Esta informaçom é real, nom se trata de um relato de ficçom. Estou a lê-la num documento de enorme valor, umha folha em formato pergaminho que a comissom da Festa da República Galega editou para as pessoas assistentes ao evento na cita do ano passado. Esta folha reproduz a capa do jornal compostelano, que narra com todo o detalhe o acontecido naquela tarde de 27 de junho de 1931 na Alameda, onde perante umha multidom afervoada se está a produzir um facto histórico que os consensos políticos posteriores silenciariam.
O contexto histórico em que isto tem lugar é umha Galiza que vive os dias posteriores à fugida da Espanha do rei Alfonso XIII para o exílio, umha Galiza ainda marcada no rural pola forte pressom do caciquismo e as luitas das sociedades agrárias. Há um detonante, dentro deste clima de fragor pré-revolucionário, que fai saltar a faísca para que este episódio de claro cariz independentista se desenvolva; o Estado espanhol paralisa as obras do caminho de ferro entre Ourense e Compostela, umha medida que evidentemente prejudica o País social e economicamente, mas que além disso tem umha conseqüência imediata verdadeiramente amarga: deixa sem emprego 12.000 operários. Isto provocaria umha forte reaçom social, política e institucional. Naqueles dias, “El Pueblo Gallego” fala de umha paralisaçom geral na cidade do Sar, na qual fechariam todos os comércios, obrigando o Ministério da Marinha a enviar um telegrama à Cámara Municipal com umha soluçom de continuidade para as obras cuja cópia se colaria em lugares estratégicos da urbe, ainda que as autoridades municipais nom acreditassem muito na consistência da soluçom oferecida, ao ponto de que há um contato telefónico constante com as autoridades homólogas na capital ourensana para consensualizar a atitude a manter. Segundo reporta “El Pueblo Gallego”, no povo compostelano tampouco há confiança nas promessas do governo espanhol e os operários que trabalham nas obras do caminho de ferro decidem retornar aos seus postos de trabalho, mas na assembleia onde se adota esta decisom também se chega ao acordo de que, se a administraçom central nom cumprisse com o que tinha prometido, a classe operária galega iniciaria umha greve geral revolucionária.
Comício de 27 de junho
Ora, voltando ao incendiário comício de 27 de junho, som para tomar nota algumhas das intervençons extratadas na crónica. Quiçá seja para muitas pessoas inverosímil ler que de algum participante no comício da Alameda saírom palavras como “Isto tem que acabar e vai acabar por cima de todo: Galiza demonstra com clareza que está em pé, em aberta revoluçom para conseguir a sua liberdade, a sua autonomia e a sua independência absoluta” ou “neste momento nom nos interessa a república federal espanhola, mas a República Galega. Vamos lá proclamá-la por cima de todos os caciquismos, de todos os governos civis e de todas as arbitrariedades de um poder central!”.
E se isto sai da boca de Carnero Valenzuela, que se fazemos caso de “El Pueblo Gallego”, foi intensamente aplaudido e ovacionado polo povo congregado lá, nom serám menos surpreendentes as palavras do comunista Eduardo Puente a reclamar umha Galiza “soviética, se figer falta” ou do próprio Alonso Rios a afirmar que a revoluçom se tinha que fazer na rua “e por todos os meios” porque “já se esgotou toda via de soluçom humilhante”, ou seja, claramente chamando à ruptura com a via institucional e à rebeliom nas ruas.
O “perigoso” de recordar isto todo, é que nesta crónica que hoje parece ficçom, mas que corresponde a um facto real, identificamos elementos que tenhem vigência plena na atualidade ou até analogia no futuro. É certo que a realmente proclamada República Galega nom tivo um percurso muito mais aló do eco manifestado noutros pontos do País e que tal República nom se chegou a consumar, mas que todos estes factos tivérom lugar ou que vultos da política galega de entom se manifestáram nos termos referidos e o figérom obtendo o aplauso das massas, desmente esse discurso que se refere ao galeguismo como umha corrente ideológica sempre comprometida com a unidade da Espanha e nunca rupturista, sobretodo conservadora e em qualquer caso anedótica. Também desmente o argumento de que a reivindicaçom dos nossos direitos nacionais seja um posicionamento burguês ou pequeno-burguês, que nada tenha a ver com as reivindicaçons da classe operária, umha máxima pola qual organizaçons de esquerda de obediência espanhola tenhem umha enorme querença.
Destacado papel da classe operária na proclamaçom da República Galega
A julgar polos acontecimentos relatados naquela capa de “El Pueblo Gallego”, parece que no espectro de forças e correntes que estavam dispostas a proclamar a independência da Galiza, estavam os comunistas e, polos vistos, a classe operária tivo um especial protagonismo naqueles dias. Os trabalhadores do caminho de ferro estavam dispostos a chamar a classe operária galega à greve geral revolucionária, e sem aguardarem permissom dos sindicatos espanhois. Haverá entom que entender que essa classe operária para alguns alheia sempre às reivindicaçons no plano nacional, aqui se reconhecia sujeito revolucionário em si próprio, legitimado para iniciar a revoluçom na Galiza.
Afirmava em linhas mais acima que recordar isto era “perigoso”. Fundamentalmente é perigoso, nom para os que somos independentistas convencid@s, que em todo o caso encontramos aqui provas documentadas de que o independentismo galego sim tem tradiçom que reivindicar e que nom surgimos do nada; que de facto em situaçons análogas o nacionalismo e a esquerda revolucionária já formulou a independência (e o socialismo, soviético por mais sinal) como resposta. É perigoso para o espanholismo de direita e de esquerda, porque desmonta o mito de que o povo galego nunca reivindicou realmente a independência e que isso de reivindicar a independência com postulados de esquerda é umha invençom fruto das enteléquias de alguns inteletuais e do mimetismo com outros movimentos de outras latitudes.
Analisando todo o material que nos oferece a impactante e emocionante crónica, vemos como a proclamaçom do Estado Galego de 27 de junho e o chamado claríssimo à revoluçom surge da consciência do papel marginal que já naqueles tempos o projeto nacional espanhol reservava à Galiza (e nom era umha questom de monarquias ou repúblicas) do descrédito das instituiçons representativas do Estado espanhol em solo galego, por ser o acobilho dos caciques, e da situaçom de opressom que sofriam a classe operária e o povo galego. Claramente fala-se de que é a ruptura com Espanha o objetivo a alcançar, e que a maneira de luitar por ela é na rua e nom nas instituiçons. Os parecidos com a situaçom atual nom fai falta que os explique eu.
Republicanismo espanhol
Há nestes momentos um crescimento da reivindicaçom republicana a nível espanhol. Tomou impulso em 2006, com o Ano da Memória promovido polo governo espanhol da época e toma umha força especial agora que a monarquia espanhola está em horas especialmente baixas, polo seu envolvimento em casos de corrupçom, acentuados polos entraves legais para processar e julgar os membros da Casa Real, o que fai transparecer a desigualdade jurídica entre eles e o resto dos cidadaos e cidadás do Estado espanhol.
A monarquia foi elemento coesionador no seu dia, graças à fabulaçom historiográfica fiada em torno da figura de Juan Carlos I, quem para aceder ao trono jurou os Principios Fundamentales del Movimiento, mas que depois juraria a Constituiçom e orquestraria um auto-golpe para aparecer como “herói da democracia” perante a opiniom pública daqueles anos. O problema é que perante as novas geraçons tanto ele como a instituiçom da monarquia som um anacronismo.
Isto fai com que o PCE, através do seu projeto de massas, que é Esquerda Unida, ressuscite o seu durante muitos anos aletargado republicanismo. Os mesmos que aceitárom a monarquia como forma de estado para serem legalizados, agora pretendem liderar a passagem para a república, com a esquerda extraparlamentar como aliada e somando também os nacionalismos de tradiçom mais pactista (sobretodo PNV e CiU) sem descartar que UPyD e PSOE se podam incorporar de maneira ativa a um movimento “revolucionário” que devolva os bourbons ao exílio. Querem fazer do derrocamento do regime bourbónico a “contradiçom principal”, deixando em stand by as reivindicaçons de tipo nacional, sobreentendendo-se que a consecuçom da III República espanhola criará per se um quadro mais favorável a que as naçons com aspiraçons de maior soberania consigam um status mais aceitável para elas, que obviamente nunca passaria pola independência. Reconheceria-se em todo o caso o direito à autodeterminaçom.
O que se pede às classes populares galegas, e em particular ao campo soberanista galego, é que fiemos as aspiraçons do povo galego a umha questom de fé de complicado sustento, tendo em conta que foi a partir das instituiçons da II República que se freou a ratificaçom do Estatuto de Autonomia da Galiza de 1936. Porque foi o entom Presidente da República, Santiago Casares Quiroga, quem bloqueou esse trámite até o mesmíssimo dia do Alzamiento Nacional. Foi o mesmo Casares Quiroga que ordenou bombardear a partir do governo militar da Corunha o povo, que reclamava armas para se defender dos fascistas. Se a II República espanhola traiu o povo galego, pode acontecer o mesmo com a III República, e máxime com UPyD e PSOE a liderarem com o PCE esse processo… a que tipo de acordo no plano nacional estariam dispostas estas forças? Umha república naturalmente é melhor do que umha monarquia em princípio, já que nunca numha monarquia oferece liberdade e igualdade reais a quem tem que viver sob o seu mandato, ainda que claro, por outra parte que um Estado se constitua em república nom garante que ofereça condiçons mais avançadas nem no nacional nem no social.
A África do Sul do Apartheid era umha república e, em nome dessa república, estava legalmente instituída a desigualdade racial; a França e a Itália som também repúblicas, mas som claramente centralistas no que se refere aos níveis administrativos, no plano lingüístico existe umha só língua que é considerada a da República e o resto som dialetos, e no social, ambos pertencem à dogmaticamente capitalista Uniom Europeia.
Porém, o PCE, ainda que tenha um discurso diferente do que os outros dous partidos sistémicos, foi partícipe do regime bourbónico desde que aceita a sua instituiçom máxima em troca de passar a ser legal. Tam partícipe foi que durante décadas proibiu nos seus atos partidários a exibiçom de bandeiras tricolores, essa que agora querem que ondeemos nós e a aceitemos em pé de igualdade com a nossa estreleira. Proibiu isso, e proibiu a memória dos que matárom e morrérom por essa bandeira. E agora querem-na impor a aqueles que nom temos na reivindicaçom da III República espanhola um ojetivo central nem essencial, porque nom consideramos Espanha a nossa naçom, ainda que evidentemente saudássemos que mais umha monarquia no mundo caísse. Querem que deixemos de parte as nossas reivindicaçons, que consideram veleidades e enteléquias pequeno-burguesas, mas proíbem que se reivindique ou se nomeie a guerrilha galega, que falemos de Henriqueta Outeiro, de Gomes Gaioso, de Manolo Velho, de Benigno Álvares, porque pretendem ter a exclusiva sobre a sua memória e o seu legado. Detalhes como a proclamaçom da República Soviética da Galiza também naqueles dias de junho de 31 em Ourense, a defesa da língua galega e os direitos nacionais por parte do Benigno Álvares, a luita heroica da Henriqueta e a sua defesa da auto-organizaçom dos comunistas galegos, isso todo, quebra a visom metropolocêntrica e uniformizadora que eles dam da resistência contra o fascismo.
A questom é que, em primeiro lugar, esse dogma de que todo progressista que morar no Estado espanhol deve ter a República espanhola como horizonte necessário para outros horizontes é como mínimo subscetível de ser posto em causa, toda vez que o facto de que o Estado espanhol se constitua em república nom neutraliza os setores que historicamente se opugérom aos direitos nacionais da Galiza ou de outras naçons. De facto, a oligarquia espanhola no seu dia franquista, e até hoje monárquica, poderá voltar-se republicana e pactuar um mutis da monarquia com o próprio Juan Carlos se virem que é necessário. Porque essa oligarquia já tem experiência em pôr-se à frente das situaçons antes de que essas situaçons a superem, porque fôrom eles os que propiciarom o advenimento da II República, porque fôrom eles os que alimentárom o terrorismo fascista para combater o movimento operário e camponês e mesmo com o tempo convertêrom á organizaçom pistoleira Falange no seu projeto político, ou nom estava pragada a Falange de ex lerrouxistas e ex-cedistas?
E, em segundo lugar, há antecedentes de rebeliom real contra Espanha e com umha orientaçom de esquerdas com claro protagonismo do movimento operário. Os comunistas galegos de prática independentista nom estamos instalados em projetos produto de experiências de laboratório, vimos de algumha parte. O Sempre en Galiza de Castelao nom é a Bíblia inquebrantável e esse hispanismo impossível e eterna fonte de frustraçons nem é o teito ideológico máximo ao qual podemos aspirar, nem reflete de maneira total Castelao, pois a sua proximidade política e humana do grupo de A Fouce, nom é um acaso, de qualquer jeito.
Nom acreditamos numha esquerda oficial espanhola que pactuou a sua entrada no clube das organizaçons do regime em troca de trair a memória dos seus luitadores em defesa da República espanhola, mas sobretodo pola dignidade humana, e que durante o regime bourbónico vendeu no plano sindical em repetidas ocasions a classe operária galega.
Defenderemos sempre a necessidade, e nom a opçom, de que este povo construa umha pátria livre e independente, sem opressom de classe nem de género. E essa luita sim é nossa, inassumível para a burguesia galega que nos ódia e nos teme da maneira mais visceral. Por algum motivo será.
Fonte: Primeira Linha.