Eu sabia quem eram os tucanos e, mesmo militando no PSTU na época, fiz campanha e votei no Lula.
Eu já tinha sido militante do PT, como quase todos os meus amigos de colégio, no movimento estudantil, mas acabei aderindo ao PSTU, partido no qual militei até pelo menos 2007 e, desde então, tenho me mantido apartidário apesar de, nunca escondi, ter simpatia pelo PSOL (o que não me impediu de fazer campanha para candidatos do PT ao legislativo ou de ter, me arrependo amargamente, votado na Dilma na eleição passada).
Digo isto, pois devido à minha militância, que vem de família, eu sabia quem era FHC e o que era o PSDB. Venho de uma família de sindicalistas do Banco do Brasil e Caixa e, até então, nenhum governo havia sido mais nocivo a esta categoria - e outras - quanto FHC.
Ou seja, eu vivi os anos FHC e, mesmo ainda na adolescência, vi seus efeitos em primeira mão. O discurso do "mal maior" ou do "era pior com os tucanos" fazia - felizmente não mais - efeito sobre mim.
E fez efeito sobre muita gente por muito tempo.
"Todo dia milhões de trabalhadores,
quando ligam a sua televisão,
a Globo mostra apenas coisas boas e esconde toda a podridão.
O ministro que parecia santinho,
já mostrou que faz parte da armação.
Primeiro foi Collor,
agora é Henrique,
e continua a exploração.
Já congelou, o salário que eu sei.
E me enganou, que eu vi no replay.
A Globo é quem manda no FHC,
não deixe ele enganar você"
Musiquinha que o pessoal do PT cantava quando eu era criança, contra FHC. Nunca esqueci.
O doloroso é que ainda faça algum efeito, mesmo depois de 10 anos de um governo com mais semelhanças que diferenças ao anterior, e com elementos-chave muito piores. Uma das únicas diferenças entre PT e PSDB que, no entanto, vem diminuindo, é o fato do PT bater, mas alisar antes, ou bater mais leve, sabendo que bater por mais tempo tem um efeito melhor do que dar logo uma porrada. Em outras palavras, o PSDB chega de sola, o PT finge ser seu amigo.
Não vou negar os avanços que conquistamos com o PT, como as cotas, o ProUni, o Bolsa Família e etc, mas critico o viés de tais projetos, que foram feitos com o único intuito de criar mercado consumidor e salvar a pele de investidores e empresários. Sem educação universalizada, não importa quantas cotas queiram impor, as mudanças serão cosméticas. Não importa colocar milhões de jovens na faculdade, se ela for no nível Uniban. Não importa que as pessoas possam comprar microondas, se o usam em uma casa sem saneamento básico e muito menos importa que possam comprar carros do ano e se endividar porque os juros estão (supostamente) baixos, já que ficarão presas no trânsito e ao banco.
Sim, há uma melhora na autoestima, isso é ótimo. Sim, há de fato melhora pontual na qualidade de vida, mas, infelizmente, é pontual, especialmente se considerarmos a ridícula barreira inferior aos 300 reais para se chegar à sonhada Classe Média (a mesma que Chauí e outros petistas atacam com violência).
Mas, chegando no ponto central deste artigo, preciso dizer que a juventude de hoje não conheceu FHC.
A juventude de hoje tinha 5-6 anos quando Lula foi eleito, viveram toda sua infância e adolescência sob o Lulismo. Hoje os jovens que chegam à universidade nasceram em 1994, 1995, são indiferentes ao tucanato no poder federal. A desculpa de um "mal maior" tem efeito muito mais restrito nesses jovens que não engolem, por sua vez, o papo do "pleno emprego", que são jogados como gado em universidades de péssima qualidade ou que veem seus professores entrar em greve e serem criminalizados.
A "esquerda" que o PT diz representar não encontra contraponto no PSDB que, para os jovens, é apenas imaginário.
Sim, em São Paulo todos sabem quem é Alckmin, Serra e o PSDB no poder, mas também sabem o que é o PMDB no poder (caso do Rio) e veem no PT de hoje um partido com o qual não se identificam, enfim, veem hoje o PT no poder e não pensam em termos de "é diferente do PSDB", mas sim que não é aquilo que buscam, que querem ou sonham.
Os jovens não lembram do governo Erundina, a vitrine que o PT hoje só usa para justificar seus absurdos, mas se recusa a resgatar seus bons projetos, como a Tarifa Zero.
Existe muito referencial teórico e pouca coisa palpável para que a juventude, como fazem os militantes fanáticos petistas, vejam no PT a alternativa que o partido prega ser.
Os jovens cresceram com o PT no poder federal e o PSDB no poder estadual e, ouço isso de muitos, não vêem diferenças significativas entre os dois.
E daí vem parte da explicação para o crescimento de um movimento que já existia, que esteve nas ruas em 2011 e antes, que é o MPL - apesar de tentativas torpes de petistas fanáticos de pregar um revisionismo histórico burro e irresponsável e fingir que 2011 nunca existiu.
O movimento em torno da redução das tarifas e do Passe Livre vai muito além destas reivindicações. A repressão da PM do PSDB e a conivência da prefeitura do PT fez apenas eclodir a revolta popular entre os jovens e contagiou os mais velhos. Jovens que não se importam se estão protestando contra o PT ou o PSDB, pois não enxergam em nenhum deles uma alternativa.
E não se enganem, nem todos participando dos protestos do MPL são de esquerda, há gente do PSDB revoltada com o Alckmin. Há gente apartidária e liberal nos protestos e muita gente apartidária de esquerda e, claro, há os partidários.
O Márvio fez um comentário impecável em seu blog:
Falar que as manifestações que perturbam a ordem em São Paulo, Rio e outras cidades são causadas apenas por uma diferença de R$ 0,20 é uma bobagem. É ater-se apenas a um dos sintomas de um perigo muito maior e corrosivo, que é a perda do controle da inflação.
Talvez estejamos assistindo ao primeiro grande protesto popular contra a desvalorização da moeda, o aumento trotante de preços e inconscientemente contrário à política econômica do governo Dilma. E é nisto que talvez tais protestos o representem, leitor, ligue você para os 20 centavos a mais na passagem ou não.
Economistas explicam assim o atual processo inflacionário: a melhor partilha da renda trouxe mais pessoas ao consumo – o que é ótimo –, mas não incentivou de maneira sólida a produção industrial, as exportações, a competitividade. A produção freou; o consumo não. Preços sobem, perde-se a noção do valor do dinheiro. Gasta-se mais, cobra-se mais ainda.
Não penso que a inflação seja razão única ou principal, mas vem junto, mas agrega. Estamos diante de um movimento que inicialmente pregava redução das tarifas e uma discussão mais ampla sobre a cidade, seu uso e os direitos da população, para uma discussão ampla da sociedade e de outros aspectos.
Nos grupos que convocam manifestações há debates sobre a ampliação de pautas, a inclusão da discussão sobre a PEC37, sobre cotas, sobre consumismo, sobre questão indígena, educação....
É um movimento que se expande e que não encontra amarras e cujos partidos tradicionais e especialmente os partidos no poder tem pouca ou nenhuma ingerência. É autônomo, horizontal e nasce (e cresce) de forma absolutamente espontânea.
O PT não irá conseguir contê-lo apelando para sua história, que para a maioria dos jovens é irrelevante e distante.
O importante para nós é não apenas fortalecer o movimento, mas conseguir somar pautas e ampliar as reivindicações e, talvez, até conseguir criar uma mobilização permanente que transcenda os tópicos iniciais de reivindicação.
É interessante, e penso que o movimento já conseguiu uma vitória importante: Mobilizou não apenas a juventude, mas uma parcela imensa de pessoas que nunca protestaram, ou que sempre acompanharam de longe. Recebi convites e comentários - e conheço dezenas de pessoas que tiveram a mesma grata surpresa - de pessoas insuspeitas, que nunca foram às ruas, que nunca sequer simpatizaram com mobilizações como as do MPL, mas que, devido à brutalidade policial e também às pautas, passou a aderir e mesmo querer participar.
A juventude acordou, e com ela muitos estão indo atrás. E o PT não é mais a referência deste jovens, pelo contrário, virou, junto com o PSDB, um inimigo a ser combatido.
Fonte: Blog do Tsavkko.