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António Santos

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O Fantasma de João Mau-Tempo

Oportunismo, Crise e Carreirismo

António Santos - Publicado: Quinta, 30 Mai 2013 16:47

Não obstante o esforço secular de eliminar pela fiscalização colectiva a corrupção individual, todas as organizações humanas são imperfeitas como os membros que as compõem.


A tradição centralista-democrática e a natureza plural dessas organizações, dotou-as de formas de funcionamento e mecanismos que permitem reduzir a um mínimo os fenómenos do oportunismo e do carreirismo. No entanto, estes fenómenos geraram-se até nas máquinas mais eficazes, aperfeiçoadas pela inteligência e dedicação de gerações de revolucionários.

Álvaro Cunhal escreveu que “Deve ter-se plena consciência de que onde quer que exista um aparelho (no Partido ou no Estado) tendências burocráticas e «vícios de aparelho» são como as ervas daninhas: brotam com facilidade e crescem rapidamente se não são mondados à nascença.”.

Em anteriores experiências históricas, estes «vícios de aparelho» constribuíram para retrocessos titânicos na construção do socialismo. É um erro acreditar que existe uma organização comunista completamente livre de carreiristas e oportunistas. Mais ainda, à medida que recrudescem as contradições do capitalismo e a miséria alastra, estes vícios tornam-se mais comuns e humanamente compreensíveis. Quando abandonar uma tarefa partidária pode significar uma situação profissional, económica e familiar incomportável, alguns militantes podem ter a tendência de defender o seu posto de funcionário, abdicando do seu posto de revolucionário.

Do colectivo partidário, deve-se esperar uma apurada sensibilidade na hora de fiscalizar, detectar e resolver estas situações. Mas, independentemente da forma que essa resolução possa tomar, “os funcionários do Partido compreendem que ser funcionário do Partido não é uma carreira (...)” mas uma tarefa da qual podem e devem ser removidos quando o colectivo assim o entender.

Ao eliminar quase por completo as vantagens económicas da participação na política, os comunistas de várias organizações do mundo alcançam uma inigualável superioridade ética na vida política das suas organizações. Embora não haja comparação possível com o pântano de influências e interesses em que as organizações burguesas se movem, também é verdade que não só o empobrecimento absoluto das classes trabalhadoras relativiza a ausência de vantagens económicas, como muitos oportunistas não se movem por interesses materiais, mas pelo sabor da fama, da autoridade e do poder.

E mesmo que, “tais tendências negativas (...)apareçam mitigadas em casos isolados e raros», «considera-se indispensável a permanente vigilância e uma intervenção pronta e construtiva para não deixar medrar fenómenos negativos.” Acrescenta ainda Cunhal que “Tal atitude é válida actualmente. E será sem dúvida válida no futuro.”

Independentemente da motivação do carreirista, o vício manifesta-se em sintomas similares, para os quais há que estar alerta, sendo importante que quando detectados “Os militantes sintam-se à vontade nas suas relações para expressar a sua opinião, favorável ou desfavorável, para aplaudirem ou não aplaudirem, para apoiarem, para discordarem e para criticarem.” Eis então alguns sintomas que facilitam o diagnóstico do vício.

O carreirista tem uma propensão para moldar o seu carácter de uma forma antinatural, “copiando mais ou menos conscientemente «os seus responsáveis», adquirindo ademanes, tiques e poses (perdendo) a naturalidade e a espontaneidade, se sendo naturalmente sisudos passando a ser risonhos ou sendo naturalmente risonhos passando a ser sisudos, acabando por adquirir um maneirismo burocrático”. O carreirista sorri, fala e pensa como aquele que, na sua opinião, o pode promover.

Estes tiques e maneirismos medram apenas em ambientes fechados, quando um militante se relaciona apenas com outros militantes, em casos de “absorção completa e exclusiva na actividade política”, o que implica um desligamento do mundo, da vida e da classe operária. O carreirista conhece pouco das ruas, dos cafés e das fábricas: é intolerante com os trabalhadores que não se assumem comunistas, troça das suas opiniões e não tem disponibilidade nem capacidade política para falar com eles. Ao carreirista, apenas lhe interessa conhecer “os responsáveis”, a organização, os corredores e as reuniões. O carreirista é o tipo que te reencaminha para o responsável da tua organização quando lhe fazes uma pergunta. O carreirista é a miúda que acha que estudantes que participam em manifestações de trabalhadores estão “fora de lugar”. O carreirista é o militante que diz ao partido que só aceita integrar uma lista eleitoral em primeiro lugar. O carreirista é o funcionário que sempre o foi toda a vida e que nunca teve um patrão nem um emprego.

O carreirista não gosta de ondas. Pretende apenas a manutenção da sua tarefa ou a promoção a outras de maior responsabilidade, pelo que nem critica os seus responsáveis nem se autocritica, pelo menos voluntariamente. “A degradação ética dá-se dos dois lados: do cortesão e daquele a quem o cortesão agrada. Quanto ao adulador, é, por definição, um oportunista que calcula, humilhando-se e incensando os «chefes», (para) tirar disso vantagens. Por isso, a adulação só se desenvolve e prolifera quando encontra terreno propício, quando é rendível, quando de uma forma directa ou indirecta é premiada”.

Como nunca pode admitir o erro de uma forma honesta, o carreirista cria para si próprio uma realidade paralela de tipo kafkiano. Se o seu trabalho falhou, decreta que foi um sucesso; se uma manifestação só teve quinze pessoas, transforma-las em quinhentas; se se perderam votos, desculpabiliza todas as derrotas com o contexto; se é confrontado com uma crítica, reage violentamente. Inútil à organização, o carreirista subsiste pelo “compadrio ou (o) espírito de capela entre os membros de qualquer organismo” e por sistemas de “encobrimento ou desculpa recíproca das deficiências e faltas”.

Umas vezes, o carreirista veste-se de sectário e chama “esquerdista”, “pequeno-burguês” e “trotskista” a quem justamente o acusa. Outras vezes, o carreirista prefere como ofensa “sectário”, “estalinista” e “dogmático”. O carreirista não tem ideologia e para ele nenhum termo político é científico. Distingue-se no falar pela recorrência do chavão, pela repetição e pelo insulto.

De novo nas palavras de Álvaro: “são combatidas tendências de funcionários do Partido para encarar o trabalho no Partido como o trabalho para um patrão, atrasando nas horas de entrada, antecipando as horas de saída, multiplicando os intervalos pelos motivos mais fúteis, comportando-se num Centro de Trabalho como certa gente nas repartições, instalando-se atrás da secretária, não tanto como à roda do leme mas como numa escrivaninha burocrática, encarando a funcionalização no Partido com critérios de profissionalismo e carreirismo”.

“Apesar do magnífico estilo de trabalho alcançado (...) aparecem, num ou noutro organismo e num ou noutro camarada, tendências, manifestações e práticas de burocratismo — dos «vícios de aparelho».”. Às vezes, estes vícios chegam indetectados a tarefas de grande responsabilidade e militantes de décadas traem subitamente o seu partido de sempre. Mas outras vezes, o colectivo detecta o oportunismo cedo e a bom tempo, mas cala-se ou não é escutado. Para que as organizações dos comunistas funcionem, os seus militantes devem criticar sempre que o entendam necessário e nos lugares e momentos apropriados.

*Todas as citações: Cunhal, Álvaro – O Partido com Paredes de Vidro – Edições Avante! 1985


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