Eu sou leitor diligente do didata ourensano, nomeadamente daqueles artigos em que propom projetar filmes nas aulas para refletir sobre diferentes temáticas. Artigos que pola sua qualidade e utilidade bem mereciam ser compilados em forma de livro por umha editora.
Com certeza, o cinema é umha arte intrinsicamente transversal e pedagógica que pode servir de maravilhoso acicate para o debate e a reflexom.
Sempre Xonxa, joia do nosso cinema, enfia-nos na emigraçom galega do século XX, O Manuscrito encontrado em Saragoça mergulha-nos na atmosfera romántica da literatura do XIX e na trilogia Apu, Satyajit Ray recita-nos com líricas imagens o quotidiano de umha familia bengali.
É por isso que o cinema brasileiro, incompreensivelmente desconhecido na Galiza, pode ser de grande ajuda para tirar as enfurnadas língua e cultura galegas do buraco provinciano em que se acham e contribuir para as arremessar face ao universo natural da lusofonia.
Assistir filmes brasileiros é quebrar o isolamento da cultura galega através de umha experiência sensorial. Adoçar o gosto artístico com propostas diferentes, educar o ouvido com exóticos sotaques, ver coloridas paisagens de realidades lexicais ignotas, perceber o delicioso cheiro dessa universalidade que pode virar de ponta-cabeça a miragem da falta de utilidade da língua galega: Isto é cinema brasileiro para o público galego.
Deixando de lado o ecumênico diretor Glauber Rocha e as recomendáveis fitas comerciais presentes nas bibliotecas públicas da Galiza como Uma onda no ar, Cidade de Deus e Tropa de Elite 1 e 2, todas elas ambientadas nas favelas, podemos começar a viagem embrenhando-nos por um sucesso mundial da sétima arte brasiliera, Orféu Negro (1959). Baseado na peça teatral de Vinícius de Moraes, Orfeu da Conceição, tem umha das bandas sonoras –trilhas sonoras, diriam no Brasil- melhores da história do cinema com músicas de Tom Jobin, Luís Bonfá e o próprio Vinícius. Esta coprodução italo-fraco-brasileira ambientada no carnaval do Rio de Janeiro e dirigida por Marcel Camus tem a honra de ser o único filme brasileiro a ter ganho a estatueta do Oscar ao melhor filme estrangeiro.
De 1973 é Toda Nudez será Castigada, realizada por Arnaldo Jabor. Baseada numha das tragédias cariocas de Nelson Rodrigues, o maior vulto da dramatúrgia brasileira, é umha crítica ao matrimónio e à moral e costumes burgueses.
Da década de 80 é um dos meus filmes favoritos, O homem que virou suco, de João Batista de Andrade. DVD que o destino fijo que comprasse por acaso num vendedor ambulante da rua Augusta a primeira vez que visitei São Paulo. Narra a história de um emigrante nordestino que chega a cidade da garoa e confundido com um operário que mata o seu patrom é perseguido e esmagado por umha sociedade opressora.
De finais da década de 90, ganhadora de um urso de ouro, é Central do Brasil, entranhável filme de estrada dirigido por Walter Salles que os que tivemos a sorte de estudar português na Escola Oficial de Idiomas com o professor Maurício Castro vimos nalgumha das aulas dele.
Sobressaem entre os numerosos, frescos e inovadores trabalhos que estám a ser filmados neste século XXI no Brasil os documentários Ônibus 174, feito em 2002 por José Padilha sobre o seqüestro de um ônibus na zona sul do Rio de Janeiro, e Lixo extraordinário, que relata o trabalho do artista plástico brasileiro Vik Muniz e que tem ligaçons com Os respigadores e a respigadora de Agnès Varda. Duas longa-metragens interessantes de 2007 som Estômago, de Marcos Jorge e O cheiro do ralo, de Heitor Dhalia, cujo guiom foi feito sobre o romance de Lourenço Mutarelli, um dos melhores autores da banda desenhada latino-amercana. Um ano depois tivo lugar a estreia de Linha de Passe, longa indicada à Palma de Ouro como melhor filme, realizada por Walter Salles em parceria com Daniela Thomas.
Para finalizar este tira-gosto, que é como poeticamente chamam no Brasil ao que na Galiza e Portugal chamamos aperitivo, recomendo para o futuro o filme de Antônio Carlos de Fontoura, em cartaz nestes momentos no país sul americano, sobre a vida do cantor brasilense Renato Russo, líder de Legião Urbana. Somos tão jovens é umha magnífica ocasiom para conhecer os inícios do movimento punk brasileiro e para os galegos e galegas nos perguntarmos, com conhecimento de causa, “Que país é esse?” quando nos falem do Brasil.