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Raphael Tsavkko Garcia

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Terroristas de Boston são chechenos, o que isto significa?

Raphael Tsavkko Garcia - Publicado: Terça, 23 Abril 2013 00:35

A origem dos alegados terroristas é motivo de debate. Fala-se que o mais novo sequer viveu na Chechênia, mas no Daguestão, tendo nascido na ex-República Soviética do Cazaquistão e ainda passado pelo Quirguistão. Ambos seriam etnicamente Chechenos, mas não teriam nascido ou mesmo vivido lá


O atentado terrorista cometido em Boston pelos irmãos chechenos Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev, como era de se esperar, permanece envolto em muitas dúvidas e esbarra na falta de informação.

É ainda impossível compreender as razões que levaram dois jovens aparentemente integrados à cultura dos EUA - apesar de um deles ter deixado registrado em redes sociais alguma dificuldade em fazer amigos - a cometer tal atentado que, inicialmente, parecia indicar ter sido cometido por fanáticos de direita, ou seja, um caso clássico de terrorismo doméstico cometido pela extrema-direita, como a explosão em Oklahoma cometido por Timothy McVey, em 1995.

Os irmãos viviam nos EUA ha pelo menos 10 anos, o mais novo, Dzhokhar, chegou ao país com apenas 9 anos de idade, o mais velho, Tamerlan, teria chegado dois anos depois, ainda um adolescente. A origem dos alegados terroristas é motivo de debate. Fala-se que o mais novo sequer viveu na Chechênia, mas no Daguestão, tendo nascido na ex-República Soviética do Cazaquistão e ainda passado pelo Quirguistão. Ambos seriam etnicamente Chechenos, mas não teriam nascido ou mesmo vivido lá.

Alvi Karimov, porta-voz de Ramzan Kadyrov, presidente da Chechênia, apontado por Vladimir Putin para manter seu regime de terror sobre a região, disse que eles não teriam nascido na Chechênia, mas junto à grande diáspora chechena no Cazaquistão e a agência russa Interfax informou apenas que eles teriam vivido em várias partes da Rússia.

Há uma enorme diáspora chechena no Cazaquistão e no Quirguistão, ex-repúblicas soviéticas, deportados por Stálin depois de 1944, quando diversos povos caucasianos, mas especialmente os chechenos, se levantaram contra o regime. Muitos retornaram em 1957 para sua região de origem, porém um número significativo continuou na diáspora. Nos anos 90, devido às duas guerras entre chechenos e russos, a diáspora voltou a crescer e, acredita-se, a família Tsarnaev tenha se somado aos que fugiam da região.

A região do Cáucaso é historicamente conflituosa, Ossetas e Ingushes entraram em guerra por questões de fronteira (1991, na esteira do fim da URSS), os chechenos já protagonizaram duas guerras sangrentas com os russos (1994-97 e 1999-2000), o Daguestão vive em constante conflito étnico entre suas diversas minorias. Junto a isto, o elemento islâmico tomou força, com grupos lutando pela formação de um Califado no norte do Cáucaso.

Na luta pelo Califado no Cáucaso, está um grande contingente de chechenos, assim como de membros de outras etnias da região. Em meio à resistência e guerrilhas chechenas é possível encontrar um enorme contingente de muçulmanos de países do golfo engajados na luta pela criação não mais da República Chechena de Ichkeria (objetivo da primeira guerra contra a Rússia, de caráter puramente étnico), islâmica, mas moderada, mas pela criação do Califado do Cáucaso, comprimindo todas as repúblicas islâmicas – ou não – da região.

É possível que o crescimento da resistência islâmica (terrorismo em muitos casos) no Cáucaso tenha relação com o renascimento islâmico dos irmãos Tsarnaev, ainda que o timing seja diferente, pois o islamismo radical começou a tomar o lugar da resistência étnica em um período em que eles ainda eram muito novos, mas toda a questão permanece envolta em dúvidas e suspeitas.

O atentado, analisado friamente, parece ter sido orquestrado de forma amadora. As bombas plantadas foram feitas com material semelhante a produtos de limpeza e outros itens encontrados facilmente em lojas e não com explosivos "profissionais". Além disso, grupos islâmicos costumam ter preferência por maior poder de fogo, maiores danos e mesmo maior pirotecnia. E os chechenos são capazes de organizar ataques maiores e "melhores", como a história já demonstrou da pior forma possível.

O atentado pode ser considerado de pequena escala, mesmo menor do que alguns atentados realizados pela extrema-direita estadunidense ao longo dos anos.

Isto apenas reforça a hipótese de que os irmãos agiram sozinhos, influenciados por um islamismo radical recém adquirido - ainda que tenham, segundo algumas fontes, vivido no Daguestão durante um dos períodos de maior repressão russa contra minorias, no fim dos anos 90, coincidindo com os ataques à escola de Beslan, na Ossétia do Norte - , o que é corroborado por uma análise realizada por diversos veículos de mídia dos vídeos do Youtube assistidos pelos dois terroristas e por suas conversas em redes sociais.

Não era fácil suspeitar de dois jovens aparentemente integrados à sociedade em que viviam, presentes em redes sociais, um deles buscando inclusive participar da equipe americana de boxe (o mais velho) e que jamais tinham tido qualquer problema com as autoridades (apesar do mais velho ter sido, em 2011, investigado pelo FBI, que nada encontrou, e do mais novo ter sido preso por agredir sua namorada).

O fato de serem muçulmanos devotos não deveria, em tese, ser grande problema em um país que possui uma significativa comunidade muçulmana.

Ainda não se sabe se os dois são efetivamente os autores do atentado, ou mesmo se agiram sozinhos ou tiveram ajuda - ainda que o tipo de ataque pareça indicar ação isolada - restam especulações.

Os atentados não aparecem, ainda, ter relação com a Chechênia em si, mas com o islamismo dos jovens ou com a visão deturpada de ambos de sua religião. É fato que os islâmicos radicais chechenos teriam muito mais interesse em um ataque contra seu opressor imediato, a Rússia, que os EUA, muito distantes, o que reforça ainda mais a tese do ataque isolado, perpetrado por dois jovens amadores, mas que resoltou, infelizmente, na perda de vidas inocentes e que fará com que o ódio dos EUA contra os islâmicos e mesmo os Árabes cresça, por mais que os Chechenos sejam caucasianos e não tenham qualquer relação além da proximidade com os países árabes.

Quanto à Rússia, o atentado em Boston pode servir como desculpa para mais repressão na Chechênia, apesar de não existir nenhuma relação direita entre guerrilheiros chechenos e os dois rapazes de Boston. Mas esta pode ser uma oportunidade muito boa para ampliar a luta contra a insurgência islâmica.


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