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Joycemar Tejo

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Elogio da dialética

O Estado Policial mostra suas garras

Joycemar Tejo - Publicado: Quinta, 12 Setembro 2013 21:26

Tenho apontado aqui no Diário Liberdade o evidente descompasso entre a teoria constitucional e a realidade cotidiana. Direitos fundamentais que são desprezados, princípios jogados na lata de lixo e assim por diante.


 As polianas podem considerar exagerado, mas o recrudescimento da sanha punitiva do Estado cresce a olhos vistos. Temos novo exemplo disso na prisão -preventiva!- dos administradores da página dos Black Blocs no Facebook (1). Reparem, "preventiva". É uma prisão de exceção: o sujeito não foi condenado criminalmente. Por ser excepcional, deve ser usada com o máximo de cautela possível, caso contrário se estará violando o princípio constitucional da não-culpabilidade (2). Qual é a acusação aqui? Formação de quadrilha armada. As armas, no caso, "artefatos perfurantes" encontrados na residência dos sujeitos. Perigosíssimo: alguém pode furar o dedo, afinal. Levando em conta a inconsistência da acusação, salta aos olhos o caráter político da repressão.

Não se trata de endossar o método dos Black Blocs. O capitalismo não cairá graças a uma pedrada na vidraça de um banco qualquer. A revolta é legítima, mas, se não for bem direcionada, se esgota em si mesma, podendo chegar às raias do martírio (que fica bem em religiosos, mas não em revolucionários), em face da discutível utilidade do confronto direto, diante de forças de repressão armadas e treinadas (3). Coisa diferente é a autodefesa, imprescindível nas manifestações de rua (4). O que precisamos é de um longo, e paciente, trabalho junto às massas; não há soluções imediatas para o capitalismo. Sobretudo é fundamental organização, e quando o Black Bloc ecoa o "sem partido!", adquire caráter despolitizador e deseducador.

Do Black Bloc aos petistas. Também no julgamento da AP 470 vimos como Joaquim Barbosa descarregou sua "ira sagrada", para delírio de Merval Pereira e da grande mídia, sobre os mensaleiros, penas duríssimas à base de presunções e indícios, satisfazendo o apelo do senso comum da classe média por "moralidade". É sintomático que, na grande geleia geral que foram os protestos de junho, a direita organizada encampasse palavras de ordem do naipe "contra a PEC 37!" (isto é, endossando o caráter policialesco do Ministério Público) e "Joaquim Barbosa presidente!"; daí para "pela volta dos militares!", como vimos em alguns lugares, é um pulo.

Da mesma forma, não se trata de apoiar "mensaleiro" (a propósito, não tenho ouvido falar do mensalão tucano; rapidez num caso, lentidão no outro, e as polianas que se deixem seduzir pelo discurso "implacável" contra a corrupção). Trata-se, isso sim, de repudiar os ataques desferidos, com o aval da grande mídia, aos direitos e garantias fundamentais mais caros ao Estado Democrático de Direito. Manuais de Direito Penal e Processual Penal têm sido rasgados no STF. Recursos do próprio réu que agravam sua pena, violando a vedação da reformatio in pejus, aplicação de leis mais graves posteriores, violando o princípio da anterioridade e por aí vai. Tudo para inglês ver: mostrar que o Brasil não tolera mais "mensaleiros". E eis as máscaras de Joaquim Barbosa fazendo sucesso nos carnavais. Joaquim para presidente!

Ah, por falar em máscaras. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, agora mesmo, aprovou projeto de lei, de autoria dos nefastos Paulo Melo e Domingos Brazão, ambos do PMDB, proibindo manifestantes mascarados nas ruas (5). Nova violação às liberdades individuais. Além de ser medida inútil: desde sempre a polícia pode pedir a qualquer indivíduo, mascarado ou não, que se identifique. Uma lei desse jaez apenas mostra, além do autoritarismo evidente, a deficiência técnica e jurídica de "nossa" assembleia legislativa. Há que apontar o detalhe tragicômico: os policiais militares que soltaram bombas sobre os manifestantes no Grito dos Excluídos, no dia 07/ 09, no Rio, estavam identificados apenas por números. Pau que dá em Chico não dá em Francisco.

Falei em Estado Democrático de Direito acima, e é preciso deixar claro: é o melhor que temos no momento, e não veio "de graça". Sangue foi derramado, e muito literalmente, ao longo de séculos, para que tenhamos hoje uma Constituição que fale em direitos e garantias fundamentais. Sabemos que o socialismo não virá através da lei (6). Mas a questão aqui é tão grave que estamos ainda tentando defender as conquistas liberais/ iluministas de fins do século XVIII. O Estado Policial, o Estado do Direito Penal Máximo, não se conforma sequer com essas conquistas. Quer que voltemos todos às trevas medievais, sob os auspícios das Inquisições sem direito a defesa.

Posto isso, é preciso que quem quer que se considere minimamente progressista se posicione. Desde já, é preciso exigir a libertação dos Black Blocs presos e o fim das detenções políticas. É preciso exigir a liberdade de manifestação e expressão, o que implica, no âmbito do Rio de Janeiro, no repúdio cabal ao projeto de lei citado acima. A desmilitarização da polícia. Há mais a reivindicar, muito mais, e a mera reivindicação não leva a nada, a não ser que sejamos ingênuos ou reformistas. Mas já é um começo, ainda mais quando percebemos a esquerda batendo cabeça nessas questões.

Notas

(1) Dentre outros: "Prisão em flagrante de Black Blocs no RJ é convertida em preventiva", http://glo.bo/1ap1nAk.

(2) Alexs Gonçalves Coelho, "Prisão preventiva: garantia da ordem pública e reiteração da prática criminosa" - http://bit.ly/1azL9EH.

(3) Fiz considerações sobre isso no seguinte post do meu blog pessoal: "Engels e a questão do voto", http://bit.ly/123RZLD.

(4) Lembremos, inclusive, que nas manifestações de rua em junho houve ataques físicos aos movimentos sociais e de esquerda, o que torna imperiosa a atenção para com a autodefesa. Em meu outro blog: "Fascismo e manifestações 'apartidárias'- não passarão!" - http://bit.ly/14pWYVW.

(5) "Assembleia do Rio aprova projeto que veta mascarados em protestos"- http://bit.ly/13IxbuA. Domingos Brazão, a propósito, é irmão de Chiquinho Brazão, também do PMDB, cuja indicação a presidente da CPI dos Ônibus, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, causou repulsa geral (http://glo.bo/19LIsiS).

(6) Como sustentavam os reformistas tipo Anton Merger, atacados por Engels e Kautsky em "O socialismo jurídico".


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