O modelo político imposto no período que oscila entre 1975-81 pola oligarquia espanhola, mediante um pacto assimétrico entre setores aberturistas do franquismo, a esquerda reformista (PCE e PSOE) e a burguesia catalá e basca, sob a tutelagem do imperialismo ianque e franco-alemám, atravessa um enorme descrédito entre amplos setores populares.
A monarquia, como instituiçom exemplar garante das “conquistas democráticas” e da unidade espanhola, foi durante décadas um fetiche inquestionável alicerçado em permanentes campanhas mediáticas de lifting que transmitiam umha imagem maquilhada de Juan Carlos e da sua família. Todo o que provinha da Zarzuela estivo submetido a umha férrea censura questionada por muito escassas vozes e poucas forças políticas e sociais.
Semelhava que todo o que procedia da família real estava carregado de umha áurea divina inquestionável polos súbditos da monarquia bourbónica. Este princípio, um dos eixos medulares dos opacos pactos da Transiçom, está a dia de hoje praticamente quebrado.
Os principais agentes da casta política corrupta que naquela altura furtárom a palavra ao povo, pactuando um modelo continuador da ditadura que em 1936 impujo a ferro e fogo um regime fascista na Galiza, ou bem falecêrom, ou bem já nom ocupam por razons basicamente de índole biológica, responsabilidades no aparelho do regime burguês espanhol.
Aqui poderia radicar umha das principais explicaçons para entendermos por que os mesmos meios de comunicaçom e aparelho judicial -que acompanhárom e contribuírom, baseando-se na manipulaçom e ocultaçom permanente da realidade e criminalizaçom da dissidência política, para a imposiçom deste regime durante três longas décadas- agora semelham competir por filtrar, divulgar e denunciar a intrínseca corrupçom da casta cleptocrática que nos governa e da monarquia que Franco impujo para deixar todo “atado e bem atado”.
Nom é casualidade que perante a grave multicrise que padece o Estado espanhol, com as suas particulares expressons no ámbito económico, social, político e institucional, a oligarquia pretenda repetir umha operaçom similar à de 1975-81.
As forças do regime som conscientes da enorme vulnerabilidade do sistema, da desafetaçom cada vez maior de segmentos destacados das massas com o modelo vigorante, mas também som conscientes das enormes debilidades do movimento popular pola ainda abrumadora hegemonia no seu seio das velhas e tradicionais forças reformistas e pactistas, e da fragmentaçom e debilidade do campo revolucionário.
Para perpetuar-se e saírem reforçados desta turbulenta e instável situaçom estám ensaiando diversas estratégias simultáneas traçadas polos think tanks, mas nom sempre fáceis de implementar polos contratempos permanentes. Estám preparando umha segunda transiçom, embora ainda nom tenhem completamente perfilado a sua forma e agenda.
Alternativas do regime
O regime é plenamente consciente do enorme desprestígio do modelo bipartidista e da decadência das suas duas principais expressons: PP e PSOE.
Conhecedor do elevado grau de mal-estar social, implementou inicialmente umha arriscada operaçom plasmada na promoçom de um movimento popular (15M) que contribuísse para amortecer as contradiçons e reduzir a pressom da onda. A iniciativa promovida na primavera de 2011 foi útil por quanto gerou enormes expetativas nas possibilidades de saídas políticas sem quebrar o sistema.
Porém, também foi contraproducente pois contribuiu para a incorporaçom de juventude à luita social e política, a recuperaçom de ativistas de geraçons decepcionadas, a situar a rua como espaço primordial da luita, e perante o desenlace frustrante de um movimento que reclamou mudanças parciais com um programa regeneracionista avançado, facilitou a radicalizaçom de umha parte dos ativistas.
Mas simultaneamente o regime também está promovendo a recomposiçom de um dos dous campos que a democracia burguesa necessita para garantir a estabilidade social que facilite a exploraçom da classe trabalhadora, a dominaçom patriarcal e a opressom das naçons oprimidas como a galega.
A “social-democracia” hegemonizada polo PSOE de 1982 é a grande vítima da multricise espanhola. De aí a necessidade de reconfigurar este campo com um discurso aparentemente mais radical. O que a nível estatal hoje representa IU, na Galiza é a coaligaçom AGE.
A burguesia espanhola é consciente da importáncia de contar com umha destacada força que aglutine eleitoralmente os setores mais progressistas e de esquerda do povo, para assim garantir a estabilidade do regime. Com um PSOE em queda livre e sem possibilidades imediatas de remontar, há que evitar que esses setores populares transitem para a esquerda revolucionária ou para posiçons asistémicas. As quais na Galiza só o podem ser se tenhem um programa indiscutivelmente patriótico favorável à soberania e independência nacional.
No quadro desta estratégia nom podemos infravalorizar as campanhas invisíveis tendentes a desprestigiar a política, e portanto a todas as forças políticas sem destinçom.
Umha saída populista autoritária nunca é descartada pola burguesia, e para preparar o terreno a esta nada improvável alternativa, que melhor que minar a legitimidade de todas as forças políticas e sociais, inclusive as de esquerda consequente com o “todos os políticos som iguais” e opinions similares.
Mas entre ambos os cenários: recompor o modelo da alternáncia eleitoral promovendo um(uns) substituto(s) ao PSOE, e um governo de concentraçom nacional dirigido por um tecnocrata imposto pola troika ou umha figura populista, nom descartam implementar umha arriscadíssima operaçom de ou bem facilitar a abdicaçom do caçador de elefantes polo seu filho, ou bem facilitar a implantaçom da III República espanhola.
Saída política ruturista
Nengumha destas duas alternativas, como tampouco as duas primeiras, som boas, e muito menos desejáveis, para os interesses objetivos da Galiza, das mulheres e da classe trabalhadora.
Trocar um membro da família real por outro é como trocar Rajói por Soraya Saénz de Santamaría. Mais do mesmo.
Substituir o Reino de Espanha por umha República nom trará mudanças de fundo, nem alterará o endurecimento das três agressons simultáneas que estamos padecendo: imposiçom do neoliberalismo selvagem, reinstauraçom do patriarcado em estado puro, e recentralizaçom espanholista para conseguir a plena assimilaçom do projeto nacional galego.
Porém, esta última opçom sim pode ser-lhes muito útil para anestesiar durante um longo período as luitas populares. Provocará umha enorme abalo social, um cataclismo no ámbito do imaginário coletivo, umha comoçom que embora sim reavivará os fantasmas do passado, será muito útil para descentrar e confundir as tarefas do movimento operário, feminista e de libertaçom nacional.
Mas também acelerará a integraçom definitiva da esquerda espanhola, neutralizando a principal bandeira que o pós-carrillismo leva agitando desde a mudança de século para recuperar o espaço e prestígio perdido polas suas traiçons e práticas conciliadoras.
O republicanismo espanhol, que compartilha idêntico paradigma com a direita mais cavernícola na defesa da unidade espanhola, lograria assim um triunfo efémero e meramente virtual, que provocará o seu ascenso eleitoral e portanto acelerará a sua posterior queda.
Promover umha mimética fórmula populista em estado puro como o italiano Movimento 5 estrelas de Beppe Grillo, o espanholismo neofascistizante de UPyD, o republicanismo espanhol de esquerda representado por IU e a constelaçom de grupos satélites, ou as alianças de heterogéneas forças que anteponhem o eixo esquerda/direita omitindo a sua interligaçom com a luita de libertaçom nacional, som algumhas das múltiplas possibilidades que hoje a oligarquia espanhola baralha como alternativas incómodas, mas possíveis, para manter a Espanha unida que o Capital necessita.
Porém, perante este cenário, tampouco servem fórmulas intermédias de endurecimento discursivo no ámbito social e nacional, se só pretendam ganhar tempo para recuperar o descrédito ganhado a pulso.
Estamos perante umha situaçom excecional para incidir no curso dos acontecimentos, sempre que a esquerda nacionalista e a esquerda independentista e socialista galega logrem construir um espaço integrador de mobilizaçom, conscientizaçom e luita de massas em base a umha ampla aliança de programa avançado.
A multicrise do regime só se vai dirimir em sentido positivo para as grandes maiorias, as mulheres e a pátria galega, se conseguirmos convencer o nosso povo mediante pedagogia de massas que a soluçom à prática totalidade dos problemas e dramas quotidianos que sofremos, nom tenhem cabimento no quadro de Espanha e do capitalismo. Que é necessário soprarmos coletivamente para promover um furacám revolucionário baseado na rutura democrática e um processo constituinte galego que culmine na instauraçom da I República Galega, de claro caráter socialista.
Temos responsabilidades em construir este cenário. Do contrário, voltaremos a sofrer umha derrota ainda maior que a de 1975-81.
Galiza, 3 de abril de 2013, no 167 aniversário da Revoluçom Progressista Galega
Fonte: Primeira Linha.