides. Entenda caro torcedor e torcedora: no Brasil, especialmente, pouca coisa acontece por acaso, e o vencedor dessas batalhas vão aparecer lá na frente, no comando desses clubes. Ninguém é santo nas engrenagens da bola.
Mas de antemão, é possível afirmar que a pressão da torcida do Bahia teve sim o seu papel. Já dura quase 10 anos essa "campanha", que embolou e ganhou força para resultar na primeira eleição direta da história do clube, com uma significativa reforma estatutária. É disso que se trata o momento, do lado de cá do debate.
Veja bem. Lá no meu Vitória, em 2006, quando fomos parar na Serie C e mudamos de diretoria depois de cerca de 15 anos, a primeira promessa foi a democratização da instituição. A gente, confiante, se associou e passou a debater o clube e suas estruturas.
Por duas eleições seguidas fomos tratorados, alguns inclusive impedidos de acessar o Barradão para a votação, e o presidente foi eleito "por aclamação". Isso mesmo: o conselho bateu palmas e estava lá o rei posto.
Provavelmente não somos o único caso no Brasil. Na realidade, possivelmente somos poucos o que passaram por isso, porque a grande maioria dos clubes brasileiros, de qualquer dimensão estrutural, funciona como verdadeiros feudos. Aqueles que possuem um conselho estão repletos de nomes suspeitos, e funcionando na base do favor e de articulações suspeitas.
Apontamentos institucionais?
Após a experiência do tricolor baiano, a ex-prefeita de Salvador e hoje no Senado pelo PSB, Lídice da Mata, elogiou o processo democrático no clube e já se prontificou a apoiar uma lei que versa exatamente sobre esse tema: democratização dos clubes brasileiros e a falta de limites para mandatos de dirigentes.
No site da Agência Senado segue a explicação: "Como caminho para evitar esse tipo de prática, a senadora apontou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 253/2012, do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que impõe limites à reeleição de dirigentes esportivos. A senadora foi relatora do projeto na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), onde o texto foi aprovado em decisão terminativa. Se até a próxima sexta-feira (13) não houver recurso para tramitação em plenário, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados".
A verdade é que Lídice da Mata e o PSB nunca tiveram grande envolvimento com o futebol, ou qualquer interesse em defender o que os diversos movimentos de torcida estão pautando nos últimos anos. Não obstante, o deputado e ex-jogador Romário, que se destacou recentemente por exigir transparência da CBF, se desfiliou da legenda por “falta de apoio aos projetos”.
O PSDB muito menos. Foi o partido que comandou as principais reformas pró-mercado no futebol brasileiro. Basta retomar a Lei Zico (1993) Lei Pelé (1998), que não tem esses nomes por acaso, e como aproximou ninguém menos que Juca Kfouri para essa empreitada.
Essas duas leis em destaque são cruciais para entender porque a democratização dos clubes não foi um assunto tratado com seriedade em outros tempos. Duas leis em momentos diferentes que reforçavam as reformas mercantilizadoras do futebol, mas que tinham problemas com a tal Bancada da Bola.
Em primeiro lugar, ao que parece, se concluiu no Brasil um ciclo de desperdício de tempo e de debates. Enquanto em todo o mundo se propagandeava a importância da formação de clube-empresa (com proprietários, sócios e capital aberto), no Brasil as poucas experiências fracassaram de forma desastrosas, e foram retomadas as associações como eram anteriormente.
Não coincidentemente, o próprio Bahia dos Guimarães foi a segunda experiência local de Clube S.A, numa parceria com o grupo Opportunity. A primeira foi o Vitória em parceria com o grupo argentino Exxel. [Sobre esse tema vale a pena pesquisar pelo documentário Desatando Nós, de Luciana Queiroz e Roberto Studart, com idealização de Priscilla Andreata].
Quando as Leis pareciam uma “resposta” de uma suposta “ala progressista” da inteligentsia nacional do futebol aos desmandos dos cartolas, ela foi na realidade mais uma forma interessante de ganhar mais dinheiro de forma suspeita. Entrou água no chopp de quem realmente acreditou que isso daria certo.
A verdade é que ainda assim muitos clubes brasileiros parecem funcionar como empresas, ou como departamentos privados de outras empresas. O próprio caso do Fluminense/Unimed é estarrecedor se pensarmos que a remuneração do vice-presidente do clube era bancada pela empresa. Chega-se a um momento onde não se sabe mais o que é de quem daquele patrimônio, e duvida-se quantas outras experiências funcionaram da mesma forma.
Aqui vive a grande encruzilhada. Com o sucesso mercadológico do modelo inglês, com uma quantidade impressionante de “investidores” vindo de todo o canto do mundo para comprar os clubes locais, derramando bilhões e mais bilhões no futebol, o resto do mundo apontava que era para o qual devia se espelhar. Só faltavam dizer que o resultado para os torcedores foi simplesmente desastroso, sendo expulsos de estádios pela força desse mesmo dinheiro.
No Brasil, ao invés de acabar com os feudos clubísticos através da lei democratizando-os, como parece ser a proposta de Lídice da Mata, a ideia foi privatizar os clubes, acabando com qualquer possibilidade de reforma estatutária que ampliasse a participação política dos torcedores na instituição. Uma reforma para piorar, ou apenas para mudar os cartolas por executivos engravatados. Daria no mesmo, e acabou dando no mesmo.
Seguir caminhando
Há algum tempo o primeiro passo foi dado: organizar os torcedores, colocá-los na responsabilidade de pensar o clube com parte de sua vida, o que consequentemente levava ao direito (e ao dever também) de intervir politicamente neles. Praticamente todos os grandes e médios clubes brasileiros já passaram por esses processos, em que pesem algumas derrotas.
O novo passo agora é pensar o que queremos do futebol brasileiro na hora que esse espaço for conquistado. Serão torcedores discutindo o que querem para eles mesmos. Com certeza resposta será muito, mas muito distante das dadas hoje: proibição de cerveja, de bandeiras, de instrumentos e mesmo de manifestações políticas.
O Bahia pode não ser o exemplo que usaremos no futuro, mas com certeza já é um exemplo para o tempo atual, tão complexo e rodeado de toda sorte de especuladores, que tiveram como único resultado um futebol cada vez mais chato, mal jogado, pouco assistido e estádios vazios.
Assim como o caso do Bahia, vem se abrindo no futebol uma ampla gama de experiências pedagógicas para um país tão acostumado, como afirma um amigo sociólogo, “à lógica do pacto conciliatório do poder”, onde tudo se discute na superfície da pequena política e onde se mexe apenas no que nada muda.