Dezenas de militantes foram agredidos, violentamente, e, para evitar um confronto físico que poderia ter sido muito mais grave, em condições imensamente desfavoráveis, porque os agressores fascistas eram apoiados por uma parcela da manifestação que gritava sem partido, sem partido, a esquerda decidiu se retirar da manifestação.
O que aconteceu foi uma tragédia. Militantes de todos os partidos estão revoltados e perplexos. Com razão, porque o que aconteceu foi terrível. Tivemos que enfrentar a repressão policial, incontáveis vezes, é verdade. Mas há décadas que não tínhamos que disputar o direito de marchar nas ruas contra os fascistas. A esquerda ocupou as ruas depois do final dos anos setenta, 35 anos atrás.
No entanto, é bom lembrar que não foi a primeira vez que os militantes, que hoje se organizam no PSTU, se viram obrigados a defender, vigorosamente, o direito de se apresentar publicamente com suas bandeiras. Por exemplo, em 1984, quando da campanha das Diretas Já, uma campanha de unidade na ação democrática contra o último governo da ditadura, que uniu os partidos da classe trabalhadora com partidos burgueses, como o então MDB de Tancredo, e o PDT, foi Brizola quem atacou o nosso direito de levantar uma faixa na Presidente Vargas, com a palavra de ordem Um dia de Greve Geral no 25 de Abril pelas diretas Já! Do palanque, diante de um milhão de pessoas, Brizola fez uma agitação para legitimar um ataque que levou a que a faixa fosse derrubada.
Na luta política pelos destinos da campanha das Diretas contra os partidos burgueses, Brizola, então governador do Rio, e um dos principais oradores do comício, queria impedir que as massas nas ruas vissem aquilo que os revolucionários não podiam dizer no palanque. Na luta pela democracia, usou os métodos mais antidemocráticos, próprios do que existe de mais podre: apoiou-se na autoridade que tinha para impedir que uma tendência minoritária no PT, a Convergência Socialista, pudesse apresentar a sua proposta. Não teve a honestidade política de confrontá-la com argumentos, mas, covardemente, à paulada.
Os símbolos são menos importantes que as ideias. É verdade. Não é uma questão de princípios levantar bandeiras em todos os atos. É uma escolha tática, portanto, em última análise, depende da relação de forças. Debaixo de uma ditadura não levantamos bandeiras, senão vamos presos. E só idiotas agem sem medir a consequência de seus atos. Não somos nem gente teimosa, nem obtusa. Mas há uma questão de princípios envolvida na polêmica sobre baixar ou não as bandeiras.
Queremos apresentar nossa opinião, com franqueza, para toda a esquerda e, em especial, para os mais jovens. Sabemos que têm dúvidas. É razoável ter dúvidas. Afinal, são milhares gritando sem partido e isso impressiona. Mas é bom saber que a luta política é quase sempre assim, difícil, porque é contra a maioria. Se fôssemos maioria, não seria difícil. Ser leninista, no centenário da publicação do livro O Que fazer?, é isso. Ter a compreensão que não podemos fugir da luta política contra as ilusões da juventude e dos trabalhadores. É uma luta contra a falsa consciência das massas.
Vamos ao ponto. Quando estamos diante de grandes mobilizações de massas, com milhares de pessoas, em condições de liberdades democráticas, em que não seremos presos pela polícia, não é somente um direito, mas, também, um dever dos socialistas levantarem as suas bandeiras. Muitos concordam conosco que é um direito, o direito elementar à liberdade de expressão, mas discordam que é um dever. Queremos explicar por que é um dever. Nossa opinião é que oportunismo não é levantar as bandeiras, mas o contrário, escondê-las.
Os revolucionários podem e devem usar os métodos conspirativos contra a polícia, os patrões e todos os inimigos para se proteger. Em condições adversas, entramos na clandestinidade, se necessário. Mas, ainda nessas condições extremamente difíceis, com as mediações de segurança necessárias, não escondemos quem somos e pelo que lutamos, diante dos ativistas. E o fazemos porque os socialistas têm o dever de não se esconder do proletariado.
O que nos faz agir assim é simples: a honestidade política nos obriga a dizer quem somos, e qual é o nosso programa. Sabemos que o proletariado não concorda com o projeto da revolução brasileira. Sabemos que hoje estamos em minoria. Mas só poderemos ser maioria, um dia, quando se abrir uma situação revolucionária, se tivermos a coerência e honradez de defender o programa enquanto formos, paciente, porém, corajosamente, uma minoria. Confiamos no proletariado e na sua vanguarda, porque é com eles que queremos fazer a revolução brasileira.
Confiamos nos trabalhadores. Até quando eles mesmos não confiam em si próprios. Queremos mudar o mundo, mas para isso é preciso mudar as pessoas. A luta política é uma luta educativa.
Somos honestos, e dizemos quem somos e pelo que lutamos. E isso não é fácil. Porque, a maior parte do tempo, defendemos ideias revolucionárias em situações políticas em que a maior parte dos trabalhadores não concorda conosco. Seria mais fácil nos adaptarmos, e dizer somente aquilo que a maioria, nas fábricas e escolas, quer ouvir, porque já concordam.
Queremos ser um instrumento de organização para que eles, trabalhadores e jovens, possam lutar e vencer contra o capitalismo. Não escondemos nossa identidade, não nos mascaramos atrás de siglas obscuras e mutantes, não apresentamos nossas ideias pela metade. Não queremos o apoio fácil, não queremos ser votados sem que os trabalhadores saibam em quem estão votando. Não somos oportunistas, somos honestos.
Não o fazemos porque queremos “aparecer”. Não somos uma marca que precisa de publicidade. Não estamos vendendo nada. Estamos defendendo um programa. Não somos surfistas das lutas, somos parte, lado a lado, dos agitadores e organizadores das lutas. Quem esteve nas greves e lutas dos últimos quarenta anos pode não concordar conosco, mas não pode negá-lo.
Nas passeatas da quinta, dia 20 de junho, estávamos defendendo uma faixa enorme com a proposta de estatização dos transportes, para garantir o passe livre. E tínhamos a obrigação de assiná-la como PSTU, porque não somos anônimos, não saímos mascarados. Saímos de rosto exposto, porque somos gente responsável e honesta. Qualquer um na manifestação tinha o direito de não concordar. Mas não tinha o direito de queimá-la, não tinha o direito de impedir que a apresentássemos publicamente. Quem defende que os socialistas não podem se expressar, na verdade, defende a nossa destruição, são os fascistas. Sabemos, evidentemente, que a maioria dos que gritavam atrás dos fascistas, sem partido, sem partido, não era de fascistas. Mas a posição que defenderam foi, na prática, a mesma, e isso merece ser discutido.
Muitos se perguntam se o PSTU não deveria ter baixado as bandeiras, já que a maioria pediu que as bandeiras fossem retiradas. Este argumento parece democrático. Mas não é. É super, hiper, mega-autoritário. Não era permitido partido? Quem decidiu? Quando decidiu? Houve algum debate? A maioria não tem o direito de impedir a minoria de se expressar. Porque, senão, teremos monolitismo da maioria, e ainda por cima, sem a possibilidade de reversão da posição majoritária, porque a minoria nunca poderá lutar para ser maioria. Sem liberdade, não haverá disputa de ideias. A disputa de ideias é a essência da liberdade. Um mundo melhor será um mundo mais livre e mais igualitário. Não haverá nunca liberdade entre desiguais. Mas não haverá igualdade sem liberdade.
Não haverá democracia no movimento sem a tolerância da maioria com a minoria. A maioria tem muitos direitos, mas não o de impedir a expressão da minoria. A maioria tem o direito de votar quais são as reivindicações, mas após um debate em que as minorias devem poder se expressar. A maioria tem o direito de decidir o que vai ser feito e quando vai ser feito, mas as minorias têm o direito de apresentarem propostas alternativas. Ninguém tem o direito de considerar que é infalível.
A maioria tem o direito de votar, por exemplo, que não se deve tolerar o vandalismo. A maioria tem o direito de impedir as depredações. A maioria tem o direito de impedir a destruição dos prédios públicos e impedir quem tentar agir de forma provocatória, o que só pode ajudar a legitimação da repressão. A maioria tem o direito de impedir as tentativas de invasão, como a do Palácio dos Bandeirantes em São Paulo e do Itamaraty em Brasília. Mas não tem o direito de queimar as faixas e símbolos das minorias que respeitam a vontade da maioria.
Alguns jovens argumentam que partido é tudo igual. Dizem que ninguém aguenta mais partido. Defendem que partidos são inúteis. Que toda a esquerda é igual ao PT. Atenção, que a desilusão com o PT tenha se transformado em desprezo é compreensível, mas não é verdade que todos os partidos sejam iguais, e muito menos que sejam inúteis. Há várias formas de organização na sociedade. Sindicatos devem representar categorias. Movimentos sociais representam a luta por um programa específico. O MPL luta contra o aumento das passagens, por um programa em defesa dos transportes públicos, pelo passe livre. O movimento estudantil luta pela defesa do ensino público. São lutas parciais. Para elaborar um programa para o Brasil precisamos de outro tipo de ferramenta de luta e representação.
Cada partido representa os interesses de cada uma das classes sociais em que se divide a nação. Há muitos partidos que defendem programas alternativos que respondem, quase todos eles, aos interesses da burguesia, porque ela é a classe dominante. No Brasil, em sua maioria, são máquinas eleitorais corrompidas. Corrompidas pelo financiamento dos caixas dois nas campanhas eleitorais, e pela manipulação das verbas públicas. Representam as poucas centenas de grandes corporações que elegem quase todos os deputados e senadores. Merecem ser repudiados. Até o PT se transformou em um partido da ordem do capital. Mas o problema não são os partidos, mas os capitalistas que os compraram. Não vamos mudar o Brasil se não derrotarmos o capitalismo.
Não há forma de defender um programa político que não seja a organização, ou seja, a união voluntária de militantes. Isso é um partido mesmo que não tenha nome de partido. Não precisa estar legalizado para que seja um partido. Há muitos grupos políticos na internet que são partidos. Somente evitam denominar-se assim. Marina Silva resolveu aderir à moda denominando o seu partido de Rede, porque acredita que, com essa camuflagem, seria mais fácil de dialogar com a juventude. Isso é que é oportunismo, mascarar-se para evitar o atrito.
Não será um líder iluminado que poderá resolver a crise brasileira. Acabou a época dos líderes carismáticos. Janio fez uma carreira trocando de partido. Collor também o fez. A luta de partidos é inevitável. A pluralidade de partidos é inevitável. Quem defende que não haja a luta de partidos são os fascistas. Eles defendem que uma só bandeira pode ser hasteada, a nacional.
Um só programa pode ser defendido, o deles. Um só líder, o deles. Salazar, Franco, Mussolini, Hitler. A esquerda não é toda igual ao PT. Há uma esquerda que apoia o governo, e uma esquerda que foi contra os governos do PT. O PSTU esteve sempre ao lado das causas mais justas, e das lutas populares.
Duas armadilhas estão no caminho da luta. Três campos, pelo menos, irão se definir, nas próximas semanas, ou dias. A burguesia vai tentar dirigir a mobilização para desgastar o governo do PT e canalizar o mal estar para as eleições do próximo ano. Terá dificuldade em desviar as massas juvenis e populares da luta pelas reivindicações concretas, entre outras muitas razões, porque são governo em São Paulo, Minas Gerais e outros estados. Mas está na disputa.
Foi Alckmin quem mandou atirar, e não disse uma palavra de arrependimento, porque está esperando a hora para voltar a usar a repressão. O PT e seus satélites vão tentar, também, desviar a mobilização. Vão deslocar a luta das reivindicações para a defesa da “democracia”, ou seja, para conseguir uma trégua nas ruas, para ganhar tempo para que a energia que nasceu das ruas se perca pela confusão e o cansaço. Já há quem fale em ofensiva da direita, perigo de golpe, frente democrática dos movimentos sociais, da esquerda, contra o golpe. Há também um probleminha. Foi Haddad quem mandou atirar. E, tampouco, admitiu qualquer arrependimento. E Dilma foi à TV para dizer que pode colocar as Forças Armadas nas ruas.
O terceiro campo será o da unidade da juventude com os trabalhadores. Essa é a força social mais poderosa que há no Brasil. A juventude abriu uma janela de esperança. Se olharmos bem por ela, veremos que nas fábricas e empresas de todo o país há milhões de trabalhadores que estão há muito tempo querendo acreditar que é preciso lutar. Agora ficou provado que, se lutarmos, é possível vencer. Nunca foi só por centavos. Nunca foi só por uma bandeira.